Blog da Liz de Sá Cavalcante

O ressecar da alma

A alma resseca com a morte, no sorrir da vida. A alma existe ao sair de si. O silêncio da alma é o meu interior. O silêncio é o tempo da vida sem o tempo de ser. A alma é sem tempo. O tempo faz do nada o tempo restante.

Fé perceptiva

A vida esquece de ser vida, sendo vida. A vida é a minha coragem. Pela vida, não tenho medo de morrer: quero viver com o sol a se decompor com uma folha caída da árvore. Vivo o necessário para ser feliz, numa alma desbotada: nunca terei a cor do universo. E se o universo não tem cor, qual será a referência do meu olhar? Como conseguir ver as coisas apenas pelo olhar? De que é feito o olhar que não vê? De outra essência, de outra vida? Não sei o que é o amor na vida. É diferente amar do amor. A adoração da alma se mistura com a minha morte para nascer meu ser. O eco da sombra é a minha voz de vida, a sacudir meu silêncio em um amanhecer assustador, de tanta vida. Tem alguma vida para mim? Deve ter algo exterior, distante do sol, da esperança. A minha tristeza, talvez? A miséria de alma me enche de vida. O interior tem que significar algo para si, para bem longe do interior. O interior é acordar para a vida. O despertar é tudo que tenho. A vida é a falta de respirar. Respirar é ausência. Lembrança, falta de reação à vida. Lembrança não é recolhimento, é liberdade. A liberdade do corpo é inútil à minha alma. Sem liberdade sou livre, como um gritar em silêncio. A alma perdeu mais do que eu em ser livre. Livre é a clausura da alma, não consegue imaginar uma rosa, um cheiro da lembrança que criou dentro de si para o mundo. Eu sonho sem mãos, por isso, meus sonhos são livres na mão do nada, que segurou as minhas mãos como se fossem poesia. As mãos das poesias isentas do nada, segura as mãos do nada, como quem prende a vida. Parece ter algo nas mãos: o nada. E, assim, esquece o contato humano. As mãos sentem minha ausência comigo a escrever. Escrever é um suspiro das mãos. Esqueci o nada na minha morte. A morte não compreende a falta do nada. Eu sinto o nada na falta de mim. Não há falta na falta. Eu sou a falta da falta. A lembrança é a falta do nada no nascer do nada. O fim é amor. O amor pelo fim não é amor.

Entendimento morto

O entendimento morto pode ser a vida que sonhei. Nenhum entendimento é vivo: não posso sonhar com a vida. A solidão pode ser o tempo que eu quiser, pode ser sem o tempo ou pode ser a vida de um entendimento morto. A morte não nasceu morta. O meu eu morto é o meu eu vivo. Nada é realidade, nem a vida, nem a morte. Tudo é a escuridão do nada: por isso, não tenho medo do pavor da luz. Sem a luz, sem escuridão. O silêncio é a luz e a escuridão que necessito. Viver não admite silêncio. Até os sons se comunicam com a alma, como se fosse a despedida da voz do adeus. O adeus não é o ficar eterno. Sonhar com o nada é minha autonomia. O nada é o fim e o começo de tudo. Explico minha morte com meu amor.

Visão abstrata

Numa visão real a vida é abstrata, abstrai o nada no ser. Apenas o vazio, pode tornar a abstração real, onde a única realidade, é um suspirar meu, onde a alma nasce de dentro até morrer.

Um novo amanhecer

O nascer nasce do amanhecer sem esquecimentos. Apenas a lembrança de nascer é sem esquecimento. A alma quer voltar ao ser pelo esquecimento, que é sua maneira de amar. A solidão não nasce, vive, sem o meu esquecer. É como se esquecer fosse além da solidão, do amor, do amor ausente. Ausências não morrem antes de amar. O ser morre antes de amar: assim surge o novo amanhecer.

O amor da morte é a estabilidade do inessencial

A alma nasce no tormento, se realiza em sua inessência, por onde o ver da vida se vê. Reconheço o fim no ver da vida. A falta de lembrança é sem intuição, a intuição é a vida. A vida é a permanência do adeus. Adeus que é hoje, amanhã e sempre. No dia da morte, morrerei no sempre: única realidade possível de se morrer, sem a tristeza de falar algo para mim em mim. O que poderia dizer a mim? Nada há para dizer a mim. Mesmo assim, lembro de mim. Ver é inessencial à alma, como uma vela que queima sem sentir. Eu não lembro o que queima, mas me sinto incendiar. O inessencial é mais visível que a alma, o corpo se esconde na alma. O agora vem da falta do corpo, não em mim, mas na alma. O suspiro do corpo é a alma. Meu suspiro é um fantasma a vagar na minha tristeza, me conhece melhor do que eu. E eu conheço tanto meu suspirar que morri por ele. Me tornei o imperceptível do céu em cada carência de estrelas, que sacode o céu em conversas sem palavras sem fala, apenas fico com a permanência do que sinto. E, assim, a permanência é intimidade sem palavras.

Impressionável

Morrer me deixa impressionada com o não morrer. Estamos na mesma alma, no mesmo fim. Fim que amolece a alma num desespero infinito, sem vida. A alma não sente: se sente na solidão. A solidão não é um sentimento: é voar sem asas. É, mesmo assim, imaginar que morri na conformidade do amor. Amor sem morte é ilusão. O amor necessita de um fim: a morte: nunca vou aceitar o fim. A morte morre sem alma. Uma forma doce de não se esquecer.

Morte atual e a morte antiga

Nada na dor sou eu, insisto na dor, num corpo massacrado, mesmo sem dor. A morte atual são estilhaços da morte antiga: por isso não sofro mais. Não há nada que me separe da alma, nem mesmo a morte. Apenas o silêncio pode me separar da alma. O silêncio é o meu interior. Meu eu não sou eu: sou o que é feito da alma.

Motivação

Não estou na motivação da vida, mas sem o desânimo da morte. Sou leve de tão parada no ar. O ar não me sufoca, me poetiza, não desestabilizo o céu pela minha existência, que não é existir. Existo mais na poesia, torna impossível a inexistência do mundo. Pelo mundo, vale a inexistência como alegria eterna.

O ser é antes de ser

O sol da manhã é sem eternidade, como um ser depois de ser, que é antes de ser. A eternidade do nada me impede de morrer. Morri sem a sombra da ausência. A ausência é uma voz que escuto no sempre de mim. O sempre existe em mim sem amor. Venci o amor com amor. A liberdade é um amor vivido como inexistente. Mas ele existe sem o íntimo da alma, que é apenas ceder ao infinito. Meu olhar é o fim do infinito. Toda a vida é apenas o fim do infinito para que o amanhecer não seja a falta de mim: seja o meu nascer, sem abismos de alma a expandir o céu. O céu é o abismo do nada no céu. O ser pode ser antes ou depois do ser, mas não pode perder o abismo de ser, que tem a mesma luz da vida. A luz se perde em luz. A luz é o devaneio do pensamento. Prefiro a escuridão do sonho. O ser antes de ser é o intervalo entre a luz e a escuridão, clareia a alma.