Blog da Liz de Sá Cavalcante

Mergulho em mim

Minha pele resseca o mar sem mergulhar em mim. O fim é um olhar a mais em minha vida. O amor é sem significação. Viver o nada é a significação da vida. Não posso fazer desse mergulhar em mim uma vida. Sonhar é o único sim à vida. Sonhar é aceitar a vida, é acreditar em mim. O pressentimento da minha voz é todo o meu ser. Não posso ir até a minha alma, ela veio até mim num desaparecer do amor. O desaparecer sem amor é a alma se vendo. Vi pela eternidade da alma o meu fim, continuidade do meu sofrer. Nenhuma vida me faz sofrer. Mergulho em mim sem mim no sofrer. E descubro-me viver em um sofrer sem corpo, pura alma da ausência do corpo. A ausência do corpo desaparece em sua morte. Presença do meu corpo não é apenas eu.

Velamento da consciência (esconder)

A solidão me escuta, até eu voltar a alma e deixar de ser. Escutar é uma ausência interior, em um diálogo interno internalizar a escuta, é perder a escuta. A inocência de ser feliz, deu lugar à vida. Escutar é apenas um detalhe em meio a tantas palavras, tanta vida mergulhada no silêncio de viver. Viver é nada escutar. Para escutar, preciso ter lembranças que me façam escutar. A alma é a vida em silêncio ou no que não escuto sem o silêncio. A vida é a repetição do ser sem precisar que a escuta envolva o silêncio, até eu morrer: até a escuta ser eterna, como um sol que não necessita amanhecer. Escurecer ainda mais a escuridão é ter alma, mesmo na escuta, eu a escuto em sua ausência. Escutar é o amor do silêncio, que escuta a minha morte para me escutar.

O nascer da alma

O nascer da alma é a falta de céu, de mundo, de ser. Nascer é lembrança da alma. A lembrança de viver se mistura com a alma: surge o nada da plenitude. O céu, as estrelas são pensamentos vivos: não são o céu. O céu é o que amo em Deus: sou eu em Deus. O céu sonha em mim. Sonhar me esvazia dentro do tempo que perdi comigo: poderia viver. O céu é sonhar, é ser irresistível para o sonho, como o despertar de uma estrela no amor. Apenas o amor devolve o sonho ao sonho. Assim, a alma não vai mais nascer. Então nasci pela alma. Não nasci em mim, e sim na alma. Nascer, por mais absurdo que pareça, já é amor pela vida. Esperar o nascer partir é ser eterna para o nascer, ficando no partir do nascer, como se meu ser fosse apenas partir do nascer. O partir do nascer é o sol, a vida. Nascer e ser são opostos que destroem o nada. O não nascer é pele, amor, presença, nunca ausência. A ausência está além da presença. Presença é dormir na eternidade, sem vivê-la. A eternidade é um descanso sem vida. A vida não é um descanso: é alma. Alma é a vigília de Deus. Deus não dorme, ama. Deus não é sua própria ausência. Deus é a ausência, sem ausências humanas. Deus não incomoda a ausência humana. Se a vida é amor, fica apenas em seu começo. Começar de novo no nascer da alma para ser o que não sou, e ser eu sem alma. Pela alma, nada tem alma, apenas a alma tem alma, no infinito de mim. O abismo do vazio é a alegria, o tempo, a convivência, é apenas não me sentir vazia. O abismo é o tempo de viver sem o fim sem nada me restar: então vivo. O nascer da alma é onde o sol se esconde.

A descoberta de ser

Não tenho nada na vida, nem consciência da vida: me sinto um ser, onde a vida está ao meu lado, não a alcanço: mais um motivo para me descobrir ser, nessa distância invisível entre mim e a vida, por isso, é mais concreta do que tudo que existe por ser invisível, como a falta do nascer do sol: existe, não se vê: vê apenas o sol. O que perdi é alma, é o sossegar de um instante perdido. O ser se descobre só, sem pele, sem subterfúgio, solidão, não é mais um ser. Eu quero apenas ter alma.

Ver apenas o inessencial de mim

O não nascido é a alma, ver o inessencial no inessencial essencial de mim. Não nascer não me faz pertencer à alma. Pertenço a mim por não nascer. O nascer me impede de ser eu. Não vejo apenas o inessencial em mim. Vi o não nascer como sendo eu.

A falta de ser é indestrutível

Apenas os pedaços não se destroem: apenas eles podem acabar com a falta de ser: torná-la indestrutível. A alma é minha fragilidade. Na alma, não há falta de ser, mas tudo é destruído no amor. A alma é o espelho onde a vida se vê. A vida é o espelho do ser. O espelho da vida é a morte. A alma não tem alma, é a essência da minha saudade na falta de alma para a alma. A esperança de vida é a morte. A morte é uma fala, não se despede ao falar: a fala é eterna dentro de mim. Tenho alma de fala. Sinceridade é falar com alma. O silêncio sem ninguém é a alma. A alma se cura de ser alma: é somente um nascer em mim.

Melancolia

A ausência é essencial para a presença na ausência de morrer. A ausência de morrer é um sono sem sono, alma sem alma, ser sem ser. Tenho sono de alma, durmo sem mim. Dormir é um carinho com a melancolia. Durmo apenas na melancolia para não morrer. Por que preciso morrer se já estou triste? A tristeza não é um exemplo, não me torna melhor do que sou. Sou um ser que sobe as alturas de mim, para morrer nas alturas de mim. Se a morte amadurecesse minha dor, mesmo assim, iria morrer. A morte está em mim sem dor. A dor de não morrer cessa a poesia, como o dilúvio da saudade: para começar o mundo, a vida. Se o sol não for suficiente para haver a vida, empresto minha alegria, meu amor, para ter o meu fim.

Absorvendo-me

A ausência me faz morrer para me redimir do nada. Flores são espinhos na alma. A realidade murcha. Absorvo-me falando de amor, sem ser triste. Absorvendo-me, morri. Nada é triste em me absorvendo. Morri, não tem impacto, é queda no abismo de mim, até cair em mim morta. Morrer é uma contradição, com o que vivo. Nada perdi no ar que respiro, por isso, deixo de respirar, viver, para amar. Brinco com o fim, como se ele pudesse ser uma poesia. Morri no essencial, esse é meu maior sofrimento. O essencial também é mágoa, dor: tudo escapa entre meus dedos e a alma. Foi assim que sorri pela primeira vez. Minha morte é essencial para a vida. A vida é o amor impossível, é destruição, a morte constrói, é o fim.

O amor vazio

Sem vida, sem morrer, na lentidão do vazio, criei a vida a viver por mim, não pelo mundo. O amor vazio me torna um nada para minha morte. Eu deveria ser tudo para a morte: nada sou. Mas ainda sou eu que morri. Na hora da morte, me senti ser tudo para mim. É tarde no esquecer, cedo para lembrar. Eu vi o céu sem mortes, onde estão os mortos? Em mim, que morri mais do que todos. Todos merecem viver, não vivem, morrem. Eu sou tua distância de ti, morri por isso.

Eu sem identidade

O eu é a identidade da morte. A identidade é uma maneira de morrer: virar água no deserto para quem tem sede. Minha alma, acorrentada à vida, eu livre. Não sou o mais triste de mim: o mais triste é a solidão. Tudo que é belo é morte. Deixo meu corpo fugir de mim, para amar, sentir, viver sem mim. O meu corpo me impede de viver, de ser, me deixa sem identidade. A vida são resultados nos fins. Os fins explicam a vida sem morrer. Perdi o céu para ser eu. Eu sem mim existo. Conhecimento é mais do que amor: é vida, solidão, ausência. A solidão não é ser só, é ter alma.