Blog da Liz de Sá Cavalcante

A ternura do fim

O fim não tem a ternura. Sua ternura é o fim. O fim é a vida no corpo. O limite do corpo é o nada a desaguar na morte. A morte não entra no corpo, faz-se corpo. A morte me torna forte. A vida me deixa frágil. O tempo é para os frágeis. Ninguém é forte para o tempo. O tempo se faz de tempo, e sua existência na falta de existência. Não se pode viver o tempo. O tempo é o adeus de Deus. Deus é uma forma de me despedir. Nada se revela, mas funciona. O olhar torna tudo nada. O nada não quer ser um olhar, mas o olhar não alcança o nada. Envolve-se nele e vive nele. O olhar não está acima de Deus. Deus pertence à sua morte. Nada é pelo outro. Tudo é apenas para si mesmo ou parece ser, por isso o vazio não pode ser minha morte. Vivo a morte do olhar como se fosse minha morte. Morrer por um olhar alheio a mim é não sonhar. Sonhar parece ser eu na minha morte, mas o tempo morre por mim. Estou anestesiada, não tenho forças para morrer. Morrer traz segurança ao espírito. Falta de força é a realidade da coragem. O ser e o nada são um esquecer na luz das trevas.

Vigiando o meu eu

Tenho que prestar atenção no meu corpo, no que sinto. O desacreditar é desatenção na alma. Na alma posso ser tudo, menos a alma que eu sonhei ser. Sonho mais que o infinito, que o fim. Fim que determina a ausência na alma. Agarrar a morte, como se ela tomasse a metade da alma e eu conduzisse as estrelas do céu com o olhar dentro do olhar. Estrelas são como nadificar a falta do ver em estrelas. Estrelas brincam de estrelas. Viver sonha com a falta de estrelas, e as estrelas coexistem no amor. Sem amor, tudo evapora, e o que era eu, é apenas pele.

Leveza

Não sobrevivo ao meu amor, mas tenho a leveza da vida. O sonho é o corpo dentro de si. A falta é uma alma no corpo. Não adianta sentir falta de mim, não estou em lugar nenhum. A falta comunica o incomunicável. Venha a mim mesmo sem mim. Tudo precisa não ser explicado. O corpo agindo, reflete o nada da alma. Eu reflito as ausências como a única coisa deixada por mim. Não morri. Afastei-me de mim. O único saber é Deus. O amor é insuficiente para viver, morrer, para ser. Eu me lembro de não amar: é sofrido, necessário. Entre o mundo vivo, o mundo morto. O mesmo mundo, a depender das mortes. O amor é um eco surdo, alonga a alma, me deixa sem amor. Dormir é sossegar o amor. O amor viveria em mim? Faça-me vida, amor. Deixe-me ausente de vida, de amor. Vou somar as ausências para ser eu. Se eu não puder ser eu, posso ser ausente de mim. Quero cessar de ser eu. Leio as ausências, sem poesias. Ausências não captam a alma, não tem vida, é um utensílio. Nada importa na ausência. Deus importa? O outro eu sofre sem mim. Tudo se foi por sofrer. Eu amo o que se foi e deveria ser enterrado comigo. Não sou um deserto, pois fui enterrada nele. Para que amar no deserto? O que não á para ser, torna-se vida.

Depreciação da presença da morte

Nasce comigo, morte, para aliviar a vida e ser comum. Canta que meu amor espanta a vida de você e sorriremos como almas gêmeas, duas mortes, duas esperanças. Morte, nada em ti é descrença, por isso te imagino viver de mim. Teu carisma de que o fim é um convite a ser mais do que é. Eu sou mais do que sou. Eu noto o respirar de ontem, como o amanhecer a nascer de mim, da minha morte, por isso nunca digo adeus, apenas me despeço.

Para mim, sem meu eu

Onde esconde meu corpo? Preciso dele para o seu fim. O tropeço sem corpo é alma, é sempre. Ninguém se adapta à alma. A alma é inacessível. O Sol se descobre na alma. A alma é a vontade do Sol de nascer. Os dias terminam no Sol e eu não tenho noites. Se não sou meu próprio amor, quem sou eu? Um risco na vida, uma falta ou sou um outro amor? Convivo sem lembrar das vivências, repartidas com um amor que não é meu. Eu sou a distância do teu mar. Meu corpo nunca existiu, portanto não pode ser enterrado. Sobrou eu sem mim, em um amanhecer aterrador. A ausência e a falta da noite tornam-se dia. Muitos dias virão para eu lembrar, idealizar a noite como uma promessa de depois. Dias e noites serão o fim da vida, o meu fim, mas o fim é tudo que conquisto. Muitas vitórias tive no fim. E se agora fracassar, estarei feliz, pois sou humana. Tive o mesmo fim das minhas poesias. Estou íntima de mim. O mundo lá fora não é mais uma agonia, é uma recordação do que precisei passar para ter um fim.

O sonho de ser morte

O ser, sonho da morte, é o ser, é a falta de relação, de reflexão. Relação é morte.

O nascer poético

O nascer só é poesia. O nascer com alguém é vida. O passado são pessoas que não existem, mas existem no inconsciente. Dar um fim ao passado é dar um fim ao inconsciente, que é inútil, como o passado, como querer. É libertadora a consciência. Não existe consciência do nada. O nascer poético, consciência eterna dentro da alma. Pode misturar o saber poético e a alma. Não sei onde começa um e onde termina o outro. Eles são diferentes. Não há consciência de alma no ser.

Desamparo

Nascer é sem amor, sem o próximo, solidão infinita, desamparo. Nascer é não ter onde ficar, como ser alguém. É viver para o seu nascer. É ter corpo livre para nascer infinitas vezes, até me descobrir falando e amando. Mas deixei de nascer, cresci sem nascer. Nunca necessitei nascer de mim, do meu corpo, da minha falta de adeus. Nascer é nunca viver, mesmo no nascer. Nascer é o fim do que não houve. Sem o nascer há vida.

Desapego da alma

Desapego é amor. Permanência é ser só na permanência. Permanência não é consciência. A consciência de ti nunca existiu. O nada não perturba a alma. O ser é a impermanência de Deus. Nada é, tudo se faz ser. Ser é uma lição da vida. O sofrer é o sustentáculo do corpo, revira a vida por um único corpo. A vida são todos os corpos, sem excessos de solidão. Solidão é excesso de alegria. Terminar em mim a vida é um privilégio. Sou responsável pelo fim da vida, não por mim. Não sou o meu fim.

De tanto amor

O passado é o isolamento frio do nada, é a perfeição no nada, que vem desaparecer pelo passado, pelo nada que já existe. E o sentir se inclui no nada, como se pudesse vencer as barreiras do amor silencioso, como se vissem a verdade e a aceitassem. Aí tudo seria feliz, mas a vida não é a verdade do ser. O ser é relativo e meu ser ainda acredita no amor, no que machuca, na reparação. O mundo me dá tanto, mas me sinto com pouco, de tanto amor.