Blog da Liz de Sá Cavalcante

Irreversível (não se pode reverter, voltar ao estado anterior)

Eu não gostava da minha alma até tê-la de verdade. Engravidei da minha alma para ter direito ao sol. Um sopro de vertigem queima o sol doce por viver. Nada sofre de sol, vida. A pele se pode arrancar do corpo, não da alma. Mãos firmes não sustentam o corpo em mim. Nada fica do corpo em mim. Por isso, não morri. Morrer de quê? Não sei, vou simplesmente morrer, como se dissesse amém a mim. Um beijo calaria a minha morte de mim. Um beijo em palavras silenciosas reflete-se sem silêncio. Tudo parou, estagnou em mim, sem palavras. Preciso lembrar da fala: me manterá viva um dia. Como conversar com minha fala? Com amor. Minha vida está toda em minha alma, não em mim. Mesmo assim, me sinto viva. Tão viva quanto a poesia de um único instante apenas. Gosto da minha alma para morrer nela.

Extravasar a alma (transbordar, derramar)

O silêncio se derrama nas palavras, sem que a alma transborde como a imensidão dividida entre mim e o meu amor, que sinto como sendo eu. Tudo vivo em palavras. Não existe vida sem palavras, existe vida sem convivência. Palavras são as estrelas do céu. Nada na palavra se pronuncia sem o céu. O céu é visão da vida. Lembro de mim ao viver. A vida é a essência de cada um, nos torna todos em um único ser. A vida nos torna ela mesma. Há mágoas que são vidas. Sonhar é lembrar para esquecer. A alegria é nada lembrar ou esquecer. Meu corpo, meu rosto, não fazem me lembrar de mim. O que mudaria se eu lembrar de mim? Nada. Nada muda, nada está como está: no corpo apenas. Não sou mais do que um corpo. A alma é o sempre do corpo, de mim. O novo horizonte no meu corpo não precisa refletir, sendo a alma no meu corpo. Alma na alma, no meu corpo pleno. Amar a alma é não ter corpo, nem alma, ter apenas amor. Pele é alma. O amanhecer é incompleto. O outro sou eu no amor que sinto. Amor é sem adeus. A alma estabiliza o ser. O ser é a alma que se fez só: em Deus. A imagem da morte jamais será Deus. A morte sem imagem é a falta do meu olhar, da minha alma.

Aconchego na alma

A morte é a derrota da alma. Vou viver sem alma. A morte é o aconchego da alma. A alma é o lado da vida que ninguém conhece na morte. A morte não está no meu lugar, ela me acrescenta, eu não consigo me acrescentar. Não estou cedendo a morte, estou evoluindo nela.

A permanência não é eterna

A permanência é um raio de sol: ilumina pouco, vive pouco. A impermanência é eterna: são meus sonhos. Vida, te vi como um sonho. Ver é sonhar. A impermanência é sempre. Nada além da impermanência do amor. Não há nem silêncio, dor, ausência: algo necessita permanecer, mesmo que seja a morte. Tudo é real no desaparecer. Não é real na impermanência.

Alma iluminada

Minha alma iluminada com o amor inexistente em mim. A existência não se deixa iluminar. A morte que tua ausência me causou me ilumina, me enche de vida. A paz infinita na minha alma iluminada. A morte é a medida perfeita da vida.

Renascer na dor

Renascer na dor para esquecê-la. Renascendo, vivendo na dor que não existe em mim. Nem nela. Renascer é sem alma, amor, sem chão, sem referência, sem amor. Apenas renascendo sou a ausência que necessita. Se precisa apenas de ausência, quero ser a melhor ausência para mim, para ti, vida. Que você, vida, está entre a vida e a morte. Vida, cabe em minhas mãos, minha vida, em minha alma. O sonho é uma alma que nunca se manifesta. A alma de ontem não é a alma de hoje. É difícil para a alma, viver numa vida que não se modifica. Tudo reage, não se transforma. O sol é o mesmo, a emoção, o amor pelo sol é sempre surpreendente, onde o céu são cinzas do sol.

Metade da saudade da ilusão

Metade da saudade de uma ilusão sou eu. O infinito que busco na morte é a imensidão do infinito, sem o infinito, vou morrer sem a morte. Metade da saudade ainda não é morrer. Vou morrer plena de saudades. Me espanto de ser tristeza como a morte. Aquilo que sou, o amor da alma. Mas não se reflete em mim.

O som sem voz

A morte são as histórias infinitas, vividas sem o começo e o fim de Deus. Sem Deus. Vivenciadas no vazio de mim, com amor. É como escutar o meu silêncio na respiração de Deus. Deus nada tenta dizer, apenas respira perto de mim, dentro de mim, essa é a paz que possuo e necessito ter. Em instantes, esqueço de respirar ao ouvir a respiração de Deus.

Saber viver?

Saber viver é inconsciência do existir. O nada, consciência de viver, não sabe viver. Viver é para poucos. Nada se modifica no nada. O tempo modifica a vida, não o ser, a alma. O que fica na alma é um sopro sem vida. Para que alma? Para um sopro sem vida. São tantas coisas perdidas em mim, não sei mais o que tenho na alma, em mim. O sol não me desperta, me faz viver. O amor nem sempre é bom. O olhar deduz a realidade sem nunca vê-la, e se satisfaz em não vê-la. Não se satisfaria em vê-la. Um único raio de sol é uma clausura na alma. Eu não tenho o sol em mim, e amanheço. O sol é a morte de um olhar. Vou o mais longe que puder de mim, para não ver a morte do meu olhar, deixá-la sem mim, em mim. O fogo da vida é alto no olhar. A vida existe apenas no olhar, na destruição, sem o fogo da vida. A vida são ecos de um pesadelo, não quero acordar como um eco vazio de mim. Quero ser a voz que me falta. Ser a voz que me falta, é minha alma. Quero ser a sombra da minha voz, no silêncio da alma. A lembrança é o vulto da sombra do silêncio. Até embranquecer o olhar de paz. E a paz fugir no branco céu. Não sei o que é céu e o que é amor. Sei que me sinto emocionalmente distante de mim. A morte diferencia o ser do não ser, como sendo uma coisa só: por isso, a morte se perde em mim.

O conflito entre o pensar e o querer

Triste não sentir tristeza e querer senti-la. Sentir e não sentir é a mesma falta de ser. Para assegurar a realidade. Sem a realidade, sei de mim. O céu espera por um pouco de realidade. O real sem realidade é o não querer da ilusão. Pensar não é querer. O olhar transmite a alma, deixando-me só. Vazia de alma, sem o meu fim. Apareço para o outro em mim. Enfim, só, sem ilusão do desaparecer, única eternidade possível depois do sol se pôr.