Blog da Liz de Sá Cavalcante

Equilíbrio na dor

Ver o céu pelas estrelas é perder o céu dentro de mim, para perdê-lo concretamente. A vida nem parece que foi destruída, está intacta, como um sol a nascer de mim, equilibrando a minha dor. A minha dor me faz perder o sol dentro de mim. O corpo é um sol de alma. Pareço estar em mim, não estou: isso me faz viver. Eu aqueço o sol com minha alma. O sol está frio com minha solidão. Dentro de mim não espero tua alma, a presença do mundo sou eu a perder tua alma. Ao perder tua alma, perdi a minha. Não preciso me recuperar, eu quero me perder ainda mais de mim, de ti, para que algo seja real, como te perder. Respiro sem respirar para não acordar o real. Deixar de respirar é captar a realidade. A realidade faz de mim um não ser real. É mais real que a realidade. A realidade do sonho sou eu o ser, a ausência como ser, queria te tornar eu. Assim, conviver com o igual são duas almas a tentar se amar. No fundo sei que você é você. Eu sou eu até sendo iguais, algo nos separa. O sonho e o real são a mesma coisa, se opondo à vida. Vou encolhendo na dor, firmando horizontes, cabendo nas mãos do destino e abandonando minhas mãos de vida. Mãos solucionam a existência do corpo. Mesmo assim, o ser continua incorpóreo. Escrever cessa o destino no meu ser. A alma não sabe quem é. Escrever é tentar ser o que não se é. A alma se apossa de escrever e eu fico na margem da escrita. Escrever é um espasmo da alma, é não ter vida, mesmo a sentindo. Fui mais do que vida, fui o sentir dos que me amam. Até sentirem a morte em vez de me sentir, mas era eu que morri. E, no entanto, se sentem morrer, como se minha poesia fosse finita para se parecer consigo. Para mim, nada se parece com nada, mas não é diferente do que vejo. Não tenho consciência, penso como se tivesse. Amo como se amasse. O amor desprotege a alma por dentro do ser. Meu ser é esse dentro do ser, sem a alma. A alma pode estar dentro de mim ausente. A alma não é uma presença. Deixei a presença pela alma. Morri para ter presença. Presença é não ter ninguém em mim. Ser presença pra mim me faz sofrer, morrer, onde nada acaba.

Depois da alma

Estou percebendo a morte no inimaginável do ser. Depois da alma, a falta do céu em mim: me dá esperança de não morrer. Morri na esperança de um adeus eterno. A eternidade é sem adeus: não tenho corpo, vida, no teu adeus. Teu adeus toma o lugar do meu corpo. Não necessito de mim no teu adeus, não preciso viver, preciso apenas do teu adeus, não posso te amar. Se me deixasse te amar, nem que fosse ao menos um pouco. Depois da alma, o meu fim sem teu amor.

Diluir-me de vida

A alma é onde não sei de mim, para a alma sonhar meus sonhos, amar por mim, ser eu por mim. Não posso ser eu. Eu estou preparada para não ter mais nada de mim, sem deixar vestígios de mim. Para que eu me esqueça, antes que me esqueçam. Como me esquecer, se não existo? O privilégio de esquecer é para poucos: melhor morrer que me diluir de vida.

A dádiva da vida

Tudo meu, dou a vida. A dádiva da vida é o céu, não há céu em ver. O céu é o irreal do amor humano. Não consigo ser para você nem a sua irrealidade. Almas irreais são amor. Nada sou, até para mim. O ser é o motivo para não ser. Deixa minha alma só para eu vê-la como é: toda eu. Vou ficar louca se acreditar que alma é alma. A alma se reflete na escuridão, a escuridão se reflete na luz. O céu se reflete em si mesmo. Se o céu fosse apenas luz, ninguém seria feliz no céu. O céu e a vida são as duas metades de mim. É por isso que não preciso de esperança. O céu dorme em mim, em meu ser insone. Desperto no céu. O céu é a verdade, e a morte, uma mentira que acredito. A vida segue sem rumo. Eu sou o rumo da vida. Presa no nada, consigo ver melhor o sol, a vida. É essencial ver o sol, a vida, sem morrer.

Afinidade com a morte

A solidão é o outro, sem a morte existe um ser, sem outro ser. Tudo na alma é ser. Alma é a luz da vida. Luz não é vida. Nada é tão só quanto a luz, que se humilha em meu olhar. Parti sem a vida. Sou o que devo partir para ficar comigo em mim. Solidão é presença de Deus. Deus é minha solidão, meu amor. Nada me faz ser eu, nem mesmo a solidão. A solidão é sem imaginação. Na solidão, não imagino ser só, não sou só. Sou só sem solidão. A solidão torna as cinzas um ser. O ser sem cinzas é a morte. A morte é o não da alma. Alma é o sim da vida. Sem alma, o céu é o espelho sem imagem, há apenas o real, sem permanência ou impermanência, é apenas real. O real é mais real que essa dor? A capacidade do céu de me amar me faz sofrer. Sofrer é pior que morrer. Ser só alivia o sofrer, sem eu morrer. Morrer na dúvida de ser é viver. Na vida, na morte, é mesma perda, o mesmo respirar, que me impede de ser. O desespero é fé. Fé que me isola da vida.

Ocultamento do ocultamento

Cesso com a solidão, com a dor de aparecer. Aparecer pela falta de mim é ausência. A ausência se fez essência, por isso, posso perdê-la, como se perde alguém. Não há ninguém para ter uma essência. Sem o ser não há ausências. Resisto ao corpo por não ter alma, pela insensibilidade sem corpo, que é todo o meu corpo. Na insensibilidade, eu sinto, amo. Tudo perdi no sensível: amor, sonhos, vida. Ninguém é alguém que todos veem. O corpo é o silêncio da voz, sem o meu silêncio. O corpo se cala sem o silêncio. A voz é sem saudade, falta da falta do nada. Interagir com o silêncio é alegria de viver. A alegria não vive, não existe, mas existe para mim. Mas não está dentro de mim. Não escuto a voz real, ao chorar. A vida, ela nunca está na fala, por isso, se fala da vida. Falar recupera-me o ar. Não há ar no silêncio. Recupero a tristeza no respirar. Respirar me une à alma. Sorrir é viver eternamente. A luz acende minha alma. O mundo era apenas luz. Acredito que a morte não é o último silêncio, é apenas a última vida. O silêncio é alma. Nada tem fim no acreditar. A lembrança não para na lembrança, vai até o ser e do ser até chegar a Deus. Deus não guarda lembranças, e sim, amor. Amor infinito. O amor finito, Deus também ama como se fosse infinito. O infinito destrói a distância da alma. A alma tem fim. O infinito me vê como sou. Sou a sombra do infinito no fim do sol das palavras. Não leio as palavras, sonho com elas. A palavra é a falta da vida. A palavra ama, sem ser amada. O suspiro é voz eterna nas sombras do pensar. Suspirar é falar como o céu fala. A fala se mistura com o respirar. Respiro na minha fala, indiferente a mim. A fala é o esquecimento de mim. O desespero da morte me faz ter consciência de mim. Mas sou também consciência de morrer. O céu aparece mais amplo no meu ver do céu. O ver aparece apenas no não ver. Ver sem aparecer: é assim que o ver se vê. Não posso emudecer o ver, apenas ensurdecer o ver. Desligo-me do nada na solidão. A solidão aparece para amparar o ser de sua alma. Muita alma para um único ser: a vida. A vida termina na vida. O céu é uma vida que não nasce. O sonho e o sonhador se diferenciam no nascer. Sonhar é a promessa de ver algo, que não seja a luz, nadando em minha consciência, como a falta de um olhar, uma ausência para ver a vida. Vida me fez ausência. Ver é ausência na imagem da vida, onde a vida cessa na ausência. A ausência não cessa na vida. Imagens surgem apenas na ausência. São a ausência de ser. A imagem cessa no real. O real sem imagem não é só. O irreal é quando a solidão não está só. Só como a realidade, que é só até com alguém, na realidade de alguém: é só na solidão. O sonho não acaba, torna-se o infinito do amor. O sonho não cessa por sonhar.

Prazer na ausência

O corpo é o fim da morte, e o começo da vida. O último respirar é o primeiro respirar, pôr a vida ser presença no meu respirar. Respirar me faz ter um rosto, uma alma. Apenas o respirar preenche meus dias, ele me dá algo que nunca ninguém me deu: autenticidade. Ninguém respira como eu: cessando de ser. Ficando apenas o respirar no vazio de uma canção. Não me arrependo do que perdi, me arrependo de viver, embora a minha vida seja a vida que sonho para mim. Quero novas vidas, novos sonhos, um novo eu, que ama a vida até no seu fim. Que fim me torna infinita? O fim dos meus sonhos! O nada deve a ausência, o fim de sua vida. Entrego minha ausência ao desaparecer de mim. Assim, a ausência aparece na minha percepção, a ausência desaparece, não me sinto desaparecer, me sinto eu: se isso for desaparecer, quero sumir sem o desaparecer, ou no desaparecer para sempre.

Reviver

O inseparável da alma é a morte, no reviver de mim. É difícil amar a alma em mim: é impossível amar a alma. Como ela é. Escorrego no teu corpo, como se tivesse alma para isso. Sei que algo existe em mim, sem estar dentro ou fora de mim: é saudade da alma, pois apenas renasço, a alma deixa de ser, num vazio transcendente: melhor que renascer.

Descobrir a vida

Descobrir a vida sem me descobrir, é transcender em mim. Dar um fim ao corpo não é corporal. Nada me faz companhia, nem mesmo o meu fim. Ao ser tocada, desapareço, entranhada, por dentro das minhas entranhas. Pensamento é o céu sem entranhas. Flores são as entranhas da alma. O não devorar me devora. A alma é o perdão da vida. Os pés na alma é alcançar o chão. Ter alma é o constante em mim. É como se meu corpo fosse feito de corpo, nesse morrer por mim. Descobri a vida no meu corpo, ao morrer, na distância que supera o real.

Acordar do sonho

O outro me faz acordar do sonho. Ao tocar minha voz, perco a alma. Na voz não há existência. Não existo sem voz. Quando escrevo, a voz se torna única, toda minha. Meu pensamento é a escuridão da minha mente. Nada se aproxima da mente, por isso há pensamento: na inacessibilidade: o ser por ele mesmo. O acessível é sem ser: por isso, tem alma. O tocar investe na alma, deixando-a sem amor para captar a essência do amor na alma. Olho a alma e nada vejo: isso é ser feliz. A alma depende da minha alegria para viver. O instante é a alma partindo, se faz vida. A vida é encontrada na alma eternamente, sem eternidade, é buscar a alma sem encontrá-la. Dessa busca nasce eu para mim. Nascer é não ter alma. O instante, a vida, não se perdem na alma. O sol, a vida, deviam ser para todos. Acordar do sonho é alma. Vivi muito a alma, e nada de mim. Nuvens aliviam a escuridão da alma, não a faz ter sol, lhe propõe uma falsa luz: ela não está no imaginário, está dentro de mim.