Blog da Liz de Sá Cavalcante

Chorar de rir

O ser e o nada são falta de alma. Alma é nunca chorar com o chorar dentro de mim. Chorar é cantar o não ouvir e sentir as palavras no escutar do nada. É onde entendo: nada há para entender. O eu de tudo é a morte. A morte não entende entendendo. Se entregar a não morte é o mesmo que me entregar à morte. A luz da morte é o sono eterno, cheio de luz, para me iluminar.

Magnitude

O sonho não sonhado é a vida entrando em mim. A tristeza é infinita na alegria. O ser e o não ser são a morte bem-vinda, como um fim querido por chorar.

Vida insubstituível

Toque-me, porque é insubstituível, aumenta a minha dor, que fica rara, única. Os braços corroem o corpo, deixam-me sem dor. A dor é consciência. Nem a consciência, nem nada cria o corpo. Criei-me sem o corpo. Sem alma, sem mim revi o que perdi. Perder é poder perder, é ter muito mais. Não consigo deixar de morrer. Os dias são perdas vividas. A vida ainda acontece pelas perdas. Não sinto a morte. Vou construir minha morte com a vida. O que deveria ser eu além de mim? Minha morte. Amar me falta o ar. O submundo da morte de amor morto-vivo. O amor é vivo na morte. Sonhar o partir como se fosse meu corpo e eu acordada dentro de um corpo. Ele não me quer. Eu o quero como um sonho. Eu sonho e acordo sem corpo. O corpo é reconhecer meu nada. A distância preserva a alma, mantém-na acessível. O corpo frio, inacessível, bem que deveria ser alma.

Por que não existir a vida?

O mundo é tão hostil. Tentei lhe dar poesia, mas foi impossível, assim como é impossível a vida existir. Meu corpo, minha alma e meu ser querem vida, mesmo uma vida sem memória. Ouvi um som, pensei ser vida. Era apenas o meu coração enfraquecido, morto, clamando por vida. A saudade é a espera do nada na pele. A pele é a vida que fica sem fragmentos. A pele nunca sairá da pele, porque não pode ser Sol. Não existe vida, pois existe pele.

Nada faço, sei apenas amar

A vida me ensinou apenas a amar, não a viver. Não sei o que fazer com o amor. Ele é sublime, sagrado. Se eu tocar nele, morrerei. Morrendo, posso tocar o amor sagrado. O amor comum é a solidão do ser. O amor sagrado é o amor vivo, universal. A pele se rasga de amor. A memória da pele é minha eternidade, é mais que pele, é o arrependimento de Deus. Deus é minha pele. Sinto dores, embora não as reconheço em mim. Olho para Deus e nada mais importa. Deus não sonha, Ele é. Esmago meu ser para sentir amor. Dilacero-me de amor. Não importa a falta, a vida, se ainda sou eu. Tudo é declínio da maturidade. O Sol é a imaturidade de Deus. Merecemos apenas escuridão. A escuridão é alma de Deus. Nunca fui nada na alma de Deus, até que senti sua presença. O ser não entende a alma livre. O livre é como ficar sem mim. Ser livre sem a alma é não ter céu em mim. A liberdade do céu é uma poesia enterrada em mim. Sem liberdade enterro a vida, o céu, as estrelas e salvo a poesia. Deixar Deus ser Deus é a mudez do infinito. Deus fala por mim. Minha mudança de vida é nunca falar com Deus, apenas amá-lo. Isto é adoração. Vou à morte, do princípio ao fim, para não morrer. O psicológico do ser é uma forma de não viver. Viver mais, cada vez mais, para poder viver como devo viver. Terei a vida no viver, sem viver. Viver é partir com o respirar. Nada é só por partir.

A liberdade flui apenas como morte

A liberdade me quer como se eu fosse sua morte. A liberdade de escrever é falsa... Esvazia-me, acalma-me, faz-me não desejar nada, apenas escrever, como se escrever não fosse nada.

Apenas o nada me torna quem sou

Meus olhos são essências sem alma. Estou cega ao infinito. O infinito me conduz na escuridão. Vejo o infinito sem mim, sem olhos do abismo da morte, até cessar meus olhos na palavra amor, que nunca será vida de ninguém. Meu olho não é distante, nada vê e isto o aproxima de mim mesma. Apenas o nada me torna quem sou, para haver silêncio, para eu poder viver.

Somando o nada

A restauração do nada trouxe de volta meu rosto, meu corpo, minha alma, meu interior. Morri no interior, mas meu rosto, minha alma, meu corpo continuam sendo a minha memória de tudo, uma memória feliz, na qual me sinto ainda mais viva que antes.

Defendo-me do nada para viver um pouco

O mundo inteiro não vive, fica na expectativa do nada na alma. Violar a vida nas suas expectativas para não respeitar o amor. No nada posso cuidar, viver a vida sem expectativas. Derrama em mim tua morte. Não é sacrifício morrer para ser o meu morrer. Morri sem ser o meu morrer. O sonho é o morrer definitivo. Tudo é injustiça sem morrer. A fala do morrer me distancia do nada, e é quando percebo: não preciso morrer, preciso apenas ficar na morte. O mundo é a morte. Tudo sonho, por isso pertenço a mim. Morrer e sonhar em espírito é minha maneira de ver a vida com meus olhos. O espírito morto sonha mais que o espírito vivo. Espírito é falta de mim, sem saudade. Queria ser eu apenas para sentir a saudade de mim como vida. A falta liberta a presença perdida de ser só. Ser só é a voz que se escuta do outro lado do mundo e se escuta também no céu de Deus. Deus não existe no silêncio humano. O silêncio impede Deus de amar o ser. A comunicação é amor. O delírio é viver o amor como um só. Nada tem o tempo de Deus. O sonhar realiza a confiança em Deus. Confiar é perder Deus para o sonho? Morrer é suficiente para Deus. Será que algo sabe de mim sem mim? O que o tempo fez de Deus? A memória da eternidade sem eternidade. A eternidade de Deus somos nós.

A inexistência da existência

Não choro, mas tenho alma para o que sinto. Viver não pode renascer; renascer pode viver. Renascer é ruim, é como nunca haver Sol. A sinceridade é a existência da inexistência. O corpo é a verdade da alma. Viver é o abismo entre nós. Respirar é a sinceridade pura, que vem da alma, sem pensar, sem sentir. A criação não é alma. O nada é um sentir que nunca será ultrapassado. O sentir é ausência de Deus. Deus sem sentir é apenas ausência. As estrelas modificam o mundo. Nada se fez, por isso é estrela. O tempo é mudança de espírito. O espírito é a falta de imagem de Deus. Deus sofre com sua imagem. Imagem esta que dá volta ao mundo até aparecer para ela como um ser imagem, que vê apenas o que quero ver, não o que preciso ver. Ver é adeus às coisas, como se elas fossem minha essência na essência de Deus. A essência de Deus é partir. Eu sou o seguir de Deus sem o partir de Deus. Deus fica comigo na transcendência do nada. Sem a transcendência do nada, não há Deus para mim.