Blog da Liz de Sá Cavalcante

Silêncio de morte

O sonho é o silêncio, morte, única coisa viva. Esse silêncio de morte foi o cessar da alma, na alma. Foi além da alma, além do respirar eterno. A morte foi além de Deus, tornou-se Deus. Deus é morte, vida, é tudo. O Sol é o semblante que deforma a luz. O amanhecer é dar a mim o que nunca vou ter. Ter do não possuir é alma. Não há nada próximo a esta vida deserta: apenas a alma está perto da vida. O silêncio é de morte para a fala ser de amor. O silêncio rompe barreiras para construir muros de silêncio, sem solidão. Entre paredes de solidão, para o Sol entrar, a me isolar do mundo. Transpassando as paredes de solidão, vendo o nada, refaço-me em uma saudade de céu. Tudo em ti é cimento na minha desconstrução. Foi mais difícil desconstruir-me que me construir. Em nenhum dos dois tive a ajuda da morte. Sou livre ao menos para morrer, como se não existissem teus olhos ausentes, já perdidos em morrer, que, na falta de amor, poderiam ser amor. Amor condena-se ao teu olhar, pois é o que me falta. Para outros faltam coisas muito piores. Para mim faltam a morte e o teu olhar. Ele existe? Vê a mim como sou? Vê a mim como quer que seja. E se eu nada quiser ser? Como vai idealizar-me? O nascer do nada nasce da morte. O consolo de ser só é a morte, o céu, as estrelas. Cessei na morte. O espírito é a falta de manifestação do ser. Essa manifestação do ser é a morte em espírito. O que de mim ficou na morte? O silêncio torna-se uma palavra desconhecida, infeliz, indefesa. Nenhuma palavra substitui a morte. Ela se diz em morte no morrer definitivo de me dar, como uma palavra que precisa da minha morte para existir com o significado da minha existência. Existir é não ter um significado. Significar é morrer. Tudo existe no irreal de si. Não é o mesmo irreal da irrealidade. Tento imaginar-me no real. O real não é real. O sonho tem corpo, alma, além de mim. Um corpo invisível, que não transcende na sensibilidade sem vida, transcende na vida. Não sei por que morri. Talvez para ser eterna. Ser eterna no silêncio da morte para liderar meu amor, sem sonhos, onde estou entregue ao amor. A morte torna-me humana.

Vida abstrata

O sonho é uma vida concreta; o ser é uma vida abstrata. Não se pode prometer o céu a quem morre: na morte somente há a morte. Nem a morte me quer. Eu não me quero. Nada quero para morrer, mas existe o querer. O sonho é melhor que meus pés, que me levam aonde quero ir. Quero ficar onde? Em mim não posso. O céu nunca irá descobrir o amanhecer, assim como nunca vou descobrir a vida. Enfim, não sou só.

O absoluto

Escutar é o sim da alma no absoluto de mim. Nasci ao falar cada palavra: vivência vivida só em mim. O absoluto nada pode falar do que eu disse. A falta de ausências é a anormalidade do ser. O que fiz para ser ausente? Escoa a alma. Escondida, a alma manifesta-se. Minha voz esconde-se de mim. Falo sem voz, em lampejos de indiferença. Apenas eu me sinto assim: solta, sem ar. A voz é o não saber, sem dúvidas, receio. Deixei minha voz falar apenas para respirar este momento de ilusão. Respirar sem firmeza, no vazio de respirar. Nada se respira sem sonhar. Respirar é sonho que entorpece a alma. O tempo se foi sem sonhá-lo. Meus olhos sonham em mim. Sonhar é falta de inspiração. A alma inspira-se em mim; não se inspira no céu, nas estrelas. Ao me separar de mim, grudo em mim, agarro-me em estrelas, no não morrer. A morte é contra a natureza do ser: viver. O céu cessa amando-me. Sonhos nunca têm fim, nem mesmo no pensamento, nem mesmo no amor. O amor segue só, pois não pode levar todos com ele. Por isso, ainda é amor. Como sentir o que sinto? O Sol do nada é minha vida. O nada é esconder as ausências de mim. O nada é sem ausências. A ausência é o frio a despertar a alma. Não consigo dormir com a alma, viver com a alma, mas sorri na alma. O que posso ser para a alma? O corpo não é alma. Alma é nunca me despedir da vida, mesmo morta. O infinito não tem dimensão. A dimensão do infinito é a alma crua, nunca despida de si. É preciso coragem para ter alma: enfrentar o amor, amar apenas o desconhecido. Mágoa no nascer é a eternidade do nada na eternidade da vida. Sou incapaz de ter um corpo, mas o tenho pela falta de amor. O absoluto é a morte.

Viver sem o nada

O nada são as mãos do silêncio nas mãos de Deus. Viver sem o nada é ser mutilada em sonhos, é proteger meus sonhos do meu morrer. A morte é não me sentir mutilada por dentro de mim, sem ter nenhum sentimento. Mesmo sem sentir, dói por dentro de mim. Dói como um sonho que não nasce, vegeta. Sou a sombra dos meus sonhos e nenhum sentir vai mudar isso. Se eu fosse apenas sonhos, seria só, como um sonho que não sou. A vida é o que restou de Deus enquanto havia tempo.

Confundir

Confundo lembrar com morrer. Ninguém continua a lembrar para amar o esquecimento. Esquecer é uma atitude, uma escolha. O esquecer é um céu de luz. Confundo-me comigo mesma. A morte não lembra que morri. Eu lembro que morri; lembro sem mim. O nada é minha alma. A solidão é alma. Meu medo de morrer é que tudo tenha sido uma ausência, sem culpa, pois precisava existir, como a vida, o céu, as estrelas. O nada suspende a ausência no infinito de mim. Quem precisa do infinito na ausência? Ninguém. A ausência é meu infinito. Que adeus se pode dar ao infinito? O infinito dos olhos é mais do que infinito, é a morte que torna meus olhos eternos ao cessar a vida. O silêncio é a lembrança da vida. Confundo ser com estar sendo. É inconfundível a morte. O nada limpa a mente; os pensamentos a poluem. O nada não tem dificuldade para ser um ser: o ser tem. A escassez do tempo é a única eternidade. Meus olhos são eternidade que não pertence ao tempo, pertence apenas a mim. Entre tantos fins, mesmo assim, quis ter olhos, mesmo sendo para ver o fim que nunca existiu, nunca houve vida. Ver é falta de viver, de vida. O nada é a visão do mundo e torna a vida invisível. A vida existe em si mesma, no nada. O ser é a superfície da vida. Este desassossego da alma é minha paz. O nada é a paz de Deus: paz sem alma. Esquecer a alma é lembrar de mim. Meu coração é alma. O tempo é solidão da alma, do céu, de Deus. Minha solidão é a morte. Morrer é ter o céu em mim. Sonhar é apenas um arrepio na alma. Saindo de mim, sou eu no indizível de mim. O desconhecido de mim é o que se diz de mim. Rótulos do amor? No sonho, eu mesma falo. Nascer é estar isenta de mim, sem separação. Nascer é estagnar-me, é não ter sonhos, é perder a consciência de viver.

Vejo-me

O silêncio abraça-me no meu não ver. Minha aparência de morte é vista como uma aparência de vida. Tão amada a minha solidão, que não me amo. O desamor torna possível minha aparência sem o possível da aparência. O nada é a aparência da aparência. A aparência é um sonho sem devaneio de existir. A voz é canção da alma em uma vida surda. A existência é só na sua verdade de existir. A intuição é o nada, derrama-se em pensamento. Pensar não é ser. Ser é não pensar, não amar. Minha aparência fica triste quando ela é aparência. O nada me faz ver-me. Ver pelo nada é transcender no teu partir.

Como calar o Sol?

Como calar o Sol? De luz? O Sol é a abstinência de viver. O Sol não se calou. Minhas palavras são o Sol que faltam no Sol. Leio o Sol no seu desaparecer, onde ele é inteiro. Compartilho a minha vida para ter o Sol na alma. Compartilho a minha vida com o Sol para morrer no Sol minha luz.

O despropósito de morrer

Curvo-me na morte, prostro-me nela sem pensar na vida. Ser eu na morte é a mansidão dos instantes. É o retorno sem esperança. Na minha estrela, sou a sua eternidade. Fazer dessa estrela minha existência ser. O ser da alma é inútil. Tudo tem fim no ser da alma. Sem alma, sou eterna no suspender do Universo. Acima de Deus está o nada, onde alguns esquecem de Deus ao lembrar do nada. Lembrar do nada é a existência que fala na sua incompletude. A falta de lembrar do nada é a beleza do silêncio na vida, sem o existir do nada. Existir é a paz de um corpo doente, da alma na pele, sem pele. O nada na pele é a eternidade. O corpo é a pele subterrânea de um adeus ao nada na pele, na ausência. A presença é o vazio da pele que espreme a vida. Não há vazio na vida, há falta de ser. Se minha pele é minha única realidade, sinto-me irreal, em uma pele costurada pelo vazio sem pele. O vazio da pele é minha morte, uma morte em pele. Quando a morte é o espelho da pele, a morte não é pele, é nada a me faltar. O tempo é a vida que resta em mim. O silêncio retorna como eternidade. A eternidade do Sol é o anoitecer. Escrever é o falso amanhecer: o isolar de mim. Deixo o Sol nascer sem amanhecer.

Ausência eterna

O nada é ausência de Deus. Deus separa ausência e vida. Ausência é o dormir da vida, até eu aparecer para mim sem o aparecer. Assim, a ausência é eterna de tanta vida, amor. Paro de respirar, mas não paro de ter ausências. Meu respirar é ausente do meu corpo, por isso eu estou viva.

A dor da vida

Não serei eu nesta vida de dor. Não penso na dor da vida. É ruim a vida; é pior sem ela. O espírito é a saudade, sendo essa saudade. O espírito é a saudade que me faz viver de saudade. Falta-me um corpo, uma alma, um ser em mim, mas não me falta saudade para sentir. A minha saudade é a dor da vida.