Blog da Liz de Sá Cavalcante

O que deixei em mim sem morrer

Morrer é um momento apenas do espírito. Apenas tento ser esse momento, que não é meu. Resistir a alma é morrer. Ser a alma é luz que foge da escuridão no jardim do pensamento. O que deixei em mim por morrer foi essa mistura de luz e escuridão. A escuridão me aproxima da luz. A luz que o olhar não sente é a luz da escuridão. O firmamento do céu é escuridão. A beleza do céu é a escuridão que torna o céu enigmático, na prontidão do luar para ser o céu inimaginável, como a alma. A morte posso imaginar sem o céu. A sinceridade é o céu no meu amor. A falta de morrer é um sentimento raro. Não morri, me senti morrer. E foi por me sentir morrer que não morri, para a estrela ser eu a morrer. A permanência vem com a morte. O que espero da morte é a vida: não uma vida deixada por mim, mas uma nova vida. Beijos de silêncio calam-me no nascer das palavras. As palavras são o sonho a fala. Meu beijo na superfície do nada, minha fala flui, em acontecimentos eternos, onde permaneço intacta de ser. Permanecer é esquecer.

Tempestade de ausências

O sonho em tempestades de ausências é o despertar do céu nesse nós de mim. O nada emendado no nada é a falta de mim. A alma desencontrada me impede de morrer. Morrer se derrama em mim. O despertar é morrer sem me derramar.

Formar o nada

Cavar minha alma para eu vê-la no fundo do nada, para formar o nada. Quero morrer sem o fundo, raso de vida: não estou mais só em mim. Lágrimas de luz dão-se ao nada, com a certeza de não sofrer, de ser esse ser no nada do não sofrer. O nada eterniza a vida no nada de si, para não sofrer. Me eternizo no nada para ser, para sofrer em paz. Mas o que se eterniza é o meu fim. Fico sem o nada: fico vazia. Quero estar contigo no meu nada, ele não deixa. O nada sacode o vento como uma melodia que não cabe na poesia do vento.

Não há retorno no nada

Não há retorno ao nada, pois ele não é, apenas existe. Seu existir é o meu ser em mim. O nada é de dentro de mim, saindo como entranhas do céu a fixar o tempo no nada de Deus, que somos nós. Somente em Deus posso retornar ao nada de ser feliz.

A alma da voz

Estar viva é a memória de Deus, na alma da minha voz. Um estrondo no meu silêncio de morte, me aproxima da morte, da realidade.

O ser do meu ser

A realidade aparece em sua negatividade: no ser do meu ser. Não há distância no amor. Quero ter alma para que a distância de mim abrace minha alma sem o mundo. Sem a vida o amor é infinito, sem tristezas. O vácuo de mim é minha essência, que roubou minha morte de mim. Fico vazia sem a morte. Vazio preencho com o buraco dentro de mim. Esse buraco é a plenitude do vazio, sem o vazio de mim. A beleza da vida é a morte: fim do fim. Do fim que apazigua a terra da alma e faz morada. Flui natural minha morte, é como o despertar da natureza, fez-se em mim. É sede para saber onde vivo: estou dentro do amor de quem me ama. Não há ser em mim, além do ser do meu ser. Dessa incansável busca de nós. O amor cessa o ser. O ser da morte é o ser como presença. O nada é uma presença dentro de outra presença. A presença do céu são todas as presenças numa única presença: a presença da ausência. A ausência só significa o céu no mundo, no ser, no mundo do ser. A vida é um mundo particular da alma de Deus. O silêncio é a falta de alma a retornar ao nada, como sendo o sustentar do mundo do amor. O tremer do sol renuncia o amanhecer por um amor infinito. Tão infinito quando deixar de olhar a vida. Para a vida, o infinito é o meu olhar.

Me consumir (me destruir)

A multiplicidade de sons na morte me faz não escutar o último apelo da vida. O sonho enterra a vida. A alma descoberta no fundo da morte. A vida vive do seu fim. Esse fim somos nós. Vivo duas vezes: uma para esquecer a vida, outra para lembrá-la. Lembrar e esquecer é uma só vida, perdida na lembrança do esquecer. Nada pode se destruir no esquecimento. O esquecer tem a firmeza da alma. Abrir o sol na permanência da morte. Ver a morte no sol: permanência da alma. Não há sol na vida. O tempo trará o sol de volta à vida, pelo meu ser, pelas minhas poesias. Poesia é um instante só no mundo que se estende pela eternidade. Eternidade é presença do sol na minha vida.

O risco de ter paz

A paz pode ser a morte da alma. Faço a luz conforme a poesia, de acordo com a minha vida. Fiz nascer a luz para não ter paz no ver. Ver é luz, cria a realidade. O céu não se abandona mais, sem ser visto. Ver o céu é clarear a alma. A paz é meu amor morto. Paz é não ter esperança. A esperança do meu olhar é a minha morte. Anseio vida.

O nascer do amor

O amor nasceu da ausência absoluta, que é perdão de existir. Ausência não é amor. Amor são críticas. O céu me desampara. Minha ausência brilha para o céu, e o céu me responde me dando vida. Vou desarmar o céu, surpreendê-lo de amor, sendo capaz de lhe dar amor, vida, ar para respirar por mim. O nascer do amor é minha ausência: sou eu sendo ausente por viver.

A permanência é uma estrela

Se a permanência fosse uma estrela, lhe daria minha impermanência, como prova do meu amor. Não escuto o escutar, como me escuto falar. O sonho é esse nós perdido em mim. Nós sem mim. A impermanência de ver cessa a solidão. Esse nós, abismo perdido. Perder tem asas reais. Terei a vida sem asas, sem ilusões. Amei a ausência que a minha liberdade me dá. Ausência, foge das minhas asas, não se afaste de mim. A alma é o exterior, sussurra a falta de nós. O exterior é o que foi perdido em ver, para eu ser o amanhecer que sonhei. A falta nunca amanhecer em mim. O som da alma em mim é quando sou o amanhecer. Sonho e amanhecer são alma e espírito juntos. O sonho supera o infinito sem o ser. O sonho sonha só. O sonho amadurece quando não é noite nem dia: é apenas ser, apenas sonho, apenas solidão a vida, é a solidão do mundo. O mundo do meu olhar é mais mundo que o mundo. O mundo é apenas uma imagem confusa, onde ver vai além do tempo, além de mim. Ver é a liberdade de ficar só. Cada um vê sua própria solidão. Ver precisa de inspiração, não de imagem. A inspiração é a imagem de Deus, do céu. Como olhar a imagem de Deus? Esquecendo toda inspiração e ficar com Deus. As pessoas mortas desaparecidas se tornaram a minha realidade para que amenize a falta que sinto delas: é como viver. A permanência da estrela se tornou o coração da vida, no pulsar do amor.