Blog da Liz de Sá Cavalcante

Sonhos de solidão

O eterno sem eternidade divagando na solidão do sonho. Não vou despertar da solidão como se não houvesse vida. A vida é toda a solidão. Ser só, sem a vida, é morrer com a vida. O sonho de solidão cessa o desamparo. Ver é não ter ninguém para ver por mim. Vi demais a mim sem ver: é como desvendar o nada em mim. Sonhar emudece a alma, e esta é a voz da solidão. Isole-me sem partir – este é o desvendar da tristeza. Sem tristeza, vegeto, mas não morro. Morrer não é esconder-me, é onde a poesia canta. Escutar a poesia é nada saber, é tudo morrer sem escutar o silêncio interior. Eu sou feliz sem o interior, e assim morri sem o sentir. Desse modo, perdoei minha morte de mim.

O inesperado

O inesperado foi-se em uma espera de alma. Eu fico muito só no inesperado. Acostumei-me a esperar. Espero por mim eternamente, como espero pela morte – sem esperar por nada, nem ninguém.

A calma da morte

Na hora de sua morte não tenho medo, mas tenho alma para me acalmar. Quase distante da morte, como se fosse em mim. A morte é um passo adiante, que pode parecer distante, mas não é. Apenas o meu coração está distante de mim. Não quero a convivência, a clausura. Quero ser eu. A vida faz durar a poesia, degenera-me como se eu tivesse apenas um raio de Sol nesta morte, para que a imagem desapareça longe da exuberância do céu. O céu não isola Deus. Deus se isola de si. O sofrer nasce sem Deus, não necessita de si para nada. Deus é tão bom, que vê apenas a sua bondade. Fiz com que eu mesma não acreditasse em mim para acreditar em Deus. O nada também é Deus. A calma da morte violenta-me com amor. Tenho mais medo do nada do que da morte. Ninguém deixa a morte ser o que é: a generosidade do fim de não começar pelo fim. Há mais fim no começo do que no fim. O fim não é um começo, é o Sol a nascer para mim de maneira especial.

O ser do ser

A morte sente-me onde desapareço. É o ser do ser ao agir como morte, fim do adeus, fim do que continua em mim. Como morte, o céu é o ver sem ver, sonâmbulo de amor. O desespero, única saída para a vida. O não ver é o meu mundo noutro mundo interior. O interior é incomunicável. O interior é uma lágrima onde não sobrevive a minha dor, não se faz dor, mas se faz nós, sem mim, sem você. É triste nunca chorar, apenas para ser eu. Choro sem mim. Escuta minha inexistência como um retorno à vida. Nada te torna o que sou. A vida é paz mortal, que me desafia todo dia a ter consciência de mim. A consciência de mim fora do meu corpo é luz da alma, que acende a morte no que sou capaz de morrer. Dou à vida uma outra vida, distante de mim; salvo a vida que me mata. Não descanso. Durmo eternamente como se eu pudesse amar minhas palavras. Deixo-as sós, em mim.

O ser se supera na morte

Ficar é morte que termina no silêncio de mim. O fim de ser triste é o próprio ser. Esse ser sou eu. A morte impregna a alma. Sufocar o sentir é sentir o sentir. À margem do olhar está a vida a tentar ser alma. A alma é a expressão do vazio. Estou presa na alma. Alma, foste um momento de desespero, que não preciso mais nesse reconhecimento, que é desconhecimento de mim.

União

Unir os corpos na morte é vida que não sai do corpo. Entre o ser e o não ser existe a morte. O fim é a insuficiência como forma de ser. O ser é igual à morte. Ter Sol nos olhos é ver pela segunda vez.

O que não me mata?

Se a solidão mata, se a falta de solidão me mata, o que não me mata? O caminhar do vento fazendo do vazio, da dor um assobio leve, como uma poesia do céu no mundo, fazendo da tristeza o meu melhor. A ternura do silêncio é a morte no prosseguir da vida.

Neutralidade da vida

A vida olha apenas o sofrer, pois não me vê. A busca do interior cessa no não ser. O que levo da morte em mim é o meu interior. Viver a morte não é sentir a morte. O sonho despedaçado é melhor que apenas sonho. O som da vida desperta-me em seu silêncio. Não consigo dividir-me com o que sou. A morte redime a mim de morrer. Se o amanhecer fosse eterno, não existiria amanhecer.

Mudança

Nada se compara à morte para mudar o tempo. A morte, essencial ao tempo como o nada para o ser. A morte não é uma morte qualquer: morreu na minha lembrança. É como nascer em um precipício.

Separação de almas

A separação de almas é a vida. Fui feita do pó da morte, do restante do que já não é. Não respiro. Concluo o respirar no ar da morte. Na separação das almas, enfim respiro.