Blog da Liz de Sá Cavalcante

Vida irrefletida

A vida se reflete no irrefletido. A aparência é o irrefletido. O céu do céu é o amor. O corpo não me torna um ser. O amor se transforma em vida, em morte, em sombra da ausência. Para o ser ser nada falta muito. Troco a vida pela alma e, assim, sou eterna. O nada sente a alma de outra maneira, sente a alma como fim. O fim despreza a alma, vive para mim.

Sofreguidão

Do silêncio nasce a vida. No silêncio consegui falar de mim, ser eu. Ser eu na sofreguidão do nada. Um grito sem dor é alucinação de amor. O espelho da alma é o nada. Nada seria sem o nada, mas ainda seria feliz, como uma ilusão descendo no mar, mar do meu amor. Vai cair no mar do alto, sem descer ao mar. O mar me expande, fazendo eu esquecer de mim.

Amadurecer na distância de mim

A vida nada constrói. Ela é a falta de uma presença. Nada substitui a vida, nem mesmo a presença. A presença modifica o ser em um amanhecer sem morte, pura dor. Tudo sinto na vida e na morte. A Lua da noite é a tempestade do amor. O silêncio rompe a barreira do tempo. O único obstáculo para o tempo é o ser. O ser para si mesmo é o tempo. Que falta faz o ser no tempo? É a mesma falta que o tempo faz a si mesmo? O tempo é cru dentro de mim – eu ainda sou crua. Esse amadurecer da essência de mim, na distância de mim, é colocar as minhas palavras no tempo. Minhas palavras salvam o tempo na sua inexistência. A alma é a profundidade do tempo.

A vida da consciência

Ignoro o ignorar. Há muita vida na consciência. Ignorar não deixa a consciência sem vida. Nada restou da consciência, restou apenas a vida.

Transferência

Abandono-me ao pensamento, não consigo transferir-me ao pensamento. Falta o vazio da alegria, na extrema unção das estrelas, na sua paz sem paz, onde a estrela é mais do que uma estrela, é uma agulha na alma, é o vir a ser sem o depois, perdido no horizonte do pensamento. As estrelas se dizem especiais para o meu esquecer. O tempo é a lembrança de Deus. Abençoa a bênção, devolve-me as minhas lágrimas de alegria no sono profundo de Deus a me despertar. Palavras de céu se unem às palavras da vida. Tudo é quieto no mundo sem o meu interior. Deixa-me na saudade de ontem para eu ser rasa como a morte. Sentir faz eu escapar como uma estrela que permanece. Cada alma tem sua estrela, cada céu tem o infinito diferente. O amor é o fim do infinito. Morrer é a paz do infinito. Olho para mim, vejo apenas o infinito. O infinito é a aparência ausente. Tudo se explica em aparência. O amanhecer definha em amor. O que está guardado é esquecido. Amor é conhecimento. Tudo sei do amor, e o amor sabe de mim. Nada no saber é real. Acostumei-me a não saber a realidade. O peso da cruz é o meu ser.

Frouxidão na alma

A poesia não é criação de nada, é o amor que sempre existe, cada vez mais, mesmo na frouxidão da alma. A liberdade absoluta é a morte; a liberdade superficial é a vida. O fim da liberdade é o sonho.

Primavera de amor

A primavera é um inverno interno de ideias, expectativas. O Sol vai contra o vento, contra o céu. O último suspiro é a vida. Nada se torna Sol. O Sol nasce Sol. Antes mesmo de nascer, já era Sol. Nascer de novo é sem Sol. Nada se sonha sem Sol, nada se ama sem Sol. Amanhecer é a inessência do Sol, sem a solidão do Sol, de viver. Vivo o que me separa do real e sou feliz. Nada contém a solidão, por isso preciso falar. A solidão é o mundo, o interior, única companhia eterna. Primavera em almas absorvem-me. Tudo se constrói na desconstrução. Nada tem o amanhã, nem a sua falta. Morri como primavera. Eu sou meu espírito quando morro. Sonhar me custa a vida. Nada é esquecido no esquecer, apenas a branquitude da imagem, em um céu sem imagem.

O sonho do amanhecer

O real não é real de si mesmo. O real é mais real que a realidade. Meu corpo é real apenas em si mesmo, não em mim. O Sol é a realidade da vida; eu sou a realidade da vida. Rever o olhar na fisionomia do nada; transferir meu rosto para a fisionomia do nada. Transferir meu amor para o nada faz-me viver, torna a alegria infinita, pois é uma maneira de não estar só comigo na morte, que não afunda a vida, dá-lhe a estabilidade. A instabilidade é a estabilidade da minha voz no eco do silêncio, que ressoa nas palavras. Estou presa às palavras, onde consigo viver. Nada diminui o silêncio, nem as palavras. Cansei de palavras. Quero amor, sem palavras, no além das palavras. O sonho do amanhecer são apenas palavras.

O sonho eterno do meu olhar

Caminho no sono eterno do meu olhar. Vejo o meu olhar na minha morte. O passado é o meu olhar me vendo.

Aconchego na alma

A sinceridade é o amor da alma, a sinceridade é voz da alma. A alma reconstrói sinceridade. Reatar o nada ao nada, reviver em silêncio a falta do nada, como escuridão. Além da escuridão, carinhos sem alma, sombra em forma de ser.