Blog da Liz de Sá Cavalcante

O nascer do amor

O amor nasceu da ausência absoluta, que é perdão de existir. Ausência não é amor. Amor são críticas. O céu me desampara. Minha ausência brilha para o céu, e o céu me responde me dando vida. Vou desarmar o céu, surpreendê-lo de amor, sendo capaz de lhe dar amor, vida, ar para respirar por mim. O nascer do amor é minha ausência: sou eu sendo ausente por viver.

A permanência é uma estrela

Se a permanência fosse uma estrela, lhe daria minha impermanência, como prova do meu amor. Não escuto o escutar, como me escuto falar. O sonho é esse nós perdido em mim. Nós sem mim. A impermanência de ver cessa a solidão. Esse nós, abismo perdido. Perder tem asas reais. Terei a vida sem asas, sem ilusões. Amei a ausência que a minha liberdade me dá. Ausência, foge das minhas asas, não se afaste de mim. A alma é o exterior, sussurra a falta de nós. O exterior é o que foi perdido em ver, para eu ser o amanhecer que sonhei. A falta nunca amanhecer em mim. O som da alma em mim é quando sou o amanhecer. Sonho e amanhecer são alma e espírito juntos. O sonho supera o infinito sem o ser. O sonho sonha só. O sonho amadurece quando não é noite nem dia: é apenas ser, apenas sonho, apenas solidão a vida, é a solidão do mundo. O mundo do meu olhar é mais mundo que o mundo. O mundo é apenas uma imagem confusa, onde ver vai além do tempo, além de mim. Ver é a liberdade de ficar só. Cada um vê sua própria solidão. Ver precisa de inspiração, não de imagem. A inspiração é a imagem de Deus, do céu. Como olhar a imagem de Deus? Esquecendo toda inspiração e ficar com Deus. As pessoas mortas desaparecidas se tornaram a minha realidade para que amenize a falta que sinto delas: é como viver. A permanência da estrela se tornou o coração da vida, no pulsar do amor.

A visão do mundo

As estrelas podem ser o meu olhar, na visão do mundo. Posso ver nas estrelas os meus olhos tão sonhados por mim, pelas minhas poesias. Alma, ficaste sem sonhar nos meus sonhos, fizeste-me minha. Eu me fiz tua.

Poesia em flor

Poesia em flor é terra de ninguém, é a marca da vida deixada em alguém. Alguém que ama a vida como eu, mas sem abandonar o fim, que não é o fim do fim, é apenas o início do fim, como uma morte flor. Na poesia em flor. Vivo a vida toda nesse eu para mim. Convivo com a morte, quando sinto que me tocar está diferente, diferente do meu amor. Estou perto de morrer, longe de mim. A distância me aproxima de mim. O sonho esquecido por falar, existir, no que me causa dor. Mas a dor é um sonho. O que falta na dor? Ser eu na incompreensão da dor. O tempo não desfaz a dor. A dor vai além do tempo, me possibilita a ser eu. Eu, onde não é triste ser eu, é apenas estranho. A margem é toda a vida. Sou o complemento da vida que não ficou no nada. A poesia em flor se destaca num mundo imenso. A poesia se perde em poesia e me deixa a flor, numa poesia em flor. Adormecida em flor, num jardim de alheamento. O céu responde às minhas súplicas com meu alheamento. O céu deita em mim, como se eu fosse a presença dele em mim. Misturamos nossos alheamentos, eu e o céu, e sorrimos um para o outro, e a presença torna desnecessária no nosso amor, nosso amor é a única presença que podemos ter.

O muito do nada

O céu não é distante, me distanciei do céu com meu amor pela vida. Transcender a morte, na vida. Me alimento de alma. O nada é o aparecer na ausência de Deus. A realidade não vence o nada. A realidade desliza como alma. Desapegar da alma numa vida de alma é exclusão do mundo. Cesso meu ser, para não perder o nada de mim, referência de vida. O nada me mantém. Olhos navegam no nada de querer o que vê. A leitura facial da morte é minha alma, numa morte alheia a mim. Na morte tem mais de mim para mim. O mar encosta no sol e a alma derrete sem saber. Tudo no ver é sem a imagem do pensamento. O pensamento vai além do ver, é o nada, é o sol incandescente da alma, que apaga o amor. O amor é a ausência na saudade inexistente: presença do nada. Ver na morte o nada é não ver a morte.

O nada absoluto

Nem o nada nem o absoluto me farão viver. A vida depende do nada para existir. Insistir no ser, perdendo o nada, é o absoluto do nada. A alma vazia não é o absoluto do nada. Me perdi no nada, me encontrei só sem o fim. Nada é perfeito. O nada é perfeito, fica na alma. O nada não escorrega em mim como a vida. Fica em mim, mais do que minha alma. Alma é o regredir ao infinito. A alma é a ilusão de ser. Negar a vida é explicação da vida, no nada. Fui desaparecer no nada para me encontrar. Me encontrei no nada para o nada não fazer parte de mim. De você, eu tenho o nada. O amor anseia o nada. Nada sou sem o nada de ser. O nada é o meu ser. Vivi só, sem o nada, foi o mesmo que não viver. Sonhos de nada tornam a existência eterna. Apenas o nada sabe onde deixou a vida por não sofrer, a perdi. Posso tentar dizer o nada em outras palavras, mas sempre acaba em ser, em morte. A morte não alcança a nada. A morte é uma só para todos, por isso, sinto vazio, não sinto o nada. Sentir o nada é me absorver. Nada tem a paz do nada. O universo não cabe no nada, perdi o universo sem o nada. Escrever isola o nada em mim. O nada é dono de si mesmo. Enfim, é o enfim do nada, não do ser. O nada amo sem o nada de mim. Fora de mim, há vida, sem o exterior de mim. O exterior de mim é o nada. Tento invocar o nada para eu morrer, no desaparecer do céu. A criatividade do céu é o seu desaparecer. Fortaleço o nada com o meu amor, como se o nada fosse o céu.

O conflito do nada

O nada não sabe ser nada. O tempo refaz o nada. Sem o nada, ele é. É o nada sem o nada de ser. A alma exerce o nada, não é o nada. O nada é espiritualidade infinita. Há mais entre o céu e o mundo do que o ser. A falta é um abraço na alma. O mundo é uma alma fictícia, no céu da aflição. Meu ser não sabe que desapareceu. É mais uma vida de amor que prevalece no desaparecer. O desaparecer é o próprio ser sem o nada. Minhas mãos não escrevem: sonham: logo, escrevem. Vou reduzir meus sonhos, ocupam toda a minha vida. Alma, me socorra, nada faço sem ti. Tua ausência é um consolo para ti. Desconsolada, perdida, tento resgatar o meu olhar da minha lembrança. A visão emotiva falha, erra. Tenta visualizá-la, o amor não deixa. Deixo que o amor a veja sem o meu sentir. Para sentir, não basta amar. Sentir é saber dizer adeus. Não se vive, me despeço da falta de vida para ir para o nada, minha origem. Eu fiz de mim o vazio do nada. A vida é diferente dela mesma. Sem a morte, não há nada, há apenas a angústia não vivida, nem no céu, nem no mundo. A angústia é sem tristeza, sem espera, sem o nada, é apenas o ar que respiro. O nada não se nadifica no nada, se nadifica em mim. Escrever é como segurar as mãos de Deus. Minha aparência é o nada no céu. O nada no céu são os meus pensamentos. Tudo se diz nada eternamente sem o céu. O nada das palavras é um céu inacessível, que abraça a vida sem o nada de si mesmo. Nada tem o nada original. A vida são cópias do nada. O nada original é a morte, não é fiel como as cópias do nada. Nada é cópia de mim, mas será que sou me único eu? Meu eu não é minha morte. O sol da morte é minha alma. Apenas a morte me traz ao mundo. O além do real é o nada. A morte devolve minha fala, meu agir. Agir, às vezes, é morrer. Não morri agindo, morri sendo. Sou capaz de morrer: tenho necessidade de morrer como nada, para afastar o nada de mim. Morrer no nada é morrer sem o nada, onde posso abraçar a mim. O conflito do nada era a minha ausência de morrer.

Tremeluzir (brilhar)

O amor brilha mais do que o céu. A morte, lençol que me cobre para eu dormir. Alternâncias de luzes são o meu sono, minha paz: é como ter certeza da vida, mesmo que inexistente: sou inexistente na inexistência da vida. Não existir é poético, por isso, não é o fim. Fim é quando cessa a poesia, a tremeluzir, a brilhar poesia. Poesia é o fim de tudo, começo do nada, para tudo ser infinito sem durar no fim. O silêncio não dorme em mim. Quero não ser teu vazio. Não sei se é importante o que falo, mas já me expus. Brilho na opacidade do teu silêncio. Tua inexistência me obriga a existir. Existir é sempre. Me tornei o que represento para mim, mas ainda não sou eu. Existir é continuar no vazio inexistente de não esquecer a vida. O vazio inexistente pode causar minha morte ou me fazer viver. Consigo me ver brilhar no algo da inconsciência, com a escuridão dentro de mim. A morte se acumula em mim. A decadência da escuridão teme a morte como um rastro de luz. O nada é eterno se for real. A irrealidade do nada é o ser. Ser se consome na pele que rompe a barreira do ser. É luz, é sol, é vida na minha morte de estrelas. Eu vivo o nada, vivo a vida, vivo tudo que existe. O silêncio abrange a vida. Tento sentir o silêncio vazio, ele apenas adormece no meu sentir como um apego ao nada. Escrever é o nada íntimo. Meu nada não é o nada de todos: meu nada se traduz em palavras. Eu sei o que o nada é em mim: saudade de ser eu em mim. Escrever é uma lição de vida ou de morte. Nasci sem vida. O mundo criou a vida em mim, e nele mesmo. Nada posso ser na saudade de mim. Na falta de mim, tudo sou. O amanhecer amanhece na ausência, regado sem luz. O sonhar na luz afasta o meu desespero. Nada sofro na luz, na minha consciência. Mas a alma oculta a luz em seu ocultamento. O céu já tem Deus como luz. Viva sem luz e sua alma não se perderá. Não sufoque a luz com um olhar: ela não pode ser vista.

A insuficiência do mundo no tudo de mim

A inapreensível alma, o amor, que a rasga, a dilacera. É nossa morte, que expulsa a alma da alma, sem restar vazio, nem remorso. Não acredito no amor da minha alma, como me faço amanhecer. A lembrança não tem abrigo, cessa como se eu visse e sentisse o seu fim em mim. Lembranças e o fim não combinam. O ar de despedida me faz viver na lembrança, como um respirar impronunciável de morte e dor. Caminhos falam para que eu não possa respirar pelas palavras ditas, mesmo assim, me consolam, me refazem. Quero dizer, amor, meu refazer não deixa. Ele vai contra o amanhecer, contra tudo. Estou grávida das minhas entranhas, como um sol a se partir ao meio, como duas metades da vida, ambas perdidas em poesias. Vou me arrastar em mortes escorregadias, como se eu fosse o soprar do vento, depois da tempestade de sol.

Tão perto

Senti a alma de tão perto: me senti viver. Foi como se o ar fosse minha vida. Respiro, estou limpa de alma e de coração. E me sinto flutuar num céu mais infinito que o céu: o fim do céu. Existo sem escuridão: não quero existir: quero apenas ficar na escuridão para a vida ter coragem de partir na luz, isenta de mim. Na luz a morte é apenas saudade do que não sou.