Blog da Liz de Sá Cavalcante

Sonho de luz

Vou morrer antes de morrer, antes de mim. E o sonho de luz se desfaz em poesias, para acordar o sol. O ar mata a alma, purifica. Nem a morte cessa a ausência, o fim da ausência é Deus no ser, Deus em Deus. A realidade não é presença. Presença é ser só: é conseguir ser só, sem a presença do nada.

Ainda estou aqui (para pai)

O que está unido no amor, no ser, no mundo, no céu e é onde ainda estou aqui: na morte, na vida, no que vier, no que não vier, é a mesma sombra de adeus, ternura de reencontros: é o meu eu em mim. A morte obedece à vida, é escrava da vida. Dessa escravidão nasceu a liberdade: nasceu Deus. A razão, inexistência de tudo. No amor não há inexistência. A inexistência é o silêncio que não posso ocultar, ser a inexistência. Não posso ser a inexistência. O meu amor, inexistência da vida. Pulsos de alma, cortados com amor. A igualdade do agora e do passado, do ser e o nada, é o amor. O amor não pode ser amado. Nada morre em si. Morre no outro. Como receber do outro sua morte? Ninguém sabe o que significa morrer, nem a própria morte. Na morte, como a falta do adeus a mim. A alma não conhece minha dor, me conhece melhor do que eu: me vê feliz. A alegria é um pedaço do céu, que Deus guarda para mim. Mas o céu, não tem o teu sorrir. Ainda estou aqui na morte, onde não pode me encontrar, mas pode sorrir como se fosse eu. Sou um pouco você. Sou você.

Sinceridade de sofrer

Extrair a alma do nada é amor que se faz só. O amor se faz só, por ter um ser com ele. Dar ao nada o meu amor e não receber, me inspira a ser eu. Me mostre quem sou sem o meu ser, e conhecerá algo mais essencial: minha ausência, meu olhar. O adeus é a sensibilidade do nada. Meu ser existe na falta de pensar: é ausência, a falta de pensar. Não é ausente de mim, essa falta de pensar: é uma presença que participa. A presença é pessoal, íntima. Mas a presença não é íntima de si mesma. A presença é a inexistência de vida, de ser. Fisicamente sou presença de alma. A alma traduz o amor sem presença, na eternidade do adeus. A alma são duas: a da morte e a da vida. Nunca se encontram: assim, nasce o sonho. Apenas o nascer não nasce. Sobrou da alma, a vida. A certeza da alma é o nada da incerteza. A alma fala por mim. É demais viver. A vida é o outro em mim. Sem o outro não há vida em mim. Ser é para ser a vida. A vida que existe no outro, mas ser é vida, até o outro existir. A vida é o negativo do ser. O corpo nada quer de mim. A alma me suga. O corpo não consegue se fazer corpo no ser, nem em si mesmo. Não há corpo no ser, não há falta de ser. Simplesmente não existe ser. Mas ainda há o ser da alma, dentro da falta do corpo. Meu ser é substituído pelo passado.

Preciso de mim para ser feliz

Não sinto a consciência, ela age na inconsciência de amar, se faz forte, não se faz amor. Sua força vem de não amar como eu amo. Me sinto eu, saindo de mim, pois minha consciência não é o meu mundo. Eu sou meu mundo. Me reescrevo sendo eu ainda. O ar não me traz à vida. O ar é me conduzir no que respiro, pensar no que me faz respirar. Ar é o que sinto no respirar. Não é o próprio respirar. O sonho desvenda meu ser sem morte, sem vida, esta é a facilidade de sonhar. Sonho para me alcançar ao menos em sonho. As minhas mãos vazias sonham costurando-se em vidas diferentes do ser. Concebi a vida de dor. A vida nasce de mim, num céu de espelhos, é apenas uma imagem o céu, que me devolve a alma com estrelas. Me vejo no céu viva de céu. Me dou às estrelas. O amor de uma estrela é o céu. Largo o céu, sem sofrer. Não sou uma inspiração: sou seu vazio. Ser o vazio de uma inspiração, como uma nuvem de sol. O vazio me comove, me deixa lúcida, quieta como se fosse morrer.

Luz intensa

A vida não é esse agora. Não há como ser esse agora em mim. Os movimentos do meu corpo são a minha insensibilidade agindo em mim. Sou insensível com minha morte, como uma pedra que cai na alma, é do tamanho da minha dor, mas a morte não mede minha dor inigualável, rara, perfeita. A luz se desfaz em morte. Nasce a luz real que entra nos meus olhos, e deforma a vida no meu olhar. O olhar é o infinito da vida. Conter a inspiração sem o morrer é o vazio. Sem nenhuma instrução, o amor morre sem conhecer a vida. Luz intensa faz do meu desconhecer a minha morte.

Essência

O nada tira do ser sua essência. O nada é alegria infinita. O nada acrescenta o ser à vida. O nada e influenciável: morri pelo nada. O nada é decisivo. Sonho em existir no virtual do nada. Sonho com o nada: no nada de não morrer. Poderia ter me amado, viva ainda. Meu fim encruado, estagnado, quer surgir das minhas cinzas. As cinzas não deixam.

Quem sou eu no nada?

O nada dos meus olhos não reflete o nada. O nada é para agir nesse nada. Quem sou eu no nada? Tudo, mesmo sem o sol, na minha poesia. O nada vive como um ser do nada. Não um ser no nada. O ser no nada é uma ausência de morte, como vida do nada. Mas a vida do nada é a morte, sem a emoção da morte, que cessa vida do nada, como amor. Sem o nada sou a morte.

O nada do nada

Sou a solidão da solidão, no nada do nada. Perdi-me no nada dos teus olhos, como lembrança de mim. Tenho alma de lembranças isentas de mim. E, por isso, ainda são minhas. A solidão é como não necessitar olhar para o céu. Mas ter o céu dentro de mim, por isso, sofro. O nada tem o tempo para si, até ser o tempo de si mesmo, se tornar minha voz. O único lugar que existe é o nada. O nada sempre quer mais nada. O nada é vida. O nada é o olhar que me consola da solidão, a solidão é a minha pele. Quero ficar só, na minha pele. Quero sorrir com minha pele. A pele é o nada do nada. O nada dos teus olhos, me faz ver. O nada dos teus olhos me faz viver.

Necessidade

Não tenho consciência, apenas amor. Ou será uma consciência de amor? A morte não é razão da consciência, mas é razão do meu ser, que sobrevive à consciência. Eu fui dura com o amor, como uma falta de necessidade, que fez nascer a necessidade na inconsciência do amanhecer. O desaparecer é a consciência de tudo. A ausência da vida me faz viver. Esculpindo o amanhecer no meu corpo, eu esqueço o que quero. Deixo meu corpo por um instante de morte. Morrer sem o corpo é transcender. Transcender no corpo entre lágrimas e mortes. A morte foi o que aconteceu de bom na minha vida. A morte me inspira a começar a viver. No amor não há nada, nem o ser. Há o instante perdido no meu olhar sem o nada, refaço o instante sem nenhum instante. A necessidade de eu ser uma poesia cessa o meu ser. É de onde vem a poesia: da falta de ser: é o meu ser. Há tanto a amar, que não dá tempo de viver.

O infinito da alma

Me sentir só é me sentir na imensidão do infinito. O infinito da alma é minha morte: deveria ser minha vida. A vida é o que restou deste partir e desse ficar. Partir e ficar não são vidas. Partir e ficar é a estagnação do meu ser. Uma estagnação por uma vida inexistente. A memória é um papel em branco, que tenho que preencher com ou sem vivências. Lembrar é o fim de ser triste. Não há o que lembrar: então sonho com o sonho. O sonho é a realidade transformada em mim. Faço o que for preciso para ser eu sempre. Desisti da vida antes de desistir. A vida não se vê. A vida vive à toa. Se Deus fez a vida, deve ter algo de bom na vida. Pelo espelho, não vejo minha tristeza. Minha imagem é triste, ainda mais triste ao se ver. Eu nasci para nascer cada vez que não me vejo. Varrer o chão da vida para sentir teus rastros. Rastros do sol na minha inexistência. Não sinto falta do amanhecer, como sinto falta de mim: essa é a minha inexistência.