Blog da Liz de Sá Cavalcante

A imagem do desaparecer

A noite escurece meu ser, a única luz é o vento, que saboreia minha pele. A linguagem é a falta de vida. A fala substitui a vida. O céu, ausência de Deus, aproxima a realidade do fim. O meu fim não se mistura com o fim da realidade. São fins diferentes. A linguagem pode ser realidade ou ilusão pela imagem do desaparecer, onde a fala aparece e é visível, até na alma.

A fala poética se opõe à poesia

A fala poética e a poesia se tocam. Ultrapassa o viver. A fala poética é onde me perdoo por existir, a poesia é onde me esqueço. O sonho é a lembrança do esquecer: é a poesia que não se derrama em mim.

Ainda não há ninguém

Não há ninguém, mas o ninguém de mim, é alguém na solidão. Falar com a solidão é o mesmo que falar na solidão. O tempo é a fala de Deus. Saudade, fim da solidão. Nem o ninguém preenche o ninguém em mim. A fala sem pensamento é a alma que desculpa o tempo, por deixar a alma sem tempo. Sem eternidade, a alma possui apenas a luz da esperança. Morte, escrava da vida. Eternidade é a escravidão de Deus.

A morte é união de almas

Ser é uma ausência que une as almas. Sou feita de várias almas e nenhum ser, por isso, estou viva pelo encanto da morte, que é uma vida sem frescura, regalias. Nada me impede de sofrer. Sofrer é como sempre há vida. A realização da morte é o ser se perder antes de morrer. Meu ser morre no meu eu, como se morresse no vazio. Meu eu se supõe profundo. A morte é a brisa do meu coração. O eu dos meus sonhos não é o eu real. O irreal sonha mais do que eu. Somos um único ser: o ser outro é a morte. A morte não existe em mim, nem no meu eu, mas continua sendo o meu fim. Não é o fim de ser só. A morte preenche o tempo na perda de si. Perdendo-se a morte, encontra-se em mar de afetos. Perdeu o perder, não se perdeu mais. O mar navega no sol, não nas suas águas. A perda do amanhecer é a alma. A falta de nascer da alma é a alma onde nasce a ilusão de existir. A guerra do meu corpo com a vida é a alma. Necessito morrer, pois existo além do sol, além dos arredores de mim, que não vão além de mim, mas são o além do além, onde Deus não está. Estudar a alma é nada aprender. A alma é nada aprender. Permanecer na ignorância é viver.

Buraco no nada

O abismo de mim é um sol sem buraco. Sinto melhor o meu corpo, depois da morte. O espírito da má-fé é a essência da morte. A morte é plena, feliz. Nada lhe falta por ser morte. Tento enganar a morte ao escrever. Nada se dá para ser um ser. O ser precisa conquistar para ser um ser, é a morte prazerosa, cômoda, que veio atravessar-me como uma faca: são apenas as mãos da morte: curam ao me desestabilizar.

Velar a morte

Não vou deixar a morte morrer só. A vida depende da morte para existir. Enquanto velo a morte, penso na vida. Dou minha aparência à morte, assim, minha aparência continua em mim. A minha imagem me impede que eu me veja. Ver é não me pertencer. Pertencer ao ver é esquecer minha imagem como esqueço de amanhecer, do sol que me mantém na luz eterna dos meus sonhos. Vivi mais que sonhar. Vivi o morrer em mim até morrer.

O espírito é suficiente para morrer?

O espírito, ao morrer, devolve a mim para meu ser. O espírito não consegue ser possível, morre, na possibilidade de morrer. Vou amar até não ser a cruz de Deus. O nada é união do todo. Sem o nada o todo é apenas ele mesmo, separado dentro de si, une o nada ao nada, querendo saber de si pelo todo, que não existe mais. Meu corpo tenta ser esse todo: não é: é o intervalo entre o ser e o ser, o ser e a morte. Meu corpo apenas não determina que morri. Terei um corpo apenas na morte, que não pode ser uma lembrança de mim. O nada do meu respirar torna o nada nada. Respirar é solidão. A solidão faz viver. A eternidade de ser só é me unir ao nada, me se parando dele. O nada é vencer o desafio de se viver. Viver não é viver em mim. É viver no nada. A imagem é o nada em mim, por mim. A imagem não aparece no nada. Quero ser tua imagem, vida. O ser exterior é o que vive: está fora de si. O ser interior está dentro de si, não se vê: é a morte. Nem a morte nem a vida é ficar junto: ficar junto de mim é deixar o interior e o exterior para a vida e a morte: nunca pude senti-los para conseguir ser eu. Eu me fiz eu: esse é o fim de ser só. A única certeza do amor é estar amando quando o silêncio se fecha na morte. O que ficou da morte em mim é esse amor pleno. O tempo da vida são palavras sem o ser, palavras sem o ser são o humano. O espírito da palavra ninguém lê. O sonho é uma palavra indizível. As palavras expressam o que o amor não expressa: o meu ser. O espírito é a volta do que não partiu se eu pudesse tornar o sempre amor, tudo seria feliz. Um pouco do nada da minha alma em mim. E eu seria feliz. O céu cantando para mim desfez meu olhar na vida. Minhas lembranças sempre foram o céu. A ausência de ser são palavras que me explicam. Não há tempo no ver que reduz a imagem no ver do sentir, para eu ver uma imagem como o que me resta. O sonho é sem imagem se a minha imagem for meu sonho transcendi sem imagem, em busca de quem sou sem imagem. Não preciso de mim, preciso apenas de uma imagem para saber quem sou.

Identidade

A alma é uma vela apagada na luz da identidade na luz do ser. Nada faço, sonho, meu sonho desliza como água no meu corpo, para que a canção do sol anoiteça, e eu enterneça em despertar.

A fala do silêncio

O amor da alma se dá ao morrer, onde tudo é comunicável, na fala do silêncio. O pressentimento de morrer é o olhar que me falta, por viver, é alma. Ou continuo a ver a morte, ou nada vejo.

O nascer do nascer

O irreversível no meu ser é a alma, como um nascer do nascer. Não há nada no céu ou na vida que não seja morte. Morte que se dá, sem querer nada em troca. O nascer do nascer quer apenas o sol sem vida.