O fio invisível que protege a vida da morte me faz regredir. Sem regredir não há vida. A vida é uma regressão. O som da vida é ouvir e pensar no som, sem a vida sair da regressão. É se fazer do corpo que não sou. Preencher-me sem mim, na minha alma. A alma se estabiliza, compõe a vida. A alma é uma loucura sem cura. Sinto-me linda de alma. A alma é tudo no nada; o nada é o apelo da vida e sente para a vida vir. Nada é vida no abraço. Ou é? O abraço é melhor do que a vida. Regredir é abraçar o céu. Nada acaba com o nada. Ver não é ver o sonho, nem o nada. Ver é desaparecer no ver, ficar apenas o mundo como desencantar o nada, como se o nada fosse Deus. O último cessar da vida é o amor do ser. A abstração da alma é a concretização do ser. O corpo não é a concretude do ser, é a alma. O concreto e a abstração, duas almas que se unem. Unir às vezes separa as almas, para unir a vida. Nada fiz por mim além de escrever. Escrever é o céu da mente, é saber o meu fim. O fim é companhia. Não dá para regredir no fim. Eu regrido como o céu, faço-me o que preciso ser e não sou. Mas serei quando a alma cantar sua clausura e deter a liberdade como um Sol cauteloso em seu amor. Crer em uma esperança que não existe é saber que a vida vem. Sem vida, a esperança não é relativa, é concreta. Vem, que o nada não pode comigo. Eu tenho o amanhecer nas veias, nas artérias, na alma. Cantar são sonos da alma, antigos, irrecuperáveis. Não cantar é lembrar do sono como lembro de alguém. Lembrar cantando é o nada da alma. Nada tem a consciência do nada. É como um pensar sem a mente. Tudo se pensa ser no nada do que é. Não adianta pensar. Nada é. Para viver, é preciso silêncio, o silêncio que tenho por imaginação. Não existe o que imaginar. Imagino em branco, assim o silêncio foge e tenho que aprender que o silêncio é temporário, é apenas uma fase, um momento que preciso esquecer ou cessar com ele. A liberdade é a busca de um momento único, raro, feliz. Tudo é para sempre na alma. O sempre é isolado, isento do eu posso. Pensar não faz viver, faz regredir sem a morte. O fim é o corpo a se mexer em passos de eternidade. Eternidade é apenas ficar só, para fazer o corpo viver pela solidão. O nada é um respirar ausente só, não é realidade. Conviver não é realidade. Realidade é aceitar a solidão. Não posso ser a solidão do outro, nem mesmo em mim. Em mim o outro é minha inexistência. A inexistência é essencial ao amor. O que fez na inexistência dos meus olhos? Agora são os olhos de Deus? Deus não tinha olhos. Não sei se vou me acostumar a um Deus com olhos. Nos olhos de Deus vejo minha morte, minha vida. Avançar o olhar ao nada é ter o próprio sonho. Sonhar desliza no corpo e se faz nada no sonho. Mas tudo o sonho faz por mim. O que é sonho? É apenas ar. Ar que quase fala, ama. O ser e o nada são eternidade que não penetra na alma, mas mesmo assim nasce do meu corpo. Corpo é uma maneira de gostar e me identificar com a vida. Sorrir traz a vida de volta. A independência do meu corpo é o corpo sem corpo. Olhar o corpo o faz aparecer na alegria da minha invisibilidade, torcendo que a visibilidade e a invisibilidade cessem na minha alegria.
Regressão |
