Blog da Liz de Sá Cavalcante

Acredito no nada

Acredito no nada até desacreditar em mim. Se não sou um ser, por que vou morrer? Morrer distante de mim é o vazio da morte. A morte cresce rápido, abrange o mundo, a vida. Deixo o mar me levar no bem humano. O bem não cura, o bem dá vida, que é duvidoso. Nunca sei o que estou vendo, mas o que estou vendo sabe de mim, me percebe pelo meu não perceber. Quero perceber a vida, nem que para isso tenha que morrer.

Semblante do Sol

O semblante do Sol da vida em palavras raras, inesquecíveis. Apenas o Sol me vê. O Sol é minha consciência, força eterna. Resplandece a morte ao atingir o céu. Cedo para chorar, tarde para sorrir. O que vejo é o que sou? Ser é ver? A imensidão carrega o ver no absoluto do sempre. Ver é o sempre de mim. O mundo é o fim do sempre em mim. Fim sem fim não existe. O ser é diferente de ser. Como o ser ama? Da mesma forma que respira. O sempre é o respirar internalizado como alma. A alma de dentro e a alma de fora, mundos diferentes. Como unir os mundos apenas em nós? O que sinto no mundo? Sinto o mundo, não a mim. A falta é o mundo. O mundo não é o ser, é a irrealidade em amor eterno. O significado é a ausência de tudo. A ausência é a voz da consciência a inundar o silêncio, em um amor maior que viver. A ausência é a essência em uma lembrança. A essência é o absurdo de viver em uma lembrança que partiu e, assim, resta a vida. Não sei o que é vida. A lembrança encontrou seu lugar. Escrevo sem vida, por isso as palavras nascem de mim. O que amo nas palavras ninguém mais ama. Vemos o outro, esquecemos o que ele diz. Às vezes nada precisa ser dito. Amo a palavra dentro de mim. Queria ser apenas uma palavra e salvar o mundo do silêncio, da sensação que tudo é igual. A palavra diferencia a vida, o mundo, faz do meu sentir a eternidade das palavras. As palavras não se comunicam entre si, mas precisam ser ditas, para eu ser real para elas e para mim. Não há contradição entre o real e o irreal, são as mesmas palavras. O instante é o fim da palavra e o começo de um diálogo sem palavras, em que a origem se mistura na existência, em um diálogo longe da vida, da humanidade. Converso com o silêncio. A morte é um arrepio, palavras da água, do ar, da terra, do fim, da vida, mesmo sem a vida. Relevar, nunca deixar de amar neste sempre só de mim, onde sobram palavras para tanto amor.

A insuficiência da alma

Elevar a alma do céu é irremediável. O ver morto vive em mim. Meu corpo deformado por amor. A faca não entra no amor que sinto. Meu coração corre de lugar nenhum, como uma criança que encontra a paz de morrer. No que aconteceu a morte? É difícil saber que morri, encontrar-me na morte, em qualquer sorrir, em qualquer alegria. A sombra da tua ausência é a minha. Sem vestígios de nós, a perda foi apenas mais uma sombra para não ver o deserto da minha solidão. Sou só o desabar da alma no nascer do fim. O fim é uma parede sem segredos. Perdi o desabar da minha alma no nascer de mim. Nunca me refiz. Meu corpo é a vida, é como se eu simbolizasse meu corpo. O tempo mistura os sentimentos. É difícil sentir o tempo no que sinto. O que não sinto é essencial, faz parte de mim também como um sonho sonhado inexistente. Sou a continuidade da minha morte, sem ter o psicológico de mim, sendo o eu de alguém por ter morrido. O eu é diferente do eu que morreu. Ser ou ser é sem resposta, por isso confirma a vida. Ser e ser é a morte. Separação de almas e espíritos se torna amor para a vida, não para o ser. A alma não é insuficiente, apenas não tinha que ser.

O caráter da vida

A vida não tem caráter. O que morre de melhor em mim é a vida. O olhar foi detido na pele. Restringir o nada no olhar, ver sem o olhar, se faz alma. Ver o Sol, conversa eterna com Deus. A mente é o corpo. O corpo, abstração do nada. A pele é reagir sem o corpo. O sossegar é apenas ouvir o vento. Sentir o vento sem o vento é ser feliz. O Sol apanha as estrelas castigadas pela Lua. Estrelas de Sol me fazem viver. Saber pelas estrelas é reduzir a luz ao infinito. Luz são as visões do nada. A visão do nada é como um futuro de sonhos do nada, que solta a pele, me prende, me desperta no nunca me tocar, como se a pele ainda estivesse em mim. Cuidar é ter o último respirar, amando o outro. O respirar cego por respirar se torna silêncio. Meu ser não é a minha vida. Se escrevo quando escrevo, é apenas um suspiro do nada em mim. É mais que escrever, vem de dentro, onde a poesia não me alcança. Rendo-me às estrelas, em um ar de estrelas. Consigo sorrir sem suspirar. Nada é perfeito como o nada. Vejo melhor pelo nada. O que você vê, não vejo, nem sinto. É como se a morte tivesse um corpo a esfarelar minha alma. Alma, o que fizeste de mim?! Reconheço-me apenas em ti. Extravasei meu ser em ti, como um ocultamento do nada. A alma não transcende como eu. Definir o ser pelo corpo é dançar sem corpo, saber quantas estrelas têm no céu. Escrever com estrelas, não com canetas. A alma da alma existe nos pedaços que não me tornam eu. Pedaços não ficam sem respirar, não têm solidão. Nem a inteireza anima a alma. Coisas nem sempre são coisas, são espectros sem força de se abrir para a vida. Nada é parecido sem alma. O vento caminha no ar soberano do pensar. Pensar é o vento. Deixo a alma sobreviver a mim. Há pausas que são mortes, onde falar perde o sentido e a vida é apenas esta pausa, na qual morri. Almas veladas como primavera. Sonhos são invernos da alma. Na flor da ausência, o real, sombra que se torna Sol. Tocar é a ausência do corpo, perdida na alma, em cantos de amor.

O sonho sem a morte

A lembrança satisfaz o nada, não satisfaz o ser. A tristeza é o aparecer do ser, é a aparência real do ser, é quando o ser nasce de verdade. O ser não suporta a verdade de nascer. A falta é o nascer. Sonhar sem a morte é nunca nascer.

A noção de ser só

O tocante da morte é não vê-la. A morte é o interesse vazio a se encostar no amor dos mortos. O objetivo dos mortos é acabar com a falta dos vivos, para os vivos viverem a morte no vazio das estrelas e diferenciarem eu de mim, o céu da terra, o amor do ódio, Deus do fim. Despertencer é o tormento da eternidade em mim. Nada atormenta o tormento. Apenas o ser é esse tormento abandonado na alegria, no caminho sem fim, que nada é, nada espera além do fim. A morte não é ninguém, é apenas uma noção de ser, separando o ser do ser. Trazendo a memória do adeus, poderia ser memória sem adeus. Daí tudo seria definitivo, seria horrível, como se o fim da morte fosse o meu fim. Quero apenas esse despertencimento, essa paz que conquistei, para nada ser apenas sonho, para algo ser por si próprio a realidade da vida: o meu fim.

Acaba com minha dor

A dor é uma eterna lampeja em uma desistência de mim. Sinto ainda sua presença na minha. Presença é dar presença à dor. Eu sou seu suporte, seu adeus parado por morrer de mim. Presença é aceitar a ausência de pensar, ser. É ser mais que eu mesma. Ver-me nas coisas, no Sol, na vida, na poesia, mesmo que a alegria seja clandestina. Ser, nunca ser, é a mesma alegria, amor, vida. O ser se demora no nada, no vazio. Tudo isso para ser um ser. Separo-me de mim com o nada impregnado na pele, na sede de pele que nunca acaba. É invisível a dor, mesmo na pele a sangrar. Assim a dor acaba. Ainda não consigo ser eu.

A existência da existência

O silêncio tira a alma da alma e a alma cria vida. O silêncio do Sol é proteção do Universo. Sem o Universo, o céu é sempre o mesmo. O sonho absorve o ser, sonha com o não ser. A única coisa que posso fazer pelo corpo é morrer por mim, é viver. Será que viverei sem o corpo? O que faço com o silêncio do corpo? Transformo-o em Deus, em mim. Meu despertar é ausência absoluta de mim, que necessita do meu colo, do meu consolo, da minha paz. Eu me torno estranha de tanta paz. A paz de ser é infinita, eterna, como um novo ser a nascer de mim, onde tudo morre. O amor é um sonho que tem fim no despertar. A existência da existência é a frustração, é não haver Sol no Sol. Cativar o Sol é entrar no Sol, até ser amanhecer. Nada amo sem o Sol. Para criar o Sol na eternidade, inventei mãos para mim.

Não faz sentido

A incompreensão me fez viver até a compreensão, e a vida não me fez mais sentido. O ser é presença da morte. A vida não alcançar o ser, o sentirá ao morrer. Avançar, evoluir é morrer. Eu me entrelaço em meu ser no morrer, para morrer, sem a presença da morte. Quem sabe assim algo apareça na vida que substitua a morte. O torpor é a vida. O céu é a vida que se sonha. Sonhar é esquecer o céu no céu e sonhar ser céu. Ser céu é não ter Deus. Se tem Deus sem Deus. Deus é o refúgio secreto que temos dentro de nós. Pensar e sonhar são iguais. O ser é o passado do mundo. A imaginação é sem imaginação, como um nada que não existe. Para o nada existir tenho que deixar minhas mãos sem Sol. O Sol é as minhas mãos em silêncio de luz. Nem quem morre sabe o que é a morte, pois a essência da morte não morre, é eterna como a luz de Deus. O céu não sonha sonhando. Como reconhecer o reconhecimento? Reconhecer é dizer sim ao não. Isso é poder ter alma no sim ou no não, desde que seja intenso para valer. O intenso é o real. Algo de real significa o real. E se o real for a despedida como poesia? A poesia é o mundo atual, onde a eternidade é necessária. O silêncio é sombra de si mesmo, arde de amor por mim. Nem a sombra sabe o que é a vida, a morte, o meu ser, a luz e a escuridão. A renúncia é a descoberta da alma na visibilidade de mim mesma. O céu, as estrelas poupam Deus da vida, do amor humano, que causa tantas mortes, nenhuma dor.

O sonhar da ausência

Nada posso deixar na morte, nem mesmo o nada. O nada não é a morte. A morte é a esperança traduzida em lágrimas. Não sei se é dom ou um instante não vivido. Saber é o nada a pensar. Não sou eu quem pensa, é o nada, é o momento triste de viver. Os olhos verão a tristeza com outros olhos. Os olhos se veem sem demonstrar nada, mas sentem onde ninguém mais sente. Sentir é despedida. Quero sentir sem me sentir. Sentir é andar onde não se anda. O amor se amar é despedida do amor, é o amor se renovando em uma vida maior que o amor. Quero pensar na tristeza como penso na alegria. A alegria se dispersando no vazio divino, para haver o haver sido vida. A vida é o fim de haver sido vida. A vida faz a mente não funcionar. A mente é a distância da vida no sobreviver do corpo.