Para que escapar sem morrer se tenho tanto amor? Escapei por covardia. O que vou ser de mim sem morrer? Quero-te, pois me faz sofrer liberdade na morte que escolhi: os outros em mim, onde não consigo ser mais nada: nem respirar, nem escrever. Tombo nas letras, misturo-as sem palavras. Deixar a alma surgir como alma, como nada, sendo o precipício da morte. Por que evitar a morte? Aos poucos tudo é morte. Eu queria sofrer a morte sem palavras. Parar nas palavras é não morrer. Continuar nas palavras prolongando a morte é viver de novo como sendo uma palavra inacessível que nunca é dita: viver. Viver para a morte é perda irremediável onde sua confidência, é o silêncio da morte que não é a morte, é a consciência do ser: morrer. Soltar o sentimento da morte e morrer, deixar-me. Por isso deixo-me em morrer. Estando fértil para morrer, sinto-me superior às palavras que não têm noção de morrer, de despedida. A palavra é um amor frio. É arrebatador amar a frieza das palavras. Não termino as palavras nas palavras, não sei comunicar o que sinto. A palavra sofre friamente a falta de sentir. Tudo é indiferente nas palavras, sei que elas me escutam. Morrer é não escutar as palavras. Escutei mais do que palavras, escutei-me morrendo num som puro, pleno de mim, a tornar o silêncio absoluto. Ainda bem que tenho mais morte do que silêncio. No silêncio tudo está perdido, na morte há esperança.
Escapando de mim sem morrer |