Blog da Liz de Sá Cavalcante

A morte ficou onde a deixei

Soterrada de sonhos, enterrada exterior a mim. De amor. Mar de luz a cavar meu destino. Deixei a morte ser vida e tornei-me morte. Enterrei-me em mim sem morte. O azul do céu se fez sem ser descoberto pelo céu. O céu se descobre em nuvens. O céu de estrelas chora estrelas numa ventania de céu, desejo incontido de merecer o céu, como lembrança da morte, que acaba na existência do fundo de mim. A morte sem lembrança me torna rasa. Tudo se foi sem a morte. Ninguém vê e sente a vida como eu. Eu a vejo em estrelas, que se demoram em mim. Em mim, estrelas navegam no céu no mar celeste da despedida do céu. A tua presença alegria é o meu céu. Alegria, voaste alto, em céus desconhecidos. O que vai ficar sem sofrer não é o vazio, e sim, o vazio da vida que é apenas um sussurro perdido no amor. Amor que separa o real e o irreal do que sou. Faz falar o vento como despedida do sol, que estava perdido em mim. Não quero acordar na luz do amanhecer, e sim na escuridão da poesia: deixa o amanhecer vazio ser amado como o anoitecer que vibra, entontece, reage. O depois é o silêncio, onde se misturam a noite e o dia. Confio no céu, nas estrelas, não confio na alegria, que se agarrou na minha alma, me deixou com medo. Eu não sabia que alegria é eternidade. A eternidade foi algo um dia. Esse dia foi o dia que escrevi no sempre da alma. E tudo fez sentido, mesmo que essa alegria acabe, antes de eu senti-la, me descobri viva para tudo sentir. Sentir é a tranquilidade de morrer. Morrer é amor: amor pela vida. Escutar é apenas eu, falar é apenas eu no outro. O sossego do amor é um desamor? O que é desamor perto da morte? É a necessidade vazia de viver. A vida me deu o nada de presente, me sinto tendo tudo. O sonho é uma fantasia. Fantasia do céu. Não posso viver sem o céu. Alma da morte: aparência sem céu, a enganar a transparência de viver, lhe dando uma segurança inexistente como o sol e a lua. Quero apenas paz.

Tentação de viver

A saudade limpa a alma das impurezas do amor por ti. A mornidão do amor é a tentação de viver. Viver é pouco ao viver. Sonho com a tua solidão, ela não me torna ausente, me faz te amar. Acordei da esperança de amar.

A origem do nada é o ser

O amor se compreende o nada. A separação do amor é o ser. Nada no ser é inevitável. A faísca do nada resplandece no inacreditável e esconde a luz no olhar. O abismo é a única luz que é vida. Abismo é luz, mesmo sem o infinito. A alma não sabe vir a luz, sua única luz é o meu corpo. A fadiga da luz é o amanhecer, luz falsa, onde o corpo é escuridão para o amanhecer. Resta da luz o sono, a ausência, que mesmo perdida ainda é ausência. A ausência na luz é a morte. Mas que luz posso ter?

Suavidade sem brisa

Disfarço a realidade com o meu amor. A realidade é sem amor, como a suavidade sem brisa: é a suavidade do amor, que espera, sonha com o amor, que tudo cria, dá vida à vida. As coisas aparecem no aparecer inexistente das coisas do amor. A aparência fugidia do nada, se torna minha aparência. Ter você é não ter aparência nenhuma. A falta, espaços vazios são a alma, a tentar entrar em mim.

Fragmentos do nada

Os sonhos, fragmentos do nada, preenchem minha vida. Minha vida é vazia sem os fragmentos do nada. O alívio da pressão do sol, é a pureza do anoitecer que se despede da vida nos meus sonhos como sendo uma poesia na eternidade da alma, que é o meu fim. Um fim de poesia.

Debilitada de tanto amor

Estar plena é morrer! Confundindo-me comigo, sou mais eu. Partindo de mim para ficar dentro de mim. O interior e o exterior se unem no meu amor. O amor me isola em fragmentos. Fragmentos são o meu conviver. O sonho é o interior. O interior do nada é a essência. Morrer cada vez mais é viver em mim. Por mim. Meu corpo jogado na vida, como um lixo velho. Meu corpo não descansa em paz em mim. Meu pensar é eternidade agonizante. Meu pensar tem que morrer, não morre. A morte me abandona: não tenho para que lutar. Lutei com o nada em mim. Sai de mim, morte. Aprendi a viver no amanhecer. A eternidade não amanhece em mim. Me aproximo do amanhecer, amanhecendo. Sou muito injustiçada: pelo amanhecer. Não faço parte do amanhecer como faço parte da sua ausência.

Tem vida na ausência

A escrita abre a porta da vida, onde saio se quiser. Entrei para sempre. A vida está mais na escrita, do que na própria vida. Amanhecer na poesia é entregar-me a vida, abrindo-me num amor infinito: nasce da vida. A ausência é vida no meu amor. Estando ausente, não morri. Vou declinar na alma com meu sorrir. Meu sorrir é poesia, resolvendo as perdas. Vivi o meu sorrir, estou a sorrir na alma, como um sol que não se contém de alegria, de amor por mim mesma. Me descobri nesse amor que agora sinto tanto. Sou o outro em mim, no amor. O sol ilumina o meu amor, me deixa sofrer por ele. Sofrer deixa a alma leve, como se eu fosse morrer. Morrer não é destino. Penetrar em todas as almas é não desaparecer na morte. Sinto o ar na minha pele, sem saudade de morrer. Quando sinto falta de alma, falo com Deus, minha impotência e me sinto feliz. A falta de mundo me salva de morrer. Morri na sombra da minha ausência e, assim, me separei da morte, restou esse alheamento, a loucura dividida entre a minha morte e o nada. Ninguém pode ser a morte da morte. Preocupo-me com a morte como se fosse filha minha. Não há o que sofrer em mim, sou o próprio sofrer.

Simplicidade do ser

Tudo nunca mais, não como derrota, mas como outro eu, na simplicidade do ser, onde é simples ser só. Não vim à vida, entrega-me a solidão como um encontro de vários nadas. Me relaciono com meu ser, sem me comprometer comigo. A falta de mim me fez amar, me fez viver sem mim: foi a melhor coisa: não ficar até o fim em mim. Até o fim meus olhos vão me ver, vão ser meus. Verei o âmago da alma, não mais me sentirei só. Não tem problema de me deixar: tenho a mim. Ter a mim é não ter nada. Para que ter mesmo que seja a mim? Para sofrer?! É repugnante, insensível sofrer. É desleal sofrer. Lembranças são minha única maneira de viver. Vivo aos poucos para permanecerem as lembranças. Lembrei, esqueci, até viver de lembranças, elas fizeram por mim, para não me deixar morrer, me tornaste uma lembrança qualquer que beira ao esquecimento. Uma vontade discreta de viver se chama poesia. Escrever é fácil, é suspirar. Voar, na realidade, é ser tão livre quanto a realidade. Eu me tornei a realidade da realidade. Apenas a realidade me faz viver a realidade. A realidade é infiel ao amor. A realidade é uma forma de me esquecer. O tempo adivinha quando consigo viver. O tempo está dentro da poesia. A poesia sou eu. Única eternidade sou eu: este é o fim da poesia. Palavras não precisam da vida, precisam de mim. Preciso, às vezes, apenas preciso de mim, ser suave como o nada e resplandecer vazia, como o amanhecer, amarrotado pela lua. Céu, a ti te dedico o melhor de mim: minha vida.

Alma ferida por a morte a amar

A solidão precisa da alma para viver, eu não: dou minha alma à solidão para a alma ficar perto de mim. Não adianta ter sem ter a alma, com ela triste, querendo se dar à solidão. Talvez a alma nunca saiba o que é me ter.

Enternecer

A eterna fala é sem amor, no enternecer do vazio. A fala nasce do vazio das possibilidades. Deveria esquecer a fala falando, mesmo sem amor. Falo só para não me abandonar em um silêncio infinito de amor.