Blog da Liz de Sá Cavalcante

Desencanto

Afundada no luar do infinito, onde nenhum desencanto é possível. O desencanto é essência da poesia. Para me desencantar com a vida, é preciso ter a vida dentro de mim. Nada me isola nesse desencanto sem fim, é como sonhar o insonhável que não se vê em sonhos, vejo em mim.

O quando de um talvez

Talvez, quando for possível amar, tudo seja apenas um talvez. É tão devagar que as lembranças afundam em mim, parece que ainda estão aqui. Afundar é o corpo noutro corpo. As palavras me veem como sou. A solidão da vida é pouco para mim.

Ofereço-me à tempestade da dor

Apenas a tempestade da dor conhece o caminho da vida. Existem pessoas tão perdidas que não precisam ser encontradas, causariam a infelicidade de muitos. A tristeza, sinto só, assim não me causa dor. Nada mudaria numa tempestade de dor, sofrimento. Há tanto para dizer, que o silêncio cessa em cinzas. A alma é quando existo. Existir, dizer não ao silêncio, mas, se as palavras forem silêncio, não há mais vida, nem silêncio. Existir deixa as palavras sem palavras, agindo como se ainda existissem. Palavras são reações à vida, a mim, ao nada. Quando as palavras silenciam, é porque não há mais nada. Escrever me dá uma paz que ninguém tira, pois ninguém pode estar no que eu escrevo, sou só, eu nas palavras. Com ou sem palavras, sou plena de amor, pode me faltar alma, amor jamais. Eu sou a liberdade das palavras no amor que sinto. Ser inspiração que falta na alma. Nem pelas palavras a alma se inspira para ser. Ser é a solidão que permaneceu na vida. A morte é o olhar que falta em minha vida. Tentei não pensar em mim, ser apenas morte. Palavras estão vivas antes de viver. Se viver são apenas palavras, como existe o amor? As palavras não amam, mas tudo amo pelas palavras.

Loucura é eternizar o vazio

Eternizar o vazio é como ser. É como ser que deixo o vazio ser a vida. O vazio é eternizado no esquecimento. O esquecer lembra do vazio, mas não lembra de mim. O vazio me preenche sem morte. A essência é o meu fim voltando a mim. O fim é fiel, mais fiel que a vida. O esquecimento não é mais eterno, é fiel. A lembrança é o único adeus que quero sentir partir. Lembrar é viver o adeus sem lembranças. A lembrança, esqueço na lembrança o respirar, é o tempo da alma, tão inesquecível, raro, o tempo, nas dores que vivi. Sofreria, viveria tudo de novo. Embora isenta do tempo, ele é tudo que sinto, tudo que sou. O tempo necessita de si mesmo para haver vida. Não importa em qual tempo o tempo está em minha vida, o que importa é que me fez viver. Sempre serei a mesma coisa no tempo em mim. Posso ocultar, esconder meu respirar de mim, mas não posso negar o tempo que não vivi. Eternizar o vazio é descansar no tempo submerso, vazio que não se vê, me vê sem ele. O tempo tentou se realizar em mim. Meu único tempo é o de escrever. Nesse tempo eu confio. O tempo é apenas uma forma de viver. Eu conheço o tempo inexistente como sendo uma luz que gruda no olhar. Não sei mais o que é luz e o que é olhar, mas sei que estou comigo no interminável do meu ser.

Impermanência da permanência

Vida perdida de vida na impermanência das coisas em senti-las tudo é o nada. As coisas descobriram o ser que existia nelas. O olhar deixa a realidade ser o meu corpo mudo. A vida é um olhar sem realidade, por isso, sinto a vida como se esse olhar fosse real. A vida é real se a sinto real. Meu sentir é a única vida que tenho. Nada pode ser esse sentir, nem mesmo a vida. Até as conclusões são confusas no meu pensamento. O eu não existe no eu, nem na vida. Por isso, meu eu existe para o amor. Não existe mais permanência nem impermanência: existe amor!

Rasgando-me

Rasgando-me para não me dilacerar, percebo que tenho esperança. Vesti-me de luz na escuridão. Toma minha luz, carregue-a dentro de ti. Menos luz, mais corpo para a escuridão da morte. Nenhuma luz, ilumina-me apenas a escuridão. O silêncio se impregnou na alma, excluindo-me das palavras, que ainda gritam por mim. Segredos são inconfessáveis até no silêncio. Rasgando-me sem que me costurem. Da costura, não ficam retalhos de mim. Eu fui até a alma, onde não podem me costurar. Eu nadifiquei sua consciência com meu amor. Amo é a sua ausência, que me descostura. Amo o nada não silenciar o que digo. Meu amor, é o que falo sem ausências. A alma é a ausência da vida noutra vida, que não é o além, é apenas o amor que tenho para dar. Daria mais que o meu amor para a vida, daria minha alma. O que foi esquecido viver, fez-se amar. Morrer é como um amor que nunca vem a mim, mas existe na minha morte. Morrer, riqueza do espírito. Nada quis da morte. Rasgando-me para não morrer. Alma não cuida, mas ama. Morrer ou não morrer, é apenas ser.

A liberdade de viver

A liberdade de viver é como o céu depois do olhar. Ver é a despedida do céu em mim. A consciência é o passado eternizado. O respeito pela vida vem da alma, do passado de existir. O que posso dar à alma é mais inviável que a alma, mas a alma não se dá a mim. Mesmo estando viável, disponível, a alma se distancia de mim num único respirar. Esse respirar é o sopro da alma. Respirar cessa a culpa de existir.

Um instante

Vivo apenas pelo instante. O instante tem fim, renascendo. Pela alma, o instante continua a acontecer. Não tive alma suficiente para viver, mas tive alma suficiente para amar. O instante cessou de amor até desaparecer por completo como uma lembrança que ainda existe sempre mais, até eu morrer. Enfim, sozinha.

O desaparecer da ausência é o nascer do esquecimento

A morte está pregada, colada na minha alma, ou pode ser apenas o esquecer de mim, querendo ser minha alma. A alma se curou da alma sem o esquecimento. Apenas a alma da alma é quietude do esquecimento. Sem alma o esquecer é mais essencial que a vida.

Sou o que lembro

A invisibilidade une a distância e a proximidade: é apenas isso que sinto em mim. Sentir é lembrar. Mesmo sem lembrar de mim, lembro do sentimento de ser. Nada pode ser o sentir que eu sinto: nem mesmo a lembrança de mim. Preciso de algo para me identificar com a lembrança do que sou. Mas nem na lembrança de mim me reconheço. Laços desatam mortes. Sem lembranças sou feliz como é feliz esse alcançável de ser. Mortes desatam laços. Mais vale uma ilusão perdida do que viver? Se a alma saiu de mim, esteve em mim em cada amanhecer. Por isso, para mim, o amanhecer é alma. Mas a alma desaparece no anoitecer, e tudo é apenas sono e vigília. Existem almas tão nocivas que às vezes amo apenas para não ter alma. A alma é uma lembrança triste, nunca superada. Posso transformar a alma na minha vida, mas não haveria sonhos. A alma é para ser vista na sua alma, não ser mais uma lembrança. Não necessito mais lembrar da alma. Ela é real!