Blog da Liz de Sá Cavalcante

Ecossistema do coração (sistema que vive entre os seres vivos)

Medo de ar a amar meu amor, num coração sem ar. Daria tudo para a vida me amar, como ama o mar, o sol. Amanhecer não é a única vida, há a vida do amor. A ausência do corpo domina a morte, e o corpo torna-se imortal. O corpo se cansa em morrer. Estou só no meu corpo, na alma, nada é só, apenas eu sou só. Procuro saudade no vazio. Vazio é lembrança eterna. Deixa a saudade ser uma lembrança. Vivo pela saudade da vida. Não desapareça, não seja apenas uma lembrança, alegria. Deixe-me sonhar contigo. Sonhos são almas perdidas. Vivi o sonho sem alma. Apenas no sonho nunca é sempre. O sempre cessa antes do sonho. O ar do sonho é o amor. O céu não sonha, mas nos faz sonhar. Perdida em sonhos, não sei como deixar de ser um sonho. Em ti alegria, meus sonhos parecem despedida. Dormir é o nada no vazio. O respirar contamina a realidade. Vejo a realidade no meu respirar. A eternidade está nas coisas vivas, não no ser. Eternidade é vida, que meu ser não possui. Tenho que sentir a morte concretamente para viver. A vida é apenas me sentir morrer. Me sinto morrer, vivo em paz com meu corpo, alma, amor, por morrer. Não tenho alma para morrer. Mas morri sem alma. Ainda tenho o meu amor, que é mais do que viver. Tenho o céu quando amo. Procuro resposta para a resposta do meu abandono. Preciso morrer, e ainda me abandonar? A alma é criação de Deus, na falta que faz o ser para Deus. Tudo está conectado no amor do ser. O amor que lhe damos. Meu ser é apenas amor que lhe dou. Dar Deus para alguém pelo amor é tudo que consigo ser, oferecer. Não consigo ser mais do que isso, nem quero ser. A única presença é a da morte. Por isso a morte fala ao coração da vida, com o meu amor.

Memória da pele

A memória marca a pele. Deixa a alma ficar vazando para não se esvaziar. A pele absorvendo a memória. A lembrança é um adeus à vida, assim nasce a memória: da morte presença. Lembra apenas da minha morte, não do amor que possuo. O sol, permanência da alma, não tem memória do meu desaparecer, como um novo sol. O antigo sol são puras lembranças, o novo sol são apenas flores. A lembrança é a minha realidade. A lembrança suando na pele com o riso solto no ar da aparência. A aparência é o esquecer. Me afasta da alma do meu sorrir. A memória da pele se torna eu, num momento de alma. A memória da pele é solidão. Mas a solidão não aceita a memória da pele, que não está em sua pele. Existiria sonho se a alma silenciasse a pele de prazer. A pele substitui meu ser com o meu amor, meu silêncio, minha vida, até que a pele sair por todos os poros. Sem lembranças, lembro da memória da pele, sem o abandono de mim. A memória da pele me fez esquecer. Me lembro sem pele, sem alma, apenas pelo amor que sinto. As memórias da pele reinventam meu ser no flutuar de ausências, onde sou feliz como pele sem memória.

Pintando o silêncio

Falando, eu vivo o silêncio, pintando o silêncio de vida, assim, não perco as palavras. Não há cor suficiente para o silêncio. O silêncio se desdobra em cores, capta o céu com todas as cores, todas as emoções. O tempo de viver é o silêncio da alma: sem cor, vida, amor. O silêncio do céu é Deus. Deus não pinta o silêncio. Para Deus o silêncio é perfeito como ele é. Se entendo meu silenciar, como não amar o silêncio de Deus? Apenas Deus está além do silêncio, mesmo assim não fala, sua harmonia é eterna, como se fosse o resto de nós.

Sereno crepúsculo

Crepúsculo escondido no vazio. Sereno crepúsculo, a borrar as estrelas com palavras, que nunca serão estrelas. Não há tempo para o crepúsculo, para o seu vazio, que é igual ao meu. Apenas o vazio sabe quando é dia ou noite, apenas para o vazio importa se é dia ou noite. O crepúsculo é a vida do imortal. O vazio é imortal. Se o crepúsculo desaparecer no vazio da existência, ele era feliz como se a existência fosse plena pelo crepúsculo. O crepúsculo desaparece na fala, no amor, antes de desaparecer no vazio, por isso é feliz.

Anatomia da saudade

Que significa morrer? Estou morrendo. Corpo e alma se unem num morrer eterno sem mim. Morrer inteira, de corpo e alma, é difícil, muitos morrem pela metade. Se algo se refletir na morte, eu não estou só na morte: a saudade me faz companhia. O corpo se fez de morte, morrendo, nem morte é mais.

Melodia do abstrato

Me escuto sem pensar no sentir. Mudei pelo devaneio de um sonho, como se eu fosse a melodia do abstrato. Minha voz fala cantando poesia. A ausência escuto pelo reconhecível de mim. Quando o silêncio penetra na canção, tudo é irreconhecível, se escuta. O puro interior se ouve, se ama, sem o interior. A sensação de vazio, deixo o leve acessível, como a única sensação vivida no fim da vida. O amor continua essencial, mas quem pensa em amar ao morrer? Eu seguro a melodia no seu abstrato, e pelo abstrato sinto a poesia, a música, concretamente, mesmo com melodia. A melodia não é a música, por isso é uma maneira de me distanciar da música. Música é o que crio dentro da música. O céu é uma canção de silêncio. O silêncio é o que procuro na música: o meu silêncio da música é uma oração de vida. Música é onde o vazio se liberta do vazio. O que não é música é vida. Por isso a imperfeição da vida respira música.

A falta de um adeus é morrer

O ser se frustra, não consegue ser o amor de ontem, é esse agora, que não pode ser amor sem o amor de ontem. Mas o agora procura o ontem, libertando-se do ontem. Ontem é sempre não ter sido. O que sou hoje não depende do ontem. O tempo é o ontem, tento resgatá-lo como se fosse esse agora. O agora é a ilusão de ontem. O ontem é ilusão, se tiver sido vivido. A permanência é a falta dentro do sentir, onde o que flui da permanência é sem permanência. Permanência, para mim, é me ver sem sofrer. Sofrer é permanência que vivo só. Criei uma permanência distante de mim. A permanência distante, isolada, é o meu amor. Amo minha permanência na falta do silêncio. A perda da voz não é o grito, é o ser. O devastador se torna amor. Apenas o amor pode deixar de amar, sem desencontro. O céu, canção no nada de ser. Canção que nunca estará perdida, como um céu que está perdido. Nada se conquista numa canção perdida, conquista apenas esse nós com a alma suspensa. Nada na alma é continuidade do ser. Mas a alma continua sendo um ser que não há em mim. Mesmo assim, continua em mim como vida. Vida, nunca deixará de amar. Vida, foste uma alma ausente. Eu sou a presença da tua alma. A presença é a única vida entre mim e a vida. Vida, existiu mesmo sem coragem. Tua única coragem foi existir, como uma flor esmagada na lembrança. Não há lembrança sem uma flor. A lembrança é a origem da vida. Há vidas sem origem, sem silêncio, sem palavras, sem chão. Não pise na flor do pensamento, apenas por querer pensar. A inexistência existe. O meu ser quer sua inexistência, não a encontra. Encontrar a inexistência na alma, é ser novamente eu, sem esse além devassalador. Difícil deixar o além sem amor. O amor não está além de si mesmo. A falta de um adeus é morrer sem o além, não morri só, morri com a poesia de um adeus. Vida, esquecida em um adeus, que permanece em meu corpo, sem as entranhas da alma que se perderam em ser.

Translucidez (transparência)

Quando a realidade surge, a transparência é apenas o sol tentando amanhecer. A verdade é o nascer do sol em um sorriso, nada é mais verdadeiro do que isso. Quando o amanhecer for descoberto, ainda vai existir a verdade? Tento captar o amanhecer pelos meus sonhos. Sonhar é amanhecer, por isso nada amanhece em meus sonhos. Amanhecer pela vida é uma poesia que não está no amanhecer, está em mim. Eu sou meu amanhecer, com ou sem poesia. O significado da vida é a poesia. O silêncio é a pele da alma, a poesia é arrancar a pele da alma na ausência do silêncio. O silêncio é pele que não se rasga, não queima, não se isola do corpo. Deixar-me sem pele, apenas para possuir o corpo, é uma vida triste. Vida é pele. Mas o cheiro da vida impregna a alma, me faz voltar à realidade de morrer!

Injustificável

Quem abandona é abandonada pela vida, o pior abandono. A alma é essencial à vida, se a vida nascer da alma. O ser é o nada, o nada é o ser para a alma existir. A alma é tudo ou nada. Nada faria sem a extremidade da alma, tudo faço sem alma. Idealizo-me na alma. A alma sabe viver. Vivo só o que não sou. Não sou essa tristeza em céu aberto, inconsciente do amor, das promessas de alegria que fiz para mim. Nada sou sem amor. Meu amor vale a minha alegria, a minha alegria não vale o meu amor. Não vale a pena ser feliz apenas por amor, tenho que ser feliz por mim. Em mim, o amor é como flutuar no chão. Preocupo-me com meus sonhos. Agi como se os sonhos não existissem, dando lugar à saudade de ser. Se ser é inútil, tenho ao menos essa sau…

Minha alma são espumas do vento

Espumas do vento se misturam com as espumas da minha alma, transcende como o mar. Ir além de mim, do mar, para ver o mar, é me transformar no infinito. Apenas o infinito pode enterrar a morte. É quando o infinito deixa de ser eu e se torna vida. A vida se torna o infinito. O infinito que falta não está perdido, nem mesmo com a morte. O infinito separa o mundo real do mundo da ilusão. Eu não tenho a ilusão de desaparecer. Estou confinada e condenada a ser apenas eu. Não posso ser nem minha poesia, que nasceu de mim. Preciso saber quem sou sem mim. Falta emoção para o vento pousar seguro no céu. Vivo contra mim, contra minha insegurança apenas para chorar o nada de mim. O nada chora mais do que minha alma. Vida, seu mundo, meu mundo. O vazio sangra, não chora, o que devia dizer deixo a vida saber de mim. Nada posso fazer pela vida nem por mim, mas ainda posso amar. Amar a quem? Escuta meu sofrer. Preciso amar, me sentir amada. Nada vai te despertar. Minha morte é um sono infinito sem ausências, é saudade do que devíamos ser. O sono sente minha alma. Até mesmo o sono é distante de tudo, o sono é a vida. Estou alheia ao sono, à vida, mas estou alheia a mim, à vida. Mesmo no sono dormi, como uma semente sem terra para nascer. Pareço viva sem sono, o que perdi eram apenas sonhos que precisavam das minhas palavras para não ser perda. É inacreditável morrer. Morri, meus sonhos se tornaram meu corpo morto. Por isso, não se decompôs nem apodreceu. Meu corpo torna-se vida depois de morto. O silêncio torna-se canção, amor. O desespero calou a canção. O silêncio afundou em si, a canção tornou-se poesia. Então os abraços tornam-se eternos, sem sombra do passado, apenas silêncio e dor e o agora é morte, é confiança de um futuro.