Blog da Liz de Sá Cavalcante

Negação

O ser não pode se negar, isso já é uma negação. Dou vida à vida. Não sofro a vida. Não sofro a vida perdida, tento vivê-la, torná-la importante, essencial. Tudo se faz sem a vida. Eu escrevo ausente de vida, sem vida. Não consigo viver como um ser, estou perdida no ar que eu não respiro. Vivo como sendo o respirar da vida. Faço a vida viver, mas não me faço viver. Viver é triste, é chuva que não desce a terra. O sol torna a terra só. O ventre da chuva é o sol. O tocar deixa o corpo vazio, ao plantar a semente da morte. Se a morte define o ver, como o olhar é vida? Sou esquecida por mim ao ver a vida. Vida, o que sou sem o teu corpo, tua alma? Eu não te vejo. Ao escutar o mar, pareço te ver. Pode ser apenas um aparecer para mim, ele é real, como se minha sombra se movesse na vida, em vez de ficar parada esperando por mim. Esperar é morrer, não ter o que viver, ter apenas o que morrer. A consciência me separa de mim. Consciência é morte. Sorrir é a única consciência de vida. O céu me sorri sem precisar ter consciência. A consciência da vida nunca foi descoberta. A vida tem consciência. O céu é o buraco da morte. O céu morre de estrelas. O escurecer do céu se torna o branco do nada. Onde a eternidade se preenche no céu, como um oceano em gotas. E o céu, pendurado em Deus, não cai nunca. O nunca é a solidão do mundo. O mundo é a falta de solidão de Deus, por isso, precisa haver um mundo sem vida: Deus. Deus em silêncio sem silêncio é o mesmo Deus. O que ele sente? O que é Deus? A única resposta é sentir, nunca explicar. Explicar Deus em Deus é impossível, mas posso explicar o quanto o amo o amando. A vida cessa, o meu ser morre, mesmo assim, sou eterna em amar Deus. O céu parou para ver Deus. Tenho olhos, não vejo Deus. O escuto sem o silêncio da vida. O escuto nos gritos aflitos do mundo. O mundo sem a vida é silêncio exterior a mim. O exterior do exterior é o nada. Ver o nada como real é ter o mundo nas mãos. Nunca tocar o nada para torná-lo irreal, é onde o corpo tem vida. Me sentir não me cansa, nem a alma. Um corpo sem pele é a afirmação de se viver.

Refazer a vida

A fala não se escuta, escuto a morte da fala no refazer a vida. Preciso da alma como preciso do sol, como necessito ser feliz. A alma, sem silêncio, não se escuta. O nada é o infinito mais perfeito, é o céu em harmonia com o nada. Substância de Deus não é vida, Deus não é vida, ser é vida, faz Deus viver como eu. Amo na espera de Deus. Com Deus não preciso amar, estou plena.

Se

Se a morte é meu ver, o olhar se ver. O olhar é uma vida desabitada. Ver é fuga de mim, alma e coração da vida. Alma, se eu me esquecer, me lembra de mim, ao olhar para mim. O sonho assusta o olhar partir do olhar, é ficar sem sonhos no olhar. O corpo se entrega ao olhar, não é mais nada, nem ilusão. Se a ilusão vier, me encontrará refeita morte, é não ter o mesmo gesto, atitudes, amor, vida. Não falo quem sou, para que me imaginem, onde não sairei da sua lembrança.

O outro lado de mim

Olho-me no espelho, não me relaciono com o espelho e sim como a minha negação, espelho da alma. A alma me reduz ao que sou. O transcender é apenas um chorar solitário, invisível, como um aproximar da realidade, mesmo sendo o único instante em que sou irreal, como um vento de lágrimas. Chorar esconde o nada de mim. Mas não o esconde de Deus, da tua falta de chorar. O mundo não sabe ser mundo. A morte não é o outro lado de mim, é o que me unifica, me torna eu sem lados. Fugindo do que brilha em mim, resplandeço. Resplandeço sem brilhar, assim sou eterna.

O desaparecer da liberdade

A totalidade é a ausência. Não há ausência em ser feliz. A alegria é uma ausência, ninguém quer senti-la porque é tão especial a ausência de ser triste? Não há vida na alegria. Não ser triste é uma presença de morte, de Deus. Me aprisiono de alegrias. Vidas de palhas em chamas resgatam a poesia, o sonho, a morte, a profundidade de um adeus.

Morte, vida

Escrever é o fim de escrever. A expressividade é o fim do fim, é a alma. Não vivo sempre, mas escrevo por não viver. Viver é o viver da alma, que se tenta ser. A morte espera pelo céu, não espera por mim. Por mim, a morte teria seu céu para as estrelas dos meus sonhos. Denegriram ao ser, é a vida. Quando não há essência, há vida. A morte não interfere na minha tristeza. Para não haver tristeza, o ficar em mim tem que ser um sentimento. O olhar estremece o mundo, a vida, não estremece nada. O nada é o amanhecer sem sol. Não faço parte da história do meu corpo. A história é um sol ainda vivo em estrelas caídas de amor. O sol não era sol, era uma dança. Sol, tem a força da fragilidade de não ser só ao amanhecer que chora sol, e sorri chuva.

Ansiedade

A ansiedade é o momento crucial da vida. Há vida na vida. Sou a vida que enche o mar, faz nascer o sol, me preenche de ansiedade. O sol da ansiedade é o meu olhar. Sou feliz como a minha ansiedade. Ela é minha vida, meu amor, meu refúgio. Consciência é morte. Vida é inconsciência. Reparto minha morte com Deus, como quem reparte o pão. A vida anônima é a falta que me faz morrer. A vida nunca será minha.

Necessito cessar meus sonhos

Necessito cessar meus sonhos para viver. Me perdoe por sonhar em viver. Não tenho que ser, me materializei em sonhos. Até a inexistência de mim, é um sonho de existir. Cessar é um sonho. Morrer em tudo que me desperta. Continuar a vida depois de morta. Como deixar existir o que não existe em mim? O que não existe em mim no outro existe? A glória, a morte, da morte ao chão.

Indiferença

Pela morte não há ilusão de luz. Os olhos fecham com indiferença da luz, mas essa indiferença não é escuridão, é uma luz transcendente, vazia por ser vista como luz e não como amor. No amor, a luz não é luz, é promessa de ver. Ver a vida é cessar-me. A luz é o meu amor, onde sentir é impenetrável, sem poder voltar ao amor. Sentir e amor, unidos, é morrer no que foi preenchido por mim. A morte é dual, uma reciprocidade de luzes: se pintam de amor para serem vistas.

Morrer me protege da morte

As palavras não me satisfazem, sou a sombra das palavras, em busca de um sol de silêncio.