Blog da Liz de Sá Cavalcante

Encanto

A alma não sente a palavra como palavra, sente como alma, união eterna não se vive a vida já pronta, a construo com meus sonhos. Antes dos meus sonhos, a vida não existia. Morri como um sol, nasci como um sol, em busca de um encanto, que me desfaça de mim como um sol para a vida. Morri no desgosto de viver, com um encantamento que encanta o mundo, num encanto, numa poesia fértil, onde a alma dá lugar à vida para eu pertencer à poesia, sem encantamento, apenas eu e a vida, apenas sozinha, como se eu fosse o encantamento da vida.

O sonho de uma verdade

O amor é fim e infinito, somente o sinto como fim, nem o sonho de uma verdade é amor. A verdade desperta, nunca será amor. O amor é o que o vento sopra. Quero amar na paz das palavras. Quero um sorrir que se escuta distante do mundo. Quero acariciar o meu respirar a escondê-lo da vida. Respirar é meu último e primeiro, único, raro esse abraço. Abraço como respiro.

Semelhança minha em poesia

Abstrair é ser. A abstração do meu espírito é minha semelhança com minha poesia. A palavra se sacrificando como sangue e alma não é poesia. Sozinha no sangue derretido é ter a vida apenas para mim. O espírito consome minha vida, me deixa com alma. Escrever é o que nasce do suspirar, é o que sofre na falta do amor. Se a verdade é negativa, o silêncio faz parte dessa verdade. Não é um regresso. O silêncio é o ser nele mesmo. As almas choram pelo silêncio, mas a morte do silêncio é a vida das almas, que criam um novo silêncio, excluem o ser desse silêncio. Mas o ser é o próprio silêncio que cessa o nada. Pode-se viver de silêncio interior, os sons esquecidos ainda são a alma de um passado: chama-se consciência. A consciência de ver é a alma a se despedir da vida. Nada do que eu possa ver é alma, mas se torna alma para mim. Minha semelhança com a poesia é o silêncio, o intervalo entre ser e não ser, concretiza a poesia. Nascer enquanto me pareço nascer. Revirei a alma do avesso para olhar a vida. A palavra é a poesia que restou a vida.

Cemitério de mágoas

Falar estimula a alma a viver. Não sei falar do amor sem senti-lo. Amar é não viver. Junte meus pedaços no cemitério das almas, das mágoas, e me terá para sempre. Unir pedaços é um vínculo eterno, indestrutível secou-se a vida, as feridas da alma. Cultivar novas feridas, cicatrizam as velhas. Não sei morrer sem sofrer. Alma é partir de onde nunca estive, isso me faz ficar. Ficar na alma, nunca chegar ou partir, é amor.

Oportunidade (para pai)

Perdi-me. Acompanhar a morte para me encontrar, longe do sofrer. Abrace-me intensamente, para eu me encontrar longe de mim: na vida que me deu. Se isso não é amor, nada mais é. A falta de você é falta de vida. Por você irei viver sempre mais. Em você eu sou eu. Eu para você. Nossa vida é amor. Nossa vida é uma só, por isso é eterna em nós.

O despertar do nada

A alma se dissolve em aparências eternas. Preciso me conquistar para confiar na vida, no céu, no mar. Tudo existe apenas pela confiança. Eu abandono o abandono de mim, para sentir o vazio, senti apenas o abandono de mim, pior do que morrer. Vou me encantar com a morte. Ela é um pedaço do céu em mim. Nada isola a morte do céu. O nada substitui o ser. Sem o ser o nada existe absoluto. O nada do sofrer parece infinito. Apenas o nada do sofrer cessa o nada no ser. O nada é o fim no depois, no ontem, no agora. Renascer é a distância da alma.

Vida a incendiar em mim

A vida é apenas um olhar: expectativas do nada. Tudo importa no nada, que amanhece antes da vida, do sol, de mim. Sou carente de vida. A vida é carente, não sabe dar amor. A alma se destrói pela compreensão do espírito. Nada quero compreender. Quero apenas que a ausência faça de si mesma o que é. Ausência é o sono, é o devaneio, é viver uma realidade que não existe, mas, na ausência, o impossível é essa realidade na minha morte.

Entusiasmo

A luz na margem inocente do que se pode ver. O sonho sonha com a vida pelo que vê. Eu, sem nada ver, sou apenas real. Ver vai além da alma. O silêncio me impede de ver. É com entusiasmo que sonho ver. Ser para si mesmo afasta a alma de mim. Esse afastamento dura como o sol. Nenhuma conquista, nenhuma esperança para sobreviver à dor de viver. O amor é um sol depois do sol. A alma do sol me faz amá-lo mais do que sua luz. Sou a luz do sol em poesias. A vida, sendo apenas luz, vai além da vida, além do ser. O ser pode ser vida, que não está na luz. É cedo para a alma se dar ao sol, como uma forma de lembrar de mim. Tudo que dou nunca é perdido, se apropria de mim. O tempo pode ser qualquer lembrança distante do tempo individualizado. Não se pode fugir do tempo, o tempo se esconde de mim: se torna poesia. Tudo vai renascer, nos braços da inexistência. O não existir é o céu sem a inexistência. A existência é a imaginação do céu, estou viva na imaginação do céu. Da mesma forma que tudo morre sem existir.

Luz do nada

A luz apaga-se em lembranças refletidas no nada, reflete o nada como poesia da alma. E logo tudo passa a ser amor. Começar a ser é poesia. Continuar a ser é o fim da poesia. A luz do nada é a voz de Deus no ficar de mim mesma. Não sonho comigo, sonho com a luz bebendo-me em vidas poéticas. A poesia vai além do amor, é sede do nada. Me despedace, mas na luz do nada, e minha alegria será eterna, como a vida a sonhar.

A distância da vida me une a mim

A distância é uma realidade de vida. O silêncio de morte ou de vida acaba com a distância, que é a vida sendo a distância da distância que é mais distante que a distância. Nada é perto ou distante. Para Deus, apenas existe. Me dedicar a distância é preencher meu vazio na distância de mim. Não espero que o vazio se una ao amanhecer. Mas quero o vazio como se fosse a lentidão do amor. Vivo o infinito da voz da vida, sem nascer para mim. Para nascer é preciso ser eu primeiro. Morrer é ser apenas para mim. Mas ainda é o meu ser, mesmo morto, sem ausências, sem adeus, enfim, sou apenas amor. Caindo num amor finito, recuperei minhas perdas, meu ser. Morrer é agir, quando a vida se desespera sem mim. As palavras, desespero que me acalma. Ignoro o meu renascer, que é a pureza da minha alma.