Blog da Liz de Sá Cavalcante

A razão de se viver

Estou te vendo para não me ver. De que adianta me ver se, ao olhar-me no espelho, não me vejo. Não sou mais eu no espelho: é a minha ausência: gratidão pelo que vivo. Quero entrar no espelho sem imagem, para incorporar o espelho, para sentir a falta de mim, sem sentir a falta de mim. Há a sensação do espelho: de morrer sem minha imagem sem ver o espelho. Mas o espelho ficou no nada de mim. Sou um fantasma que não posso grudar o espelho, apenas pode aceitar minha morte, como se não houvesse espelhos na alma.

Amenizar a alma

A morte da presença é o recuo nadificador. Recuar na morte é não ter o nada. O que dissolve a pele cessa a dor. A alma é livre por chorar sonhando. A ausência, a perda do meu espírito é rezar. Rezar aflige o amor de Deus. Converso com Deus em pensamento. Há pensamentos que se abraçam, se tornam um só: se tornam vida.

Deixo-me ser

Não esqueço de alimentar minha alma, de amor. Palavras fazem minha alma viver: alegres ou tristes. Minha alma quer aprender a pensar nas palavras. A alma as conhece: precisa lhes dar um significado. Eu nada significo para as palavras: elas são a minha alma. Deixo-me ser pela falta de palavras, que são as palavras. Palavras morrem para se tornar meu ser em palavras, são o infinito do ser. Nada no ser são palavras. Conviver sem palavras é um amor puro de alma. A morte é apenas uma palavra. Deixo a alma sem palavras ao viver. Sinto-me viva até em palavras. Tudo me faz viver. A alma da morte, como a necessito, vaia além do meu ser. O fim é o respeito pela vida.

Atitude em palavras

Não se pode perder a perda, nem mesmo morrendo se perde as perdas. As palavras amenizam a perda. As perdas me ensinam a viver. Não me importo de morrer nas minhas perdas: é como ser eu de novo, sem renascer em poesias. Mas não há poesia em renascer. Mas em mim a poesia veio unida ao renascer. A falta da poesia é minha falta. Não consigo me enterrar em poesias. Meu ser é o começo de mim, onde a fé suspende o ar.

Sonho e vida

Sonho e vida são duas almas opostas. O eco da minha alma são os gemidos da morte. O não sonhado é eternidade. O que chorei não existe mais, tornou-se a alma de alguém que necessita de alma, de vida. Na morte, tudo é sonho raso com a profundidade de existir, como a vida nunca existiu antes, nem existe agora, que sua existência é possível. O ser não é uma possibilidade: tento ser inutilmente. A vida existe se eu renunciar ao meu possível. A renúncia é sem dor, quem sofre é o possível. A renúncia é como escutar a realidade em sua mudez. A realidade não é o que vivo. Vivo pela falta do real. Escutar a realidade é me escutar. Nada está aceso em mim. Viver é fuga. Respirar fere a alma. Falta muito no ser para ser o nada. O depois não é ausência do hoje, mas também não é certeza do agora. O hoje se desfaz no agora do ser. Incorporei o nada para não me sentir um nada.

Dentro da alma no exterior a mim

A presença é como o mar na saudade das ondas. A presença é como o sol, a desaparecer, na poesia do amor. O meu ser desaparece na sombra da sombra, para ver a vida como vida. A alma é como o vento que escorre de mim. Refletir no deixar de ser é transcender no céu. Apenas o céu ama sem transcender como se fosse uma alma corroída, por isso, ainda viva. O desmaiar do transcender é a alma. O sol desarruma a alma, amanhecendo. A alma não amanhece. O sonho me incorpora. Não há silêncio sem dor. Não se nega a dor. O impenetrável sem o silêncio da alma. O silêncio é alma que as palavras não têm. O silêncio do corpo é a alma. Convencer a revolta de morrer que morrer não vale a pena. O absoluto é uma desculpa para não viver. Pelas palavras, sou um ser.

Reclusão da liberdade

Sobrevivo ao tempo e ao depois, com a vida. Me reconcilio com o passado, como uma vela apagada, sem a escuridão perpétua de você. Fugir é falta de desespero: é como se o olhar falasse e eu me adivinhasse eu. O olhar cessa o desespero, para acreditar ser só. Nada é só ao partir. O que é ser no ser? É a autenticidade de morrer no nada. Meu corpo são dois nadas que se encontram. A diferença do nada para o nada é não se ver em si mesmo, nem pela diferença, nem pela igualdade. O cheiro do nada é a vida, são as lembranças. Mas nunca vivenciadas na saudade que ficou em mim, que não é vida, não é nada.

Quem sou eu?

Não interiorizar a liberdade pelas mãos da poesia, assim me aproximo da alma, como se tudo fosse alma. É fácil viver na alma, para minha inexistência ser plena, sem a plenitude do nada, da vida. A vida não caminha nos próprios passos. A alma se divide em ser, para nunca não ser. Atribuir o ser ao ser é ficar no vazio, sem conseguir morrer. Ao olhar o sol, percebo morte, plena de mim: é uma poesia.

Pânico do nada

Tem que haver algo nesse nada. O respirar do silêncio é a minha ausência. O sonho é o inferno da alma. O sonho não permite agir, deixo de ser no sonho. Minha alma são falas de vidro. Se estilhaçam, antes do ar. O sonho é sem ar. Esquecer traz de volta a vida. A vida é para não ser lembrada: para morrer sem me sentir morrer. Falar é o acontecer eterno. Amar é o fim desse acontecer

Relação nula ou identidade?

A morte é o ser que não possuo. Possuo a morte sem mim. Os momentos se dispersam da vida, até morrer. Não sei se a relação é nula ou é uma identidade. Dessa dúvida nasce o amor. A voz do diálogo não escuto, escuto a voz da solidão. A solidão de respirar é me escutar pelo sol, pelas estrelas, pelo vazio, pelo universo. O universo maior são as minhas lágrimas. Nem tudo é apenas saudade de amor. A vida brilha mais do que o sol. O ser é irrealizável como o respirar no infinito, como o infinito no infinito. O indizível se diz em sonhos. O espírito do não nascido está na vida, na morte que traz o não nascido. A poesia nasceu morta, sem o não nascido. Mesmo morta, sinto a existência da poesia no não nascido de mim. O que poderia existir por nascer? O que significa nascer? Que é possível a essência ser tão livre como o nascer? Como é possível separar o divino do humano? O que falta nascer é infinito? O meu ser reage ao nada com amor. O amor é suficiente para amar? O amor faz falta? O que desaparece vive em mim? Onde deixei de ser para viver? Existe amor sem faltas? Como saber se amo a vida? Será a vida a falta? Por que a falta nunca cessa? Ela é uma identidade que é verdadeira, por isso, é uma relação nula, de amor?