Blog da Liz de Sá Cavalcante

O sentimento do mundo

Queria ter o sentimento do mundo para dar a poesia. A eternidade fim do ser, começo de mim, na alteração da visão do mundo. O começo é o fim de muitas coisas essenciais. O ser é para o nada, não para a morte. Internalizar o nada, não é o nada: é o sentimento do mundo. Reconhecer é esquecer. Chorar não alivia a alma. Deixo o imperceptível ser o amor que percebo. Nada percebo sem o céu na vida. Nada se desfaz no perceber. No perceber é possível sonhar. Mas meu perceber não é sonhar. Sonhar é não perceber a vida. Sonhar com a vida, é perceber a vida no meu desaparecer, unido ao sol, a angústia, ao viver.

Razoável versus verdadeiro na imagem moral do mundo

Sufocar é respirar. O quanto preciso viver para estar viva? Me ver respirar é morrer. O mundo não é um lugar, é um espírito de todos, distante do espírito particular. O céu é o único em Deus. Deus deixa a vida sem razão. Preciso viver no pouco que a vida me dá. Dando-me sem vida, aprendi a não sofrer. É razoável sofrer. É irracional ser feliz. Nascer da razão é não nascer. Nascer como quem morre é amor. Suspirar é o fim do ser, do amor. O que faço com o que nasce de mim? Transformo o que nasce de mim em meu fim. A imagem se mistura com a razão para eu nascer, querer algo em mim. Talvez seja apenas uma imagem tardia, se confundindo com a vida. Imagens se tornam vida. Mas a vida não é uma imagem, é a falta dela.

O espírito da alma

O espírito se dá à morte, como se o espírito fosse superior ao ser. Por isso, não há ser em Deus, não há morte em Deus. Nada muda sem espírito. Ter espírito é não se espiritualizar de morte. O declínio da saudade é o espírito. Espírito é o corpo atravessar o corpo com esperança de alma, que se mistura ao sol, num pedaço de solidão, onde o amanhecer, não é companhia. O espírito do nada é escutar o nada como nada, por isso o vivo: apenas para eu escutá-lo. Escuto-o como se o amasse. O diluir do mar é a vida, é o sol, é a distância de mim, que encurto a vida no diluir do mar. A sensação é um mar aberto. O ser afoga o mar sem mim. Demonstrar-me em mar é ser imortal. A fala é o imortal do imortal. Meu olhar é o amanhã, que amanhece no não amanhecer. Deus é eterno apenas no amanhecer, onde morreu por nós. Nada me faz amanhecer, como se não existisse poesia. Não conheço o existir da poesia, então eu escrevo. Escrevo sem mim. A poesia é o vazio de existir. O espírito da alma me priva de escrever para eu anoitecer.

O que é o nada?

O olhar ultrapassou o nada. Prometeu que vai ver, cada vez mais. O que é o olhar, além de se bastar só, ser capaz de nada. Renascer do nada é um privilégio. Renascer é perder a alma. Renascer é para toda a vida. O renascer é chato, banal, monótono. O nada é renascer. Nada ganho, aproveito em renascer. Tenho alma apenas no renascer de mim. Nada em mim renasce. Fico sem alma, como se isso fosse um presente, como se houvesse alegria sem alma. Minha única alegria, seria a alma em mim. Nada satisfaz a alegria. É essencial morrer, ao menos para mim. Quanto tempo se passou sem eu morrer? Estou em busca do tempo perdido que não existe: isso é não morrer. É ser eu o tempo perdido, no infinito de mim.

O comum da dor

Arranco meus pedaços para não ser mais eu, não me aprisionar em mim. Não estou nos meus pedaços, estou na minha dor, sem meus pedaços, para tentar ficar inteira. Meus pedaços não me deixam ficar inteira, assim como a noite necessita do sol. As coisas não vividas são o interior do vazio.

Delicadeza

Alma dança sua morte, com a delicadeza de quem vive. Delicadeza sem amor não é delicadeza. O céu é exigente com o ser. Deus, concilia o ser e o céu. Mas não concilia a morte e o ser. Não há como conciliar Deus com Deus. O despertencimento da alma é amor, é Deus. Mas sei que vou morrer, no despertencimento do nada, vai ser como ter Deus na minha morte.

Sofrer de corpo e alma

O ser cessa a alma lhe dando vida. Não penetrar em mim não quer dizer insensibilidade. Penetrar é insensibilidade, não sai pelos poros da pele. Sonhar é me rasgar de alma. Aprendi a ousar, ter alma. Alma é insegurança. Nada se refaz no tempo, se refaz na alma. A ternura da alma é amor. Tenho a oferecer apenas a minha morte sem céu. O tempo cessa sem a vida. O tempo cessa de vida. O ressecar do sol é a lua. Sofro de corpo e alma, sou uma mistura do sol com a lua, de mundo e céu, de vida e morte. A vida se encontra na morte, no céu, nas estrelas. Então por que ainda desejo o mundo sem necessitar dele? De corpo e alma, vou viver. Viver é uma vida com paredes. Ler lendo a vida derruba as paredes da vida. Não escolhi viver, escolhi ser eu para lembrar de ti. É mais do que vida, do que morte, é um adeus. Adeus em lembrar, em pensar em ti.

Tempo de alma

Dou vida ao meu amor, se eu tiver amor para dar. O tempo da alma é meu amor, que se contrai na continuidade da vida. A falta de tempo também é amor, não se encontra no tempo, não tem vivências. O tempo da alma é morrer por dentro do meu corpo. O tempo é Deus. O tempo da alma é sem Deus. Sem o tempo, Deus se ocupa do meu amor e ama sem tempo para amar. O tempo são essas palavras: não fica em mim, encontra teu caminho. O tempo é o reconhecimento do nada, onde sei que eu encontrei meu caminho.

Supondo a vida

Lembrei-me de esquecer, supondo a vida, o céu, as estrelas, as ausências, tão amigas, fiel a mim. Apenas a ausência me escuta. Crio o nada para me manter viva. Morte, sai de mim: tenho que conquistar meu corpo, minha alma, em vida. O benefício da morte é nunca a alma ser um adeus. Para ver não é preciso imagem. Imagem é o que tenho dentro de mim. A alma é o exterior do meu interior. Eu não crio a imaginação. Ela me cria sem cor, sem estabilidade. O ranger dos dentes é a fala de um adeus. Nada se fala sem adeus? Por isso, o silêncio? Penetrar no vazio é ter a segurança de ser feliz. Ao morrer, vi que essa alegria é eterna, não é mais vazia, é fazer da alma a vida da inexistência sendo feliz. A alegria das almas não nascidas é o não nascer na eternidade do amor, sem o vazio de nascer. Procurar o vazio no abismo de mim é não o encontrar.

A morte nasce de mim

A morte nasce de mim para eu ter liberdade. Incluir é o nada a respirar. Não há palco, plateia, para a estreia do meu coração. Mereço sofrer pelo nascer do meu coração. Morrer com meu coração a nascer.