Blog da Liz de Sá Cavalcante

O latejar da alma

O eterno retorno do mesmo é a morte. O eterno retorno do mesmo é o retorno sem o ser, apenas o mesmo continua. O ser é diferente de si mesmo. Nada parece o mesmo, mas é. A mesmidade é a vida. Cesso o vazio ao fugir do nada de mim. Cesso o vazio com as estrelas que nunca se veem: estrelas da alma. Antes da verdade havia fé. A fé não destrói o que a verdade constrói. Fé e verdade podem ser uma só. A luz do sol é minha prisão, apenas a escuridão da alma pode me libertar. A alma é o crescimento solitário, evolui, se torna espírito. O fim do ser é sua presença. Por isso luto contra a minha presença, sem o mesmo de mim. A presença não necessita do meu ser. Meu ser é tudo que sei. Nunca saberei do meu silêncio interior: se perdeu no mundo. Tudo depende do silêncio interior, nada depende de mim. A vida absorve a alma. Nada quis do meu amor, além de amar o outro. Amar aproxima o real da realidade. Nada se é real no saber. O saber real é a ignorância. Aprendo mais sem saber. Saber é esquecer. O outro é o meu saber de mim. Não esqueço da falta que faço a mim. Sinto falta de mim ao escrever: é o mesmo nada, sem o mesmo fim.

O nada de luz

Quero dormir sem meu corpo, enaltecer o nada. Sentir o nada é a essência infinita de Deus em mim. Ver é melhor na luz do nada. A mágoa é um nada sofisticado. Ver não tem sentido nessa luz superficial: a vida. A luz da vida é inferior à luz do nada. A essência é a razão de esquecer. Vou cuidar do meu esquecer.

Suspirar

Suspiro minha dor. O ver no suspirar é morrer. O que me preenche é vazio, é como o nada que se expande no cansaço de existir. Ainda bem que existe a vida, para eu repousar o cansaço de existir. Eu faço a vida acontecer. A vida é apenas lembrança do nada. Toda lembrança morre no nada é o nada. Sinto a lembrança do meu corpo, como um talvez de mim: sem lembranças, sem o nada. Apenas o corpo é uma lembrança que é exposta no viver.

O olhar da irrealidade

Tudo desaparece no ver. O olhar da irrealidade é a transparência do ser. O ser sem realidade é alma se tornando eterna. Nada é eterno para a eternidade, mas tudo é eterno na eternidade. Não há distância na distância, há o adeus onde esqueço a distância de mim, pela espera da distância. Alma é imaginação. A morte salva a alma da alma. Flutuar na irrealidade é deixar de cair no abismo. A irrealidade é alma que permanece como uma canção de amor. Vivo sem alma. A indeterminação é o ser como alma. A história sem o ser revira a alma. O corpo é um pedaço do céu que foi esquecido na existência. A existência é falta de céu. Céu, alma de Deus. Ter Deus no corpo é não sentir falta de alma.

Consciência do corpo

A alma é o nós do corpo. A alma é consciência do corpo. As cicatrizes são flores selvagens na alma. A morte é sem cicatriz. Tudo na morte se renova. O querer morrer não se renova. Querer morrer é chance de ver a vida, em um novo olhar. O antigo olhar é a margem de mim. Apenas a consciência é um olhar de Deus. A consciência do corpo é a sua ausência, que às vezes é corpo, às vezes é alma. O ser e o nada se misturam na minha imagem, como eu a nascer da minha imagem: última esperança de nascer o sol. Sem sol a imagem é vida. Vida, clareia a alma. A lua se abandona em consciência sem sol.

A interrupção do silêncio

Deus é a inconsciência da interrupção do silêncio interior. A inconsciência é consciência de vida. O corpo é um silêncio: sai de dentro da alma para a vida. Às vezes o corpo fala no sussurrar dos movimentos. Algo range, se destrói na alma. A dor da alma dói menos que a dor do ser. Minha vida é alma: embala o céu com lágrimas distantes, ausentes do céu. Meu corpo é o outro em mim. O silêncio interno do meu corpo, é meu mundo que se divide em minhas lágrimas. A interrupção do silêncio derruba minhas lágrimas, no abismo das minhas lágrimas. Apenas meu corpo chora por mim. Há amor nas minhas lágrimas. O tempo é feito de sofrer. O sofrer, se fosse o tempo veria a alma. Não há nada entre o céu e o mundo, que separe a alma de mim. O silêncio vagueia, fluindo no nada. O silêncio é a dor comum da compreensão. A dor incomum é o meu eu. Nada veria do nada, vejo apenas silêncio. Eu, a consciência do outro, vivemos a mesma solidão. O não ser é minha alma. O sonho são os olhos da alma.

O imaginar é mais essencial do que a realidade

A esperança é falível. Expulso estrelas para morrer no meu brilho. Piedade para a morte, se apegou a mim. Estou mortificada com o amor. Se não houvesse vida, não amaria a morte: a vida é pouco para mim. Quero a eternidade de morrer na vida. Nunca na morte. A realidade é como se o céu entrasse dentro da realidade, da plenitude humana. O amor é capaz de fazer a plenitude desaparecer, para a paz ser real. Tão real que ando sem paz, a esmo, procurando o que apenas a paz pode me dar. Nada me estimula. Já sei o que é a vida. Depois da morte o que há? Nada, mas me sentirei satisfeita, feliz, não por conhecer tudo, mas por fazer parte de tudo, e em tudo deixo um pouco de mim.

Alma doce numa amarga tristeza

Te vi sem te ver pela ilusão de ver que é apenas eu, no meu fim. Fim que eu conquistei, amei. E até o perdi. Perder o fim na alma é decepção. Ganhar fim na alma é o êxtase da inconformidade. Amo pelo nada me separar de mim. O que se ama no fim não é amor: é vontade de viver. Viver para encontrar o amor, mesmo como fim. O amor surpreende o fim, o ensina a se aceitar: nem tudo está perdido no fim. Amar o fim entre tantas coisas para amar, me desprende da alma. Me faz ser eu sem ter aprendido a ser eu. Assim, sou mais eu ainda, tanto na vida como na morte. Não me peça para esquecer o fim, seria me esquecer. Não tive uma vida, tive um fim. Mas não sou o fim de mim mesma. Sou a poesia que me faltará sempre a escrever. Mas ela já são meus olhos, meu corpo, alma. O fim da poesia não é outra poesia, não se começa um sentimento noutro sentimento. Cada poesia é um universo. A poesia é onde aprendi o sonho de ser feliz. Mesmo morta continuarei a sonhar: vou fazer poesias no céu, onde minha alma serão minhas mãos. Posso estar em qualquer lugar desde que possa escrever, sonhar, amar.

A conciliação da alma com o espírito

O que sai de dentro de mim concilia alma e espírito numa solidão profunda que é solidão, que é espírito. Nada do que se move vive, por isso não pode flutuar no imaginário. Tenho pressa em viver, até o não vivido. Posso viver a morte nas recordações. O inesperado, o surpreendente aconteceu: a morte me emocionou na minha falta de emoção, que é emoção, é amor. O amanhecer machuca a alma na solidão de Deus. Deus é a espera de ser. Deus ama e nós tentamos amar, acompanhar seu amor na minha própria invisibilidade. Vou aparecer na visibilidade do céu: essa visibilidade do céu não tem a minha invisibilidade, o meu amor.

Sem saída

Não há cura para solidão. A solidão é a alma, onde nascem coisas boas. Não consegui ser alma, ser só. Sou só no que escuto, vivo, amo: não em mim. Sou poeira varrida no tempo, sem o vento a me acalentar, me espalhando em um amor sem fim. Poeira é vida. A morte limpa a alma. O desassossego da alma não mexe em mim. A ventania é um sossego contra a solidão. Não sei pensar, sei ser só, como se a cada instante eu recuperasse a minha alma. O devaneio da alma não faz sombra na ausência. Falta de um adeus a estremecer a eternidade da alma. Tudo na alma não cansa o corpo que recolhe as cinzas da alma, como se fossem estrelas do céu. Nasci para ser alma, abandonando o absoluto de mim. Preciso me despedaçar para não morrer. O azul do céu escorre em alegrias desconhecidas.