Blog da Liz de Sá Cavalcante

O sonho também sonha

Haver o nada é nada ser o nada. O nada não existe, é apenas negação do ser. Imagine o vazio no lugar das pessoas, da vida, conversando, amando, vivendo, substitui tudo e todos. A falta e a ausência não existem no vazio, mas silenciam o ódio, o desprezo, ao sofrerem. Não há nada para o vazio fazer, apenas ama, comunica a si mesmo. Tudo que o meu ser pudesse dizer, amar, é inferior ao vazio. O ainda para acontecer é a falta do ser acontecendo. O que não se ama se eterniza. A expectativa supera o amor. Mas o amor não necessita de expectativas. O que não se vê, não pela invisibilidade, mas pelo esquecimento, é amor.

O sentimento do mundo

Há muito sentimento do mundo, que desfaz o céu no mundo. O tempo não tem o sentimento do mundo, o sentimento do mundo é o ser. Bem mais do que nada, do que o vazio, do que ser, do que amor, do que a existência, é a cegueira do amor, onde sempre me vejo. Já que não posso alcançar o céu, amo, como se fosse o amor do céu, como se eu fosse o céu, fazendo todos felizes. No céu, a eternidade da alegria e este sempre, que se torna fim, onde a alegria é infinita no seu fim, é como a descoberta de mim mesma que une o céu no céu. O céu está lindo pelo meu olhar, que vê a poesia do céu na minha poesia. A poesia é a única coisa que vive sem a poesia. Tudo se escuta no fim da poesia, como se fosse captada no interior. Poesia não é o interior, é a falta de interior, a alma é sem poesia e é feliz. Sou feliz apenas como poesia. Mas, não sou a poesia que escrevi, ela é apenas uma parte de mim, que não se isolou da vida. Minha poesia pode ser qualquer coisa, nada é impossível na poesia. A poesia é o céu do céu, onde a alma se tranquiliza. A poesia cuida da alma, a alma cuida da poesia. Tudo encontra seu lugar no mundo, menos a poesia, perdida em tanta plenitude. Deixa-me ser a alma do céu, esquecida pela alma da poesia. Enfim só, enfim eu!

Dúvida

A dúvida entre ser ou não ser é o amor. Sem dúvidas, sem amor. A morte, espinho que não sai da pele, corta mais do que faca. A alma sonha com meu ser, neste sonho a alma me tem nela. Sonhar traz tudo para perto. Amor é sofrer. Amor, se saíres da minha alma, serei teus sonhos. Sendo ou não sendo, a alma não é usada, por causa do desleixo do amor. Por que o amor não pode se preocupar com a alma, será que assim ele tem medo de ser esquecido pela alma? A existência da alma é esquecer, e, quando ela quiser lembrar, vai deixar de existir? Por que a existência não pode pensar nela? Sempre algo me faltará, por eu existir. Não há como afirmar que o nada é nada, que eu existo. Existir é frágil, se quebra fácil, se desvanece fácil, até mesmo quando algo lhe aparece, não parece ser por existir. Há dúvidas que cessam no existir. Somente há comunicação no desaparecer. Enquanto eu não desaparecer, estou incomunicável até em falar. O desaparecer é uma mancha no céu, que borra o céu, o deixa mais lindo. Dá medo sonhar, pois, se eu sonhar, não retornarei a mim. Pedaços não se desfazem, para tornar a vida melhor. São tantas ausências, que não sei sair de mim. Enxergo o nada na presença eterna de viver. Mesmo sem eu existir, o amor existe. O amor está na existência que não vejo nem sinto: a existência divina. Nunca serei amada, não me entrego à morte. A morte é um desapego sem existência. Por isto me apego à morte: seu existir sou eu. Onde importa apenas me ver morrer com o olhar de morte, que é o meu olhar. Atravessar a morte como se ela fosse o mar é delírio. Ao viver, não sei o que é vida e o que sou eu. Acredito nesse acreditar, por mais que me decepcione, necessito acreditar. Acreditar já é fé. Não acredito numa vida melhor, mas acredito em pessoas melhores. A vida se deixa pensar, como uma despedida, mas não me despeço da sua despedida, que é mais do que eu poderia viver.

Mágoa

Meu amor, devo ao tempo quando o tempo se despede, fica a mágoa de ter existido, onde apenas o tempo devia existir. A existência não significa existir, é uma falta que não pode ser preenchida. Na sombra da mágoa, nas margens da mágoa, está o sol. Ficar um segundo é a única permanência da vida, que necessita ser feliz. A mágoa da permanência é ser só, como se toda permanência existisse apenas em mim. Por que a permanência de sorrir me faz chorar?! Sorrir, para a vida acabar logo, e a alegria de ontem ser a alegria de hoje. Não importa mais viver, importa que dure como falta, que é a impermanência da falta na presença isenta de morte. Na presença está a pior ausência, que torna o mundo, a vida de todos juntos, somos mais do que vida. No deserto da saudade, o sol é eterno. A eternidade do sol desaparece na eternidade de ser, e a eternidade fica sem sol, sem ser. O tempo se abandona ao relento, sem sol ou chuva, apenas o tempo como escassez do tempo, a companhia cessa o pensar. O respirar vive sem mim, como se fosse a curva da vida, na luz do sol. O sol não tem luz, é apenas o olhar que não tenho. Mágoa é a certeza da falta de um olhar que impeça a mágoa de olhar. A mágoa se vê sem mágoa. A lembrar da falta, me lembro da mágoa, do amor. Como dar um fim a uma poesia? A falta de poesia não cessa a poesia, o ser em mim, que não é por mim, pertence ao nada de outro ser. Se ao menos eu tivesse meu próprio nada. No meio do olhar se esconde a vida, onde o olhar se vê, no sol do amanhã. Tudo me faz sentir o não sentir. Mágoa, onde está o teu sentir? No céu? Nas estrelas? Ou sou eu que te faço sentir alegria, essa alegria por mim?

Perdida na alma

A consciência de ter alma é ficar perdida na alma. O ser pode sair de si, mas a alma, se sair de si, por pouco tempo que seja, morre. A alma é eterna no seu ficar. A eternidade é o olhar da alma, que se entrega ao que perdeu com amor. Se julga perdida a alma, ela é a terra, o ar, o mundo, o mar, a dúvida de amar. O ser não tem essência, é puro ser. A essência é vazia, é a morte.

O idealismo da consciência

Pensei que não viveria sem consciência de mim, nunca sou ou fui consciência de mim. O idealismo da consciência é Deus. A imaginação domina a vida, torna a consciência de Deus possível. Invadir o nada, pensando ser a consciência de Deus. Tudo isso é querer acreditar não apenas em Deus, mas acreditar na esperança de ser só, de deixar Deus em Deus. Minha fé é um abismo de luz, que me ilumina, torna tudo pela minha luz. Quando percebo a luz de Deus, vejo que sou escuridão. Vivo sem o meu ser, respiro o irrespirável: o meu ser!

Apreensão da alma

A apreensão da alma é não necessitar se preocupar em ser. O ser para o ser é a atenção da alma. Vivo a alma, como se fosse o resto de nós, que se encontrou sem alma. A alma é por onde desaprendi a viver vivendo. O real da alma é sua ausência sem alma. Até eu conseguir ter alma, já morri, antes de ter alma. A morte e a alma são a mesma coisa. A distância não é distante de mim, como alma, mas como distância, quem influi no real. O acalento do real é a distância. Ser só, na realidade, é a distância que não existe por dentro de mim. Se meu interior fosse essa distância, não seria tão distante de mim. Compreender não é ficar perto da alma, é me separar dela. Tudo que aprendi na alma é esquecido pelo sentir. Sentir é a alma dentro do nada. O nada me faz sentir-me eu. O nada, matéria do corpo. Eu, o que o tempo não separa. Por dentro em mim, compreendo o amor, exterior a mim, o ser se compreende, como um saltar de vida. Nada da vida é o chão. A espontaneidade da morte tem o direito de agir como quiser. É espontânea, como umas carícias de alma, amor. Eu não inventei a morte, já que ela existe, posso torná-la amor à vida. É preciso morrer às vezes, para sentir saudade de viver. A morte me impressiona, onde ela é simples, como olhar o sol, como correr na areia e sentir a brisa do tempo. Escrever é a parte que falta no morrer. Por que não posso morrer no que sinto? Como voltar à realidade depois de morrer? O sonhar é um começo da realidade, que é apenas o começo interminável do nada. Se preocupar com a alma, sem lhe dizer adeus, é conseguir amar o que falta na alma. Eu não tenho consciência, procuro pensar, o vazio cresce, a ausência é absoluta, como se eu pudesse pensar nessa ausência. A ausência é o pensar da alma, onde não necessito pensar na paz dessa ausência. A ausência do mar é o mar, a ausência do amor é amor, não sou ausência de mim, nem a ausência consigo ser. Há uma infinidade de ausências para não me sentir só, ou ficar na presença solitária do nada, como se fosse minha ausência. A ausência é a alma da alma. Não existe alma sem ausência. A alma nunca será presença de nada. Quem tem alma não precisa ter presença. O início é o fim da alma, posso confiar e aproveitar apenas essa ausência, como se tivesse no meio do nada. Por mais que eu queira necessitar da alma, é impossível, assim como é impossível ter o fim do sol dentro de mim.

A fala da escrita da vida

É triste abraçar sem a ausência de mim, se me abraçar é vazio, é vazio também abraçar alguém. A vida é um vazio sem fim, o amor é um vazio interminável, é melhor acabar, porque sofro de saudades. Mas não sinto saudades de ter sido um dia, vejo o vazio com esperança, amor. Amor que me consome, mesmo já tendo morrido. Por que não morri antes desse vazio infinito por dentro de mim? Não dá para falar da vida, muda de alma, de amor, vejo no silêncio uma paz contida no depois. Depois, tudo volta a ser, menos a normalidade da vida.

A morte é a única coisa que não está oculta na mente

Tudo foi oculto pela morte, menos o pensar, que pensa pela morte. Nada vai perturbar minha alma, enquanto eu viver. Ao morrer, perco o controle da alma, até esquecer que tive alma, pela presença do céu, de Deus. Tive lembranças da morte, inesquecíveis, raras, lembranças mais vivas que as da vida. A voz perdida no amor é sem morte, sem faltas. Tudo é presença na voz perdida do amor. Passei tanto tempo morrendo, que minha única razão é morrer. Não sei o quanto morri, mas sei pelo que vivi. Se tudo fosse apenas morte, tudo teria sentido, e a morte não seria assustadora, seria comum. A febre da morte é a minha pele, a saúde da morte é a minha alma. Criar a morte da morte é fragilizar a morte no que ela existe. As palavras consomem a morte, mas não pela fragilidade, pela força de morrer. Morrer é cada palavra não dita, não sentida. Devem existir palavras para morrer, senão a morte seria inútil.

Extremidade

Um ser dentro de outro ser é ausência absoluta. Mas, até a ausência absoluta não é ausência de tudo. O que é intocável na alma é o ser. Não há ser dentro de mim. É mais fácil morrer em ser, deixando o ser para a vida. Apenas meus sonhos te veem, como se eu tivesse alma. Me entregar ao nada, ser feliz, como se tudo fosse o nada. Lutar é não ter forças para reagir sem lutar. Sou frágil no que me fortalece. O amor não consegue imitar o ser. O ser é superior ao amor em suas ausências. São tantas ausências por viver, que o sol se destaca na imensidão do infinito. O sol, sem amor, sua luz não faz ver o amor, talvez o amor não possa ser visto como amor, o vejo como vida. Eu tentei acreditar na esperança, mesmo sendo falsa, ainda é esperança. O abismo é a esperança. Cair dentro da esperança é ser esquecida como esperança. Não há lembrança que dure como esperança. A esperança é o nada sem o sol. A realidade da alma é vazia, a plenitude é vazia, é apenas uma imagem que não se perde, mas nada significa para a vida.