Blog da Liz de Sá Cavalcante

Ausências a se realizarem

A ausência da vida é a vida do meu corpo. Ausências que não se realizam deixam de ser vida, tornam-se nós duas. Duas ausências, numa dor de morte. Não conseguem sofrer juntas. Nada se vive sem ausência. A ausência tem razões que a ausência desconhece. Se a lembrança é uma ausência perdida dentro de mim, melhor não lembrar, para que a ausência não se sinta perdida em mim.

Quando sinto o sonho, a realidade aparece

Vidas emprestadas pela inacessibilidade da alma. A alma é o espanto de um vazio. Fui derrotada pelo amor. A vitória dói por dentro, como um sentir que se desprende da vida, do amor, para se sentir. O sentir existe no vazio do amor. Decorar a vida com o ser, verdadeiro ser, que não se encontra em alguém, encontra-se em ninguém, como sendo além da vida, do amor, do ser. O que posso escrever que seja como o voar de um sentimento, que não tem aonde ir, além dos meus caminhos, minhas ideias? Tudo desaparece na ideia de ser, como um sentimento que dura eternamente, como sendo o último sol, a última vida, para que tudo seja apenas o sentimento que desce como alma no meu amor.

Recuo ao infinito

Tentei amar sem o infinito recuando no que sou. Recuar é a falta do nada. Estou tão feliz em amar, que amo até a falta de amor, mas não aceito a distância da vida, perto, mesmo sem amor. A distância destrói a alma, não o amor. Para amar, tem que querer amar. Amor pode ser um adeus à vida. O amor é o que eu quiser. O silêncio recolhe a morte do amor, torna-a sombras do nada. O amor, reconhecimento eterno de depois, onde a sombra do nada é a única realidade de que necessito para viver. Não há sombras do nada sem a morte. Fazer da sombra do nada vida é um recuo ao infinito. Mas não posso recuar no que sou. Ser é sem infinito, sem esperança, mas me faz tão feliz, que, sufocada de alegria, vi que posso resistir a viver, ser a esperança de viver é melhor do que viver. Esperança não é vida, mas me cura da vida. Amor é deixar de viver, pela esperança de algo mais, pode ser o futuro, pode ser amor, pode ser o nada, que a vida não pode me oferecer, nem mesmo me amando. O que seria do amor sem o nada? E se eu for esse nada a amar? Não importa, importa apenas a alegria, que ela não seja o infinito da solidão. Tento me ver no meu amor, vejo a solidão me sorrir, sendo companhia eterna. Não consigo sorrir, a solidão sorri por ela e por mim, é por isso que a vida parece infinita. Vivo para uma vida que morreu. Foi aí que percebi que palavras são apenas palavras, eu sou apenas eu. Pensei que tinha recuado, mas continuei, sendo o infinito de todos que amo. Talvez isto seja viver: continuar. Sendo nós mesmos, estamos continuando, perdendo tudo neste continuar, que nos deixa puros para saber que Deus existe, é por isso que continuamos.

Vidas que respiram

Existo fora de mim, não me falta o amor, mas, quando olho para mim, vejo apenas amor. Morri, por ser mais que a vida; por essa superação, a vida ficou sem mundo. Respirar, canção que não se escuta. Se eu não sentir meu respirar, é porque estou vivendo.

Minha alma cessa na tua alma

Tua alma não sabe da minha, mas vive por mim? Tua alma, expressão da minha morte. A eternidade não tem alma, tem morte. Tudo cessa, menos a união de mundos e almas. Como, então, estou separada da tua alma? Eu prefiro sorrir a ter alma; alma se tem sempre, sorrir somente se tem uma única vez. Precisa ser assim, tem que ser especial, como sendo o respirar da alma, pousando na vida, para que eu não seja só.

A alma é sempre mais

Nunca consegui agir por mim, sair das asas protetoras da morte. Eu me fiz só sem morrer, a alma é sempre mais do que alma, é resignação da vida, que toma conta da alma. A alma existe apenas pela vida. Alcancei o céu sem minha alma, isso não me deixou sem alma. O céu é um pedaço da alma. A imagem do amor irá se destacar da vida, será a imagem dos meus olhos que a vida verá quando existir. Mesmo assim, a vida falta aos meus olhos, como tu faltas em mim. Pela falta de ti, protegi-me da vida que ainda existe em ti, saudade, não podemos recomeçar, mas, mesmo sem nós, conseguimos viver a vida, pois a alma é sempre mais do que nós duas. Não sinto falta do que não vivi, sinto falta de me amar, quando tudo não se esquece por amor. O amor é a existência na forma de alma.

Bruscamente (sem aviso)

Parte da minha saudade é ausência, parte da minha saudade é plenitude. Para expressar o inessencial, tenho que morrer? E se o inessencial for o melhor de mim, que amei bruscamente e só? O morrer faz falta? O que há em mim que não me deixei morrer? Estou viva num corpo de morte? Morrer do princípio ao fim ressuscita a vida no que não está perdido, a vida viveu no perdido de nós. Nada mais está perdido, a vida se encontrou nos meus achados de achar algo no perdido. Correspondi ao teu adeus, sem o silêncio da alma. Há o que dizer nesse adeus, mas não há o que dizer sem adeus. Quando não houver mais estrelas no céu, é porque não há mais ausência no adeus. O amor é ausente da minha ausência. A ausência é apenas o vento se apertando no sol, essa angústia é viver. A ausência faz a alma viver comigo. Não sei se é pela ausência ou por mim que a alma ficou em mim, ela está em mim, sinto-a como perda de mim, mas esta perda não me deixa só, tudo, todos me deixam só, apenas a perda me faz companhia, mas a alma não me perdeu, apenas eu a perdi no teu sorrir.

Inexpugnável (que não se apodera pela força)

Não à força da vida, o amor da vida vai me recuperar sem usar a força, a razão da vida é sua fragilidade. Possuo o tempo sem mim, não possuo o amor sem mim. Deixe-me aos poucos, e sentirei seu deixar no meu abandono. Se juntas tivéssemos o mesmo coração, seríamos divididas, fomos separadas com nosso amor. O vazio se esclareceu de amor. É encantador viver sem coração, sem alma, que não deixavam a vida despertar em mim, como um sol a sorrir. Um sol sorrindo, cantando as lágrimas da vida com uma alegria inexplicável, por ser fácil cantar em viver. Emociono-me cantando sem cantar, como um rompimento silencioso, com o silêncio, com o sentir, que era apenas silêncio, era apenas a falta de mim! No silêncio das palavras, fiz as pazes comigo na falta de mim. O silêncio é um ser dentro do meu ser. Faltou silêncio no não ser, que se diz palavras, consegue apenas me amar, para que a vida não termine em não ser, seja mais do que ser: seja pura solidão.

Por que ser eu é tão vazio?

Não é porque nada me acontece que o amor não acontece, que sou vazia, sou vazia: é minha essência. Não deixei espaço para mim no vazio, morrer, comigo sendo o infinito do vazio. A tristeza da ausência é o ser, mas o ser é feliz com a ausência. Tudo é permitido na ausência, para se ausentar é preciso existir presença. Como a presença se tornou ausência? Pela luz do meu interior. Quando a falta era ausência, tudo era acessível. Não sei mais definir minha ausência dentro de mim. A ausência é a realidade feliz, é como voltar a ver, com olhos inocentes de tanto ver, de tanta ausência. Por que ser eu é tão vazio? Eu sei responder a mim: é que estou vivendo!

Sou para o outro para ser quem eu sou?

Lágrimas perdidas, soltas, abandonadas, fazendo a vida existir na dor. Pelo menos, a vida existe para se amar. O amor não tem argumentos e nos convence com alegrias. Meu comportamento é de quem morreu, antes de conhecer as pessoas, conheço ao menos os sentimentos das pessoas, sei como se sentem, mas não sei quem são, a solidão não deixa. Sinto-me revigorada, como uma solidão infinita. O fim da solidão é o fim do amor. Mas amo para depois ser só. O sol e a vida me protegem com a solidão. Não importa se a solidão é inexistente, sou só até em não existir solidão. A solidão é o meu corpo vivo, unido a mim. Não importa o quanto amo, sempre serei só, por isso a vida morre sem ser só. O morrer da vida é o outro em mim!