Blog da Liz de Sá Cavalcante

Quem sonha ama

Faz tempo o amanhecer. Estou só no amanhecer. No amanhecer, o amanhecer sem amanhecer é um sonho de eternidade. Vivo sem mim, assim como o amanhecer vive sem o sol. O sol se despede, como se amanhecesse sem o amanhecer. Essa despedida é a vida sem o sol, distante da distância, pela presença em busca do sol. O sol se despedaça sem distância. O sol próximo de si é uma luz na luz do ser. O sol não devia existir no céu, o sol era para ser quem ama. A existência do amor é sem o céu. Será que existe outra maneira de amar que seja no céu, que seja o céu? Quem sonha ama, como se o amor pudesse amanhecer.

A falta de profundidade no amor

No amor, a vida é um sonho, pois, mesmo sem morrer, amo a vida. O céu desabou no meu amor, para que eu fique em paz. Vivo apenas do que esqueço, somente assim faço parte da lembrança de viver. O amor é contradição, o ser não é contraditório, é o que é, com ou sem amor. O sonho desfaz a contradição do amor, que não é diferente do amor. Tenho tantas vidas, que sou feliz, como se a vida me pertencesse. Tudo pertence a uma solidão sem amor. A solidão de amor é se desprender da vida, a solidão sem amor necessita viver!

Os olhos sem o olhar

Os olhos sem o olhar é por onde surge a alma. Mas a alma já foi um olhar por onde vive a vida, num mundo que é puro olhar. Os olhos sem o olhar é o meu amor. Para que perceber as coisas pela existência? O olhar é inexistente, mas o percebo como existindo em mim, fazendo parte dos meus olhos, de mim. Os olhos, sem o olhar, fazem parte de um sonho, que ainda tem que se dividir com minha existência. Manter a essência do olhar na verdade é verdadeiro? É essência minha ou da verdade? A verdade poderia ser ainda mais verdadeira? O que é preciso para perceber a verdade do outro? A essência não pode ser verdade como os olhos sem o olhar são!

A morte é uma oração

Está tudo tão quieto, que não adianta morrer. Contemplo a vida sem a vida. O nada supera o nada, longe de todos e de ninguém, essa distância é a aparência do ser no nada. Não há nada para o nada. O nada se disfarça de ser. Ninguém inventou o nada, nem mesmo a dor. O nada se inventou na presença do tempo. Isolar-me é me encontrar onde quero ser encontrada. Escutar a morte na oração para ser sua essência, sua esperança, a esperar o silêncio do seu amor, que numa única voz eu disse: não sou só, tenho a morte para morrer.

O segredo do silêncio é o ser

Mesmo sem o silêncio, o ser é um segredo, nada continua pela continuação da vida. A única coisa que percebo da alma é que ela é o abandono do meu ser noutro ser. Nem mesmo o abandono compreende a solidão. O que o corpo e a alma não podem abraçar, o olhar abraça em braços infinitos, para o fim de abraçar, fim do amor. Há mais alma do que vida. Quero que a vida seja a alma que anseio ter. Há almas que são desencontros. O encontro com a alma não me faz escrever para existir, escrevo sem alma, sem sentir. Escrever é o oposto do amor. É a busca do amor que me faz escrever. A vida deixa saudades no que não existe, mais do que no que existe. Ter saudade é uma forma de inexistência, durando mais do que o infinito. Escrever é o único tempo que tenho para viver. Viver traz complexo de ser feliz. A ausência não pode se tornar o tempo em que vivi. E se o tempo for este agora? Dou tempo ao tempo de se refazer. A alma não é distante do real, é o real. A luz me observa, no meu ser inobservável, a luz me vê, logo não necessita a poesia de existir. Ela é o meu espelho sem me ver. A coragem de silenciar o que se sabe é o mesmo que dizer. Na fala ou no silêncio, o amor nunca se completa, nunca se compreende. Apenas a morte não é um segredo, mas sua objetividade é subjetiva. Todo objetivo no objetivo se dilui no amor diluído. A alma vence a vida. Tudo é exatidão, apenas a morte pode escrever minha vida. O que escrevo é mais real do que o real. A realidade não está em escrever, está no agir da escrita, que não alcanço. A vida existe mais dentro de mim do que na própria vida. Mas, a vida não existe por mim. Isso é confuso em minha alma, não no meu ser. No ser, vou vivendo o que não posso viver na alma, no amor!

A consciência sem conhecimento

A consciência sem conhecimento é o infinito de mim, restos sem os restos do amor, é o ser em mim, em qualquer resto, em qualquer lugar, qualquer amor, onde o infinito seja apenas o ficar da lua, pelas estrelas da solidão. O céu é o conhecimento eterno da lua. A lua invade o céu. Pelo céu, a lembrança se constrói só, sem o ser. Nada no ser é o céu, por isso o ser tem que morrer sem o céu. A consciência do céu transforma o mundo. Não há céu no céu, mas o céu continua sendo céu, e eu tento conquistar o céu. É uma pena o céu ser apenas morte. Não há céu na alma, no meu ser. Tudo que posso ser serei, como a nitidez do céu dentro de mim. Nem ao morrer esqueço o céu. A vida, a morte, é apenas olhar o céu, separar as estrelas do amor, do sonhável, que não é o sonho, é o amor. Sem amor, viveria em cada estrela que brilha só, como é impossível esquecer esta consciência feita de céu, onde não é preciso conhecimento, tudo sei pelo céu. Mas, enquanto não existe céu, vivo das minhas certezas, do meu amor, como se fosse o céu.

A fala da alma

Quando a alma fala, a vida silencia o que diz a alma nela. Eu falei pelos sonhos da alma, não sei falar dos meus próprios sonhos, como se os meus sonhos fossem os mesmos da vida. O amor que não tenho é a vida que possuo. Talvez, até minha alma seja vazia, sem mundo, no incomum do sofrer. Sofrer é o infinito de viver. Sonhos desvendam a alma, sem a ajuda da vida. O amor, às vezes, mesmo não sendo verdadeiro, existe, é como um dilaceramento na alma. A vida é falta de alma, que não é ausência de nada que justifique a falta de alma em viver. Se a vida soubesse que a amo, o que seria do meu amor? Será o amor nosso amor? Vim buscar minha alma, pois não tenho direito a ela. O medo de morrer continua depois de morrer.

O morrer da escuridão

Meu vazio não é apenas de mim, não é apenas vida, apenas morte, é morrer na escuridão. Sem mim, não me sinto vazia, sorrio sem o motivo alcançar o meu sorrir. O motivo de sorrir é o próprio sorrir. Livre a alma que se atormenta com o não, responde com um sim. O morrer na escuridão foi meu único sim. A dor do amor não é o que morreu em mim, mas é o que vive em mim. Choro e rio da morte em mim, há um morrer que não se guarda: o morrer interior. Que nada falte à vida, mas o que me falta neste arrependimento de existir. Mas, ainda existo como teu silêncio, que é onde fica a vida. O corpo, a alma, é uma maneira de me esquecer, ficar em mim, onde a alma é humana, e a vida é importante, pela alma do ser. O que dorme não é a ausência, a ausência é consciência. Tudo parece ser apenas consciência, mas a única consciência é a alma. A presença de mim precisa ser esquecida pela alma, como consciência da alma.

Pela essência da verdade

A morte nunca se afasta, está junto, perto. A morte é o que há de mais vivo em mim. A essência da verdade desaba no nada do saber. Quero tocar o intocável, para o meu corpo sem vida, que não sente, mas sinto nele a vida que ele perdeu por me sentir. Somos dois, sem nada sentir, rumo ao infinito perdido dos sonhos. Sou sonhável em mim, sou o sonho da poesia. No sonho da poesia, não há alma. O sonho, a alma, é a poesia. No sonho, troco de alma, tenho tantas almas e nenhuma poesia. A poesia é o fim da alma. O nascer nasce do nascer. Tantas mortes sem mim, por isso faço parte da morte, é pior do que morrer. No fundo da alma, a morte não existe mais. É muito pior o silêncio, que esconde a alma do mundo. A alma do silêncio é vazia, como se não existisse a fala, e eu me comunicasse apenas com o vento. Não dá para esconder o silêncio no tempo que se foi. Não dá para falar sobre as palavras, por isso a vida diminui, pelas palavras não ditas, que são apenas palavras. Há esperança de viver ou morrer.

Coloquei o amor entre a vida e o que sou para o amor

A ausência da alma me faz viver ainda mais. A alma sem alma é um sorrir infinito. O vazio define-me num sorriso, num olhar. Às vezes, me sinto mais leve que a alma, que o ar, que um suspiro. A bondade do vazio, de me fazer sentir algo além de mim, a vida, é ilusão da alma. O ser é presença da ausência, mas a ausência é o ser personificado. Mas, nada lembra o ser, apenas a presença que ele não tem lembra o ser, mas o ser não lembra de ter sido presença. A essência é o amor que nunca será resolvido. A morte se esgota sem o ser; mesmo sem o ser, ela é o infinito do ser, mas não há ser algum na morte, há o desejo de esquecer a morte, se aproximando dela. Nem a morte, nem o céu, nem a vida, nem a eternidade, podem ser o ser. O nada se apropria do ser, no tempo que o ser lhe deixou. O tempo do ser é o nada dado ao nada. Tudo se esclarece pelo nada do ser. Não há mais o nada, mas não há coisa alguma. Assim, a morte torna-se um ser. O ser ama no nada, sendo nada. Lamento a liberdade, como se não houvesse o nada para ser livre. Algo diferente do ser está no ser, sem violência, sem dor: é a existência do nada, que comanda vidas. Prefiro morrer no nada a morrer no meu ser. A lembrança do nada torna o nada vivo. Não tenho permissão de lembrar o nada. O nada somente é esquecido se o ser se fizer ser do nada. O nada é a existência do tudo que não se modifica. A alma é uma existência vazia, onde os sonhos se fazem por si mesmos. O nada é compreensão da vida. A alma faz da imagem do nada meu olhar, por isso não tenho medo do nada, ele não sou eu. Mas, o nada não pode me trazer de volta pelo meu ser, mas meu ser existe no nada, é o nada quando me vejo. Há muito a se amar no nada, é uma porta sempre aberta. A intenção do nada é que eu não me sinta vida, me sinta eu! A alma não se sente alma, se sente eu sem mim. A alma é a imagem real do ser, deixo meu olhar na alma de um adeus. Para viver acreditando na vida, preciso viver de alma. A alma ama por mim, num abraço irreal, onde o hoje acontece sem as lágrimas da alma. Alma, me mostra quem sou por ti, é uma maneira de não te esquecer. Vivi a alma errada, descobri a verdade do meu ser na alma do outro, mas que minha alma não seja mais errada em mim. O corpo se tornou um erro pelo ser. Apenas a alma cuida do corpo, por isso não há essência no corpo, há vida, amor, que não encontro na alma, por a alma cuidar do meu corpo.