Blog da Liz de Sá Cavalcante

A solidão de amar

O coração cheio de esperança, como se eu estivesse cheia de lágrimas, mas para a vida e a alma espremerem a dor como uma gota de orvalho a cair do céu. Estou esgotada, feliz, como se me viessem lágrimas de fora de mim, um exterior, um mundo, enclausurado para tirar o brilho do sol nos meus olhos, que dão razão a esta razão de amar, mais pleno, absoluto do que o céu. O céu não consegue ser só. A glória do meu amor me ilumina, arrebata-me, vai além de mim, do que posso ser. Arranca, retira, antes que eu possa morrer na inteireza de estar, que não é o céu, não sou eu, é o meu amor, que tem pressa da solidão de amar.

A vida é apenas um passeio

Varre a vida da terra, como semente plantada no chão. A alma desanima, rasga-se feito chão, feito palavras, feito amor. Amor são as contradições da vida, que saem de mim como vulcão em larva, em fogo que acende o desejo de não amar. De ser esquecida, como a terra, como o céu, que se assusta com a pureza do meu amor. Retornar é tornar-me o céu do meu amor, onde a terra se fortalece, o amor cresce sem morrer, sem eternidade. Meu amor fez a vida partir do teu silêncio. O silêncio domina a alma, nunca o ser. Cravei minha vida nesta terra, para que ela se lembre de mim, das minhas pisadas apressadas por viver, atolando o chão na terra e o meu coração no amor. Só necessitei de uma palavra para me ausentar para sempre, numa única palavra, num único sopro de mim: viver, viver, viver…

O que sonho?

O que sonho não é eterno, mas dura mais do que a vida. A noite clareia o amanhecer, como continuação do sonho. A ausência, ação invisível do tempo, pior do que morrer. Não percebo que envelheci na ausência, morte inesperada para mim, esperada pela alma. Morrer traz a morte para os meus sonhos, esqueço que eles foram a vida de alguém. Como me sinto desprezível em sonhos que não são meus. Quero ter meu próprio sonho: ser eterna. Se o sonho for apenas a solidão que sinto, nada mais será amor. Apenas a eternidade pode me acordar desse sonho, com a melodia de um “eu te amo”. Não basta escutar, eu preciso ser parte do que escuto, para o mundo se definir entre a vida e a morte, entre mim e os meus sonhos, que viveram antes de existir, para que eu viva. Sonhar comigo não é sonhar, é o fim que preciso seguir. O sonho não mais será essencial se eu sonhar por dentro de mim. Mesmo que eu deixe de ser, existir, sou, existo para mim no amor, é melhor que existir para alguém que não existe, é apenas um sonho distante, vazio, faz-me sentir falta da realidade. Será que a vida me aceita de novo? Daqui que ela decida, já terei morrido sem paz. Morri sonhando comigo, sem me sentir só.

Sonhar é saber

Sonhar é saber que não existe apenas vida, existe Deus. A perseverança de sonhar torna o sonho possível. Não posso morrer sem ser o sonho de alguém. Meu corpo não sonha comigo, vai além do sonho, além de mim. O transcender da fala é o nada, o vazio. A espera de uma estrela é cair do céu para dentro dos meus sonhos. Sonhar é saber despertar desse sonho que é a vida. O sonho de alguém me ama, como se sonhasse comigo. Nada se sonha, tudo se é. Por isso, não se pode amar. Apenas ser, mas sou o que sou, na esperança de amar. Talvez isso um dia, quem sabe, torne-se um sonho ou me faça sonhar.

A realidade de ouvir é um sonho acontecendo

Esse nada foi a sua ausência. Não há saudade de nós, há apenas saudade dessa ausência. Se a ausência pudesse ser eu, seria feliz? O tempo passou sem ausências, foi mórbido, doloroso como o nascer do sol, que não pode ser minha ausência. Meu sofrer não é ausência de você, é a vida entrando em mim, sem vestígios da sua ausência. Sua ausência existiu, você existiu, ou foi apenas ilusão do meu vazio. Meu vazio pode ver você, eu não. Quando vejo você, não sei de mim, nem dessa ausência, quero apenas ficar perto do sofrer, mesmo sem sofrer, sem nada sentir. Não senti que, além de me perder, perdi minha alma, mas isso não me aproxima de você. A realidade de ouvir você é um sonho acontecendo que não sonhei, estava distante, encontrando-me, distraída de mim, da poesia do mar afastando minha poesia. Deixando-me à margem de tudo que deveria viver, não mais pela poesia, mas por mim. A falta de notícias da minha ausência demonstra que ela está bem sem mim, quem sabe ela fique com você noutra vida, onde a ausência tem uma vida com você. Quem sabe assim, de uma vez por todas, eu perceba que você está viva, tão viva que afastou a minha ausência de mim, dos meus sonhos, mas não me afastou de mim.

A morte não é um adeus, a vida é um adeus a mim

A lembrança é a eternidade da alma, na falta de alma. A alma é por onde posso escolher quem sou. O sofrer, fim da alma, começo de eternidade. A lembrança dura na morte, é o fim da eternidade.

Começar a viver pela morte

A morte, motivo para viver. Não se vive o sempre, nem morte, a morte tem fim. Nada restou da alma, ficou nem mesmo o silêncio. Se houvesse silêncio, haveria alma. A alma do silêncio é a minha existência. A vida me matou antes da morte. A morte são palavras por dizer. Não falo pelas palavras, falo por mim. Falo, como se o instante fosse as palavras, e o amor, apenas palavras. A alma não tem família, não tem lugar para ficar, nem pode amar outra alma, tem apenas fé na morte, dessa fé morrerá.

A fé da morte

Não vejo mais imagem, não há nem mais saudade, por isso tenho fé na morte. Pela falta da tua imagem, tristeza, lembrei-me da minha imagem, que é falta de alma, falta que traz de volta a fé na morte. Nunca a perdi, apenas tornou-se alma. Sem imagem, a vida aparece. A fé é morrer.

Como se essencializa a verdade do ser?

Ajudar a vida prejudica a essência sem verdade. A essência tem que encontrar a sua verdade, longe de viver. Viver não é essência, é o fim da essência, que me invade num amor sem fim. Tenho que deixar a vida pela essência perdida. Eu não me perdi sem essência. É difícil amar quando estou para morrer na essência que não tive. Tive mais do que essência, tive a minha morte toda para mim. Como posso não ser feliz?

Superando meu ser em mim

Há tanto para esquecer vivendo, que quero morrer, sem o transcender eterno. Sem ir além do transcender, que é apenas ir além. As coisas, a vida, o amor, não precisam existir para me ver morrer. Nada seria sem poesia, que afasta a morte na existência da morte.