Blog da Liz de Sá Cavalcante

Guerra e paz

Amor é guerra de desistência. Lutar por mim, no que desistir por amor, essa é a minha guerra interior de paz. Guerra e paz, e despreparar a alma para a vida. A vida não é guerra e paz, ela é o ser. A tristeza acaba, sem guerra e sem paz. Deixa-me beber a morte, sem o gosto da água do meu amor. Fico feliz, por perder a alma, em encontrar o céu como sou: frágil, sem alma, em mim. O céu, sem minha alma, é plenitude de viver. Minha alma cessa o céu no meu aparecer. Meu aparecer é ser. O céu das mãos é o tocar invisível de ser, como uma poesia, intocada na alma. O tempo é a guerra da alma. Perder a alma, o ser, a vida, pela poesia é amor. Amor que não se preocupa em ser, em viver. A alma se vê; não me vejo em mim, nem mesmo com a alma me dando motivos para me ver. Tudo desaparece por ser visto. Dou voltas em mim, à procura do meu ser, como se a única saída fosse ser. A vida é a falta de mim; se eu cessar a falta, cessa a vida. A monotonia é uma ilusão. Ninguém consegue amar da mesma maneira sempre, ser sempre o mesmo ser. As coisas, o amor, são sempre o mesmo, muda o que sentimos por eles. Ainda há almas que se sentem, sorriso que me consola, sem me amar. Percebo que amo por nós duas. Não percebo que morri, fui puro espírito sem espírito. Guerra e paz acalmam-me de morrer. Enfim, eu!

A alma vive só em seu sofrer

Eu sofro junto da poesia, a alma não tem ninguém. O silêncio, aparência da alma. Esperar a aparência da alma desaparecer na solidão de um olhar. É como se o olhar da solidão fosse a aparência de uma aparência. A alma existe apenas em si mesma. A lembrança é a falta da vida, que não pode ser uma lembrança. A vida do amanhã nunca será a minha vida. A alma não tem morte, vida, é como uma brisa. Nada é passageiro, tudo permanece pela alma, quando a alma desaparece. A permanência tornando-se alma, para desaparecer como alma, não conseguiu desaparecer. A permanência da alma é frágil para desaparecer. O tempo determina o nada de ser.

A sinceridade da perda

Morrer é força, que se arrebenta na própria força. Sentir falta de morrer é como ter sol no abismo de mim. Nascer do morrer é a eternidade. Há eternidade nos olhos de quem não vê, mas sente. Sente tanto, é como se visse além da eternidade e, vendo Deus, vê que a única eternidade é Deus. O que seria da eternidade de Deus sem Deus? Seria algo banalizado, em vão. A eternidade nunca quis Deus, mas Deus é eternidade, mesmo sem a eternidade. Eternidade, diga-me quem é, dir-lhe-ei amor.

Sinto tua ausência sem o meu interior

A ausência é benéfica sem o meu interior. Interior que não é ser. O interior não necessita do exterior. O nada não sobrevive ao tempo que passou, mas convive bem com o agora. Perder-me em pensamentos cessaria o sofrer pelo pensar. O amor aconteceu sem ausências, vida. Espero pela falta de mim como ausência. Não sinto minha falta na ausência, sinto que a ausência falta a si mesma, sendo o que foi perdido sem mim. Sem mim, não há ausências. Mas não sou ausência de mim, sou ausência para mim, ninguém pode ser essa ausência por mim. Para a ausência significar algo, tem que deixar de ser um ser. Sinto tua ausência sem o meu interior, sem o nada em mim. O nada no nada nunca estará perdido enquanto eu não conseguir sofrer.

Catarse (liberação das emoções reprimidas)

Deixo minha emoção para a morte, que é subjetiva a mim. O deslizar sem emoção tornou-se um mar de amor onde perco a mim, para não perder essa falta de emoção, de amor. Se perco, é porque tenho algo, alguém, que precisa estar perdida: assim, faço uma catarse na alma. A alma não acolhe com abraços, suas palavras vão além de um abraço, além de ser. Minhas palavras se explicam, as palavras da alma amam tudo que se diz sem palavras, isola o abraço do amor pelo chorar. O sofrer parece eterno, como uma folha que cai da árvore. O sono de viver torna a presença possível, como se fosse o último sol a clarear meu coração com gotas de amor. O reconhecimento, a clausura, é a catarse da alma, isenta do ser. Há tantos abraços que poderiam ser o amor. Tive que me adivinhar sem amor. Estou emendada na morte, como sendo algo superior e até irrecuperável. Não recuperei a morte, mas recuperei a paz, que existe sem morte, foi como ver a luz do amanhã.

Desgarramento da consciência (separação)

Separei a consciência do que sou, não de mim. A consciência não me deixa ser, existir, é minha inimiga, sou refém do que não amo. Se não amo o amor, necessito-o? Amor é um vício de ser, que domina a alma, torna-a impura. Impura, como se fizesse o sol nascer. Nada nasce, queima-se sem o sol. Não há sol nas lembranças, mas há alegrias nelas. Eu confio no amor, como se fosse o sol a chorar. Chora, sol, não é o único sol que chora, há também o sol do meu sofrer. Nada é feliz, o amanhecer não é feliz, compreendo a sua tristeza na minha. Mas, sem minha tristeza, compreenderia você?! Amanhecer, você é tão sagrado, que é triste. Sou triste por vê-lo me vendo. Você, amanhecer, é a certeza de que existo no amanhecer mais sublime, parado como uma lagoa nostálgica. O céu não é o amanhecer. Amanhecer é viver, mesmo que anoiteça. Apenas o amanhecer cuida da noite, como de um filho. A consciência é o sol, a chuva, o vento, a tempestade. Aos poucos, perco a memória do amor, como um mar que não seca. A distância aproxima a lembrança da vida. Eu esperaria uma vida inteira para sofrer tudo de novo, apenas assim me sentiria viva.

Segregar a vida com a morte (desunir)

Como desunir a vida e a morte? Se Deus as uniu, ninguém separa. Nasceram como um corte, morrendo como sangue. O ser e o nada são uma maneira de não morrer em mim. A morte também se acaba, vira cinzas. Cinzas do que não cessou na morte. A morte é a lembrança de depois, que vive no meu pensar. Espero que a lembrança me faça esquecer de mim. Que eu seja apenas uma lembrança. Ser uma lembrança é melhor do que ser. A morte preenche a vida, esvaziando-me da vida.

Como nasceu o amor sem o ser?

O amor não poderia ser diferente da falta de amor. Tudo flui sem amor, como se a alma estivesse farta de amar. Saciada, cansada do amor que não ama. Tudo nasce sem o amor. Nada se pode negar do existir, nem mesmo a morte. O ser não é mais ainda ser do que o respirar do nada. Quando meu ser respirar o nada que existe dentro de mim, serei escrava desse respirar, que se amontoa em ausências desesperadas para respirar o nada, que nunca poderá respirar o nada. Eu fui o seu nada. Queria eu mesma ferir o meu amor, não você. Apaixonei-me pelo meu amor ferido, não por mim. Mas, quando meu amor foi descoberto sem ser ferido, deixei de amar.

A liberdade não é um sentimento

A vida, sem partir, não é vida, é liberdade de um sentimento que não devia existir. Eu sou a vida de todo sentimento, sou o amor que silencia o silêncio, sou tua paz, teu tormento. Sou o tempo que resta de vida, sem minha poesia. Sou o canto silencioso da morte. Sou teu coração, vida, a querer viver como eu. Silêncio não é paz, mas é o meu silêncio, minha paz, que fala, clama mais alto o meu amor. Apenas não sou a fala da morte, por isso suspiro eternamente por mim, sem me imaginar mais falar, por isso suspiro, eternamente só. Mas meu suspirar são lembranças sem fala, que ressuscitei ainda a dizer apenas eu. Essas lembranças inexistentes, fantasmas que rondam, como se tivessem existido. Por isto existo: por nada.

Sou diferente do preenchimento

Sou diferente do preenchimento, do que queria me tornar. Sou indiferente ao que preenche, até o preenchimento me fere. Tudo me fere, a presença da vida me mataria. Vou continuar sendo eu, por mais que isso me custe a mim. O que seria sua presença em tamanho abandono? Seu abandono, alma que permanece em mim. Não sei como é lindo lá fora. Lá fora não é o mundo, a vida. Lá fora é apenas sol. Eu dei minha luz para o sol beber na sua luz a minha luz.