Blog da Liz de Sá Cavalcante

A vida da vida

Comecei a viver na morte, como um pássaro que voou. Voar é não encontrar a ausência de destino em morrer. A vida regenera a morte. Um dia, vi que podia ter vivido, não viverei jamais, não vou me arrepender. O sol são mãos, gestos, que se soltam da vida. A vida não precisa buscar o sol, ela é o sol verdadeiro. Amei pelo céu, pelas estrelas, pelo sol e pela lua. Não sei onde eu estou, ficamos dentro de um rosto, onde minha fisionomia é a falta de um rosto. Como podem me conhecer apenas pelo rosto? A vida ficará melhor sem mim. O rosto é sem tempo, por isso muda. Destruí-me sem morrer; na morte, não há destruição. Destruição é amar. Você, alma, foi embora antes de entrar na minha vida. Não matei a vida, matei o que eu imaginava ser a vida, mas não matei a vida. Eu me confundo com a normalidade da vida, escuto seu coração bater, não o meu. Nada afeta o sol, se ele tem estrelas para descansar nas nuvens. Minha vida vai continuar como nuvem em busca do sol. O sol de ouvir alguém sem nuvens, flutuar nas nuvens, até alguém ser minha nuvem em busca do seu sol. O início da minha vida imaginária é sem o sol, sem o nada, sem o vazio. Por isso, nada consigo pensar, é como se houvesse o tudo e eu o deixasse pelo vazio. Consigo ver, nada é maior do que esquecimento. O mundo lá fora é apenas esquecer o que não existe: o mundo. A vida da vida é apenas esquecer você. Não consigo nem mesmo morrer. É a paz que vem de mim esta vida. Vida, não esquecerei você de novo.

Conhecer o nada

Conheço o nada quando meu ser transpira esse nada. A morte são meus olhos, por dentro de mim. O amor do nada penetra na alma. A finitude, como o tempo total, absoluto. O amor de cada um é a morte se vendo no espelho da alma.

O amor é mais vida do que morte?

Abraça-me, como se eu tivesse vida e pudesse amar. Se eu pudesse te amar, nada mudaria na minha vida, nem entre nós. A vida ergue a morte pelo caminhar eterno da morte, onde o caminho é apenas calma, silêncio, fé. Perder-me do caminho é achar que não há caminhos, e, mesmo assim, caminhar, como se o vento me derrubasse pela sua leveza de ser. Se eu morresse, não poderia mais caminhar, mas o vento continua a brincar comigo, derrubando o nada de mim. Quando o vento se tornar minha morte, eu serei a sombra do nada a afastar a morte, aproximando-me da realidade. Nada restou da morte, nem mesmo a realidade de morrer.

Enrijecimento da alma (endurecimento)

O amolecer endurece a alma. Não há nada a fazer sobre o saber da alma: única realidade entre mim e eu. Ninguém sai de dentro da alma para o mundo. A alma não é do ser, mas o ser está dentro dela, como sendo o último deserto de amor. O finito é o infinito de mim. O finito e o infinito nada podem com a vida. O infinito é o fim da vida, da alma, pelo finito que não quer viver como o infinito, quer apenas ser feliz!

Não desisto das pessoas, nem mesmo pela morte

Não sou igual à morte, por isso não desisto das pessoas nem pela morte. Não preciso nascer, existir, mas é preciso ter identidade para morrer. Olhos nos olhos é morrer como alma.

Alma na alma

A pureza do nada é tudo para mim. A alma não tem a pureza do nada, não é feliz como eu sou. Meu olhar sem o interior é alma na alma.

Almejar (desejar com ânsia)

O ser e o nada são uma maneira de esconder o amor na sua visibilidade. Amar é a eternidade da poesia, no ser e no nada. Desejo que o meu ser e o nada sejam poesia, mesmo sem eternidade. A eternidade não precisa de eternidade, e sim de solidão. Não há solidão na eternidade. A ansiedade da eternidade é a calma de Deus. Deus, em troca da minha eternidade de ser.

O luto do nada pela morte da vida

A vida não morreu como tinha que morrer: como o fim de uma lembrança, que me traz de volta ao mundo. Há almas que não se procuram e se encontram. Outras se procuram tanto que não se encontram. Nada se entrega à alma. Deus é mais do que alma, é amor. O luto do nada na vida é o meu infinito particular. Sou invisível para minha alma, mas não sou invisível na alma. Tudo desaparece sem as minhas cinzas, como se elas fossem feitas de alma. Antes que eu me despeça da morte, prefiro morrer, não para mim, mas para a morte. Apenas a morte me faz ver a vida com amor. A alma queima por dentro de mim. Nada ficou no lugar da morte, que, impassível, quis mesmo ser esquecida. Eu sou tão esquecida o quanto amo. Amo para não ser esquecida? Não! Amo para superar minhas perdas, superar-me de mim, ser uma pessoa melhor. Onde há vida, há esperança. Não a deixo inexistente. Cultivo minha esperança, como se eu tivesse a eternidade para ser feliz.

Debilitada de alma

Há muitas coisas perdidas na saudade da alma, pior do que dormir. A alma é apenas saudade. O inseguro não me deixa triste. O seguro me faz ver você, onde não sei onde está você em ser você. Como pode ser você sem me amar? Respire, não há nada, por isso não se preocupe com o que devia existir, concentre-se no seu respirar. Minha alma me faz respirar sem a minha tristeza. O tempo é a tristeza do mar, que se perde em voltar. Nada pode existir antes de ser triste. A tristeza não se reconcilia com o nada. Respirar me faz sentir o nada sem sofrer. Nada me faltou em sofrer. Sofrer, única consciência possível. O mar, consciência do nada absoluto. Por que o mar não sonha? É pela vida do respirar que alcanço o céu. A vida do respirar se aproxima da minha vida. A vida é a consciência de mim como sou. Vou levar de você o seu desaparecer. Vida, seu desaparecer é a minha vida. Não esqueço o desaparecer, assim como não me esqueço de mim. Volto a desaparecer como quem nasce. Nasci do desaparecer, sem uma única lágrima. O destino queria desaparecer comigo, não conseguiu. Meu destino é o meu olhar perdido.

Inverno da primavera

A dor da influência do nada é o inverno da primavera. É melhor dar o pouco de vida que tenho do que não ser vida de ninguém! O abraço foge da alma, pois está vivo na alma da vida. Alma, não tens saudade de mim, amor por mim? Eu vou aceitar tua vida como minha vida, até que tu, alma, separes-nos. Estou na alma, mas não tenho alma. O sofrer da alma cessará com minha morte. Morte, fizeste-me morrer sem alma, sem esquecimento, ficando apenas a lembrança do vazio, num abismo sem fim, onde consigo te esquecer.