Blog da Liz de Sá Cavalcante

Cobrindo-me de lágrimas

Expus a mim me cobrindo. Cobrindo-me de lágrimas, para proteger meu corpo da morte, onde não há vestígios de adeus. É tanto adeus, que é preciso voltar à realidade da vida, para morrer. Cobrindo-me de lágrimas, meu corpo é o amor infinito da alma. A alma não é a falta do corpo, é ter um corpo na alma. A falta da alma no corpo é a vida a acontecer pelo corpo, ou pela alma, a vida é grata por existir em mim, é mais essencial que existir apenas por si. As lágrimas cobrem o meu corpo, nunca a alma. A lágrima é onde o silêncio é incompreendido. O silêncio não pode ser apenas lágrimas. Apenas a pele não sente minha ausência, a pele é minha única presença em mim. Não há presença além da pele do teu respirar, do meu abandono pela presença da pele, despossuída do corpo. Corpo não é pele. Pele são as sensações do ser, distante do corpo. O ser nega as sensações do ser, mas não nega que esse ser sou eu. Incorporo a falta de um corpo, como sendo um pedaço de mim que me vê de longe, no que já se foi, por isso amanhece em mim. Na falta de sonhos, escrevo. Transcender é melhor do que sonhar. Os vestígios da morte escondem o corpo da falta de corpo. Assim a alma se rasga, sem morte, sem dor, pela presença eterna da alegria.

A vida é superficial

A vida não tem profundidade, mas não tem a superficialidade de ser, mas tem a superficialidade da vida, sem a vivência do concreto, que é a única profundidade. O amor tem a alma distante do ser, no céu! Não quero que o amor seja minha morte. A morte me impede de morrer, sem suspirar por mim. Se ela me suspirasse, seria eterna num suspiro. O tempo está se distanciando de Deus. A vida tem a força de Deus, me torna frágil. A vida não tem a eternidade do real. O eterno não consegue ser eterno sem a vida. Mas, o eterno fui eu um dia. Mesmo sem a poesia, descobri a eternidade em mim, como sombra da minha ausência. Esqueço o corpo do esquecimento num ser infinito. Mas, o infinito também é lembrança do esquecer. A vida se fechando em plenitude sem alma, apenas o ser pode dar sua alma à plenitude. Quero sair de mim, ser pela alma: sozinha, a alma não me deixou sair de mim nela. O silêncio sabe ter alma. O silêncio fez da alma poesia. Não quero que a alma me veja morrer, como as pessoas verão. Quero que o silêncio feche os olhos da alma, para me verem morrer neste sempre, que não acaba, é minha morte, minha vida, onde consigo dizer eu para mim.

O ser é como parece?

A vida é o limite do corpo. A morte torna o corpo ele mesmo. É preciso morrer para ter um corpo? O corpo da alma é Deus. O espírito de Deus é a vida a cessar a vida, para darmos valor à vida. Nem a vida acaba com a vida. A vida termina ao encontrar Deus. Não se pode falar de ser, sem falar de Deus. O pensar é a abstração da vida, na concretude do mundo, que recolhe as cinzas da morte, para fazer delas um mundo. Um mundo sem cinzas não é um mundo. Recolho o mundo sem cinzas. Cinzas é tudo que é amor. O amor são cinzas das cinzas. Mas nada foi esquecido ou lembrado como cinzas, por isso é difícil continuar a ser.

Meu coração se foi sem solidão

Meu coração se foi no amor que sente, para não ir sem solidão. Nada me falta em ser só, é por onde tenho certeza de pensar, amar. Vida, se eu te perder mais do que já te perdi, nem morrer vale a pena. Eu te encontro no que te perdi, nada mais será o mesmo, nem o fim, que deve à morte sua vida, que não é a minha. Vida, te liberta de mim, para que eu possa viver nas cinzas do nada.

O espelho se vê

A imagem não se reflete no espelho, o espelho torna-se o ser. O espelho fica inexato, é apenas um ser, não é mais nada. Não se vê como espelho, não se vê como ser. Se vê apenas como imagem. O tempo do espelho é nulo, por isso ele se vê melhor do que eu. No espelho, a vida não é nesse nada, é a espera de um adeus. Se o espelho quebrar, a imagem se recupera num único adeus. A perda do espelho na imagem, onde o espelho não morre, se tornou o amor dessa imagem, onde o adeus é apenas uma imagem vazia.

Pelo céu, deixo de morrer

A consciência começa no meu corpo, termina no meu ser! Por isso, a alma nunca será consciência de nada, mas é por ela que não consigo me sentir. A alma é um jeito de morrer em paz. O que quer que morra em mim nunca será eu! Viver o que não dá para viver é ressuscitar a morte, morrer infinitamente, para, assim, conseguir viver um pouco! Pelo céu, deixo de morrer, como se fosse lembrança eterna de você! Pelo céu, ainda não morri, embora já tenha morrido. Dessa mistura com o céu, nasceu a poesia, num tempo que não faz viver, nem faz morrer, mas que me faz pertencer ao que sinto, onde o tempo não dura: ele não pode sentir, mas a mim ele não controla. A vida é muito mais do que viver ou morrer, é poesia!

Dá para amar apenas o amor?

Existe amor sem fala, mas não existe amor sem poesia. O respirar sem respirar é o infinito do amor. É preciso morrer por amor. Mesmo não tendo a quem amar, morri por amor. Lembrei que amar não é ter alguém, amar é ser só. Só como se as estrelas se fizessem em mim, sendo o meu sonhar. Mas a imensidão do meu infinito é sem estrelas. Alma, tome conta do meu corpo, mesmo sem ele ser seu! Faça-o sentir como você se sente. E então, o respirar será frágil, finito, será amor!

A dor de sonhar

A dor de sonhar é o único amor existente em mim. Afundar no nada é encontrar a superfície do meu sentir. Minha única realidade é o meu ser, nada seria nada se houvesse ser. O nada é apenas uma esperança inútil de ser. Não há esperança para a esperança. A dor de sonhar é uma dor vital. O mundo sonha com a vida, a vida se torna o sonho do mundo, já que não pode ser a vida do mundo. A falta de mim é o meu ser. Vale a pena sofrer a falta, se ela nada significa ao sofrer? O que faz sofrer o nada é a minha esperança? O nada é eterno, eu não sou. Tudo vive pelo nada. Não quero a eternidade do nada, mesmo que isso me faça existir.

Alma

Como posso querer algo mais do que ter alma? A alma não me ensina quem sou, mas me faz me sentir exterior a mim. A alma não se tornou alma como certeza de si, de que é seguro ser alma. A sinceridade é uma dor, um abismo sem fim. Quando sonhava meus sonhos, eu não mais existia, mas sonhar comigo é melhor que existir. Vida, eu sonhava teus sonhos sem ti. O fim não é conquista da alma, é conquista apenas do fim. O fim é a certeza de não morrer. Vivo pela morte. Vida, a única lembrança que tenho de ti é minha alma, meu ser é apenas onde te esqueço. O medo de a alma me perder, sou eu a viver. O deslizar da alma se perde em viver. Meu ser me ensina a ser, sem mim. Tudo perdi em ser. O nada é algo que foi perdido dentro de outro ser, que é apenas eu. Existo apenas no vazio de mim, que não se importa com o que sonho, mas, sim, se eu sonho. Aprofundar o nada não é sonhar. Sonhar é deixar de ser eu, ser apenas um ser, que existe por mim, que devia ser eu, não estou ausente, sou apenas eu, sem ausências. A ausência é outro ser em mim. Apenas a ausência me desperta. Mesmo assim, sou um despertar sem ausências. A alegria é ausência da alma. Tudo na ausência é verdadeiro. A ausência é recuperar o tempo. Não há tempo na presença. A única coisa verdadeira na presença é a ausência. Nem a presença, nem a ausência, é o ser. Ser é ser apenas livre, sem ausência, sem presença. Talvez, nem a vida seja presença de nada. Não existe presença, nem mesmo na morte. O nada é a presença de alguém, mas não é presença da presença. Não é preciso ir longe para ter uma presença. A presença está em todo lugar, por isso não existe. É fácil existir sem a presença. Se a presença se tornar ausência, não há mais vida. A reconciliação com o nada não faz a vida existir. A existência não é a vida, não é o ser. A existência é mais pura que o ar. O ar supre a existência que faltava em mim.

O pavor do silêncio na fala

A fala é o medo, o pavor do silêncio. O silêncio é infinito na fala. Amo, pois o instante vive, não é a vida, mas é por onde consigo amar. O desespero é o começo de viver, que pode nunca se tornar feliz. A solidão fala para ninguém, eu falo ao menos comigo, em mim. O falar é eterno. O desapego da fala é a alma. Não há eternidade sem alma. O tempo é indefinido pelo olhar que lhe damos, se define infinito, sem um único olhar. A alma deixa o tempo escorregadio, como se algo pudesse fluir no tempo, como eternidade. A eternidade, sem tempo, tem em si apenas a maneira como olhei para o tempo, para lembrar da minha eternidade. Sou eterna em viver, em morrer, em ser quem sou. No fim do silêncio, cresce minha dor. Sofro por me ouvir, quebrando o silêncio, amortecendo o amor. Nem pelo silêncio, consigo ser minha alma. Eternidades partem por ficar, o ser continua o mesmo sem a eternidade. A eternidade é uma maneira de chegar ao ser. O ser é refém da eternidade, mas o ser não existe na eternidade, por isso é eterno no nada, no vazio, mas não é eterno nele mesmo. Meu eu no ser eterno, talvez somente assim eu possa amar, pela eternidade que se foi.