Blog da Liz de Sá Cavalcante

Tudo pelo nada

Nada perdi do que foi perda. O que é perdido, posso recuperar, o que tenho é a ilusão de ter. O nada não esvazia o amor, por mais perdido que o amor seja, ele pode ser apenas o que é. Tudo faltou ao amor para ser, mas ele é. Esse é é um vazio sem vazio. O infinito não é vazio, mas ele é infinito sem o vazio. No vazio, ele é o fim do vazio. A criatividade do infinito é o fim do infinito, que não é espontâneo, não sabe criar a vida do seu infinito. A vida é o infinito de mim, sem morte, sem o fim de ser só. Ser só é o infinito que o amor não tem. Ser só não é solidão, é viver.

O porvir do ontem

Sem amor, ainda sou eu, é o tempo. O tempo se foi como sendo o meu coração a bater. Ainda sou eu o tempo em que fui feliz, pensando ser ausência, amor. O sonho deixa a alma vazia no ser. A dor de ver a vida é o mesmo que morrer. O porvir do ontem são sonhos que não se perdem no tempo, se perdem em ser.

Escrever é um amor maior que a vida

Transcendo na escrita, não transcendo na vida. Mas, para ir além da vida, tenho que morrer? Ou o além da vida pode estar no amor que sinto? A presença é uma maneira de me isolar. Isolando-me, a vida não se isola. Meu destino de escrever é ter o mundo todo nas minhas poesias, como se eu pertencesse à vida pelas palavras. Deixei de viver para escrever, isso me fez viver mais ainda, me deu forças para permanecer na vida, pelos abraços que as palavras me dão: não são vazios, é eternidade que fica!

A fala da ausência é o ser na falta do nada

A morte na ausência é viver, mas não é presença de vida. O que chama de dor pode ser apenas razão de ser. A coragem das minhas mãos de unir a ausência ao meu corpo, a morte ao meu corpo, até que minhas mãos sangrem por viver. Não me conhecia antes da ausência, já conhecia o sangrar da ausência, sem ti. A ausência não é solidão, é confiar no que sinto. As palavras deformam meu corpo de palavras, nunca o meu ser. Pensamentos não são palavras. Apenas o vazio preenche as palavras. A alma são palavras que virão com o tempo, o ser vai existir isento de palavras, se apropriou do meu pensar. Apenas as palavras sabem o que devo sentir. Não as sinto, lhes dou vida. As minhas mãos sentem falta de si quando tocam algo. A vida são as mãos sem as mãos. A ausência de sentir são minhas mãos que não conseguem tocar o nada. Sou livre como se tocasse o nada, e o amasse apenas como ele é. As mãos nada tocam, são o nascer da alma, que cessa a morte, com amor invisível. Perceber o amor é morrer. Perceber as mãos na inexistência das coisas é viver, sendo todo o meu corpo, não sendo o meu ser.

Presença do mundo

O olhar não torna as coisas reais, as coisas, o ser, tornam as coisas tão reais que eu não as vejo: essa é a presença do mundo. A ausência é o refúgio da alma. O que é mais infinito, a vida, o amor ou dizer te amo? O infinito é o espaço vazio, que nunca é preenchido. A alma não sorri nunca, mas, quando o mar é envolvido por suas ondas, minha alma começa a sorrir. Ser ou não ser não depende do querer, depende do céu, das estrelas, que navegam em meu amor. A presença do mundo é quando, em meio a tantas lágrimas, senti apenas essa no meu rosto, como presença do mundo. O interior é o esquecer que me emociona. Para esquecer, é preciso ter vivido algo, que ficou no esquecer, como sendo vida. A presença do mundo contribui para esquecer. A fala vai além do esquecimento, além da lembrança. A fala é o amor infinito. O infinito está expandindo o esquecimento. Nada ficou no esquecimento, nem o próprio esquecimento. Apenas o esquecer traduz a lembrança. É no esquecimento que fica o que há de especial em lembrar. A mente não descansa, seja no esquecimento ou na lembrança. Minha mente descansa e se refaz na saudade de viver, que é o que há de sublime na saudade e no esquecimento. Pensar no esquecimento é tentar perdoar o amor de não me amar. O amor ama apenas a lembrança e o esquecimento, mas, mesmo assim, o amo, é meu único sentir, é a minha vida, que vivi longe da lembrança e do esquecimento. Eu estou viva por te perder? Perda é amor, que prefiro silenciar por dentro de mim!

Existo da mesma forma que amo?

A dor vai desentranhar a alegria que não tenho. Nada existe no amor, onde nascer é apenas voltar a mim. Vida, não maltrata meu nascer, ele veio de ti ou é só um pensamento da ingenuidade de criança a dormir, como se nascer fosse esse sono, esse gozo da renúncia de mim. Nasci para lutar contra a vida?! O ventre da vida é o que não permanece em mim, mas a falta do ventre permanece. Existo apenas para provar que pude nascer?! A vida é inútil, o amor é inútil, nada faz perceber a verdade do ser que condena o amor. Eu acredito na verdade para poder amar a visão do mundo, é essa verdade interior que se sobressai até no vazio de si mesma. Talvez, a inspiração seja uma verdade além da verdade. A inspiração é a falta do interior que cria vários interiores, para que eu deixe a inspiração pelo interior. O interior também é alegria. Dá medo ser feliz. Minha alma enrijece meu corpo, meu coração, para o que não está por acontecer. O que pode acontecer em ser feliz?! Ser feliz é ser invencível. A força desta alegria é o nada. As lembranças nem sempre são tristes. Cada lembrança é um calvário de alegria. Dispersar a alegria, apenas para não desabar no abismo de mim, é a única realidade em ser feliz, um sopro de luz a inundar a escuridão. Tudo que faço pela escuridão é sonhar com a luz. Luz que tem um pouco de mistério, foi ultrapassada pela escuridão que absorve o tempo, a vida melhor do que eu, mas absorver as coisas vividas não é tudo, é preciso sonhar, rir, chorar, se desesperar com elas para que fique um pouco da luz da vida em nossas presenças, mesmo que no fim reste escuridão. Não deixo a luz se apagar em mim. Viva ou morta, ela sempre será aquela luz que foge de encontro a mim, pois ela sabe que para mim nunca será escuridão. Faz falta a luz em plena luz, faz falta a saudade na saudade, faz falta querer a vida pelo ser que existe dentro dela, que é um pouco cada um de nós que rompeu com a realidade para viver a vida. A vida foi expulsa de dentro dela, mas está dentro de mim. Vida, me dá forças para continuar em ti, contigo ou sem ti, tua presença nunca falha, nunca muda. Deixa os instantes na vida do depois, onde esses instantes não importam mais, deram lugar ao ser, à vida, ao que foi perdido, que tem que ser resgatado apenas pelas lágrimas, não pela vida. Não é fácil chorar sem a vida, mas tem o lado bom. Aprendi a ser, sem a vida, como se eu fosse um pássaro aprendendo a voar, contagiando o céu com alegria, que somente existe em voar no infinito de nós, que é maior que o céu. Voei com a alma, com o amor, não voei como pássaro, mas sim em mim, como eu mesma voando na imaginação. Pareço nunca aterrissar, quero viver voando, em amores sem fim, que são minhas asas, minha liberdade, que dedico a quem sofre. Quem não aprendeu a voar pode se segurar em mim, para não cair. O céu é o limite do ser. A alma vive nas minhas asas, no meu amor, no meu imaginar. Nada é eterno sem alegria. Voa comigo, deixa o medo voar contigo e ele será livre, tu também serás. Essa é a alegria que imagino em mim, sem medo de amar, mas se não há o que amar, fico a voar, como se o céu voasse comigo, numa alegria eterna de eu ser eu neste instante, que, mesmo sem vida, nunca fui tão feliz!

Silêncio sem o silêncio

A ilusão deixa a ilusão sem rosto, a falta de rosto é um silêncio profundo. O silêncio se parece com a alma. O silêncio se torna alma, pela falta de existir, como uma vela apagada. Vejo o desaparecer nas cinzas da vida: suave brisa, me refaz. Silêncio, deste-me tua vida, como se fosse minha. Nada nasce por dentro, nasce por fora. As lágrimas escorregam por dentro de mim, cavando minha morte. A pausa no silêncio é caminhar pela eternidade, sendo conduzida pelas palavras, que tornam o silêncio mórbido, deslizar na morte por entre meus dedos, onde meu corpo são apenas dedos, apenas tocar para esquecer, não há perigo em morrer. Acalento, promessa de silêncio e dor.

O sonhar e o sonhado são dois opostos que se atraem

Existência são pedaços de vida, esquecidos como existência. O sonhar é a existência, o sonhado é a vida. É na morte que se aproveita a vida, o infinito do sonho é a morte. A vida é, sem precisar ser vida. A inexistência da vida está inacabada, inconclusa. O valor da existência é a inexistência. Sonhar sufoca a alma, ela não conhece o sonho de ser. Por que o ser não pode amar a alma?! Como se contentar com a vida, sem pensar em morrer? Pensar em morrer é pensar em mim. Em mim, onde a distância de morrer é apenas o meu pensamento. O pensar é ilusão da alma. É preciso coragem para pensar. Pensar faz falta ao refletir. Sofrer me traz de volta ao real, não se pode ser feliz no real, mas se pode ser feliz em sonhos. E se eu não souber sonhar, como vou aprender? Tenho que escolher entre a minha realidade e Deus? O que é real em Deus? A falta que Ele me faz? Deus é um fenômeno isolado da vida, longe é sua maneira de cuidar. Deus não cuida de Si mesmo. A distância é perdida sem Deus. Ter Deus é uma forma de não viver. Se esquece Deus com a vida. A vida não é Deus, Deus é muito mais do que vida, do que o céu, o infinito, Deus é paz. O céu tenta ter a paz de Deus, é impossível. A paz de Deus é Deus. É impossível esquecer Deus, mesmo sem senti-lO, Ele sente por mim. Nunca terei a paz de Deus como Deus. Paz para mim é algo sofrido, me tira a esperança de viver. Viver pra Deus e pra mim, ao mesmo tempo, é possível? Tenho que escolher entre mim e Deus? O amor, o sofrer, não é bastante pra Deus, Deus quer que eu O sinta. Para mim, sentir, mesmo sem sentir Deus, é senti-lO, não por Ele, mas por mim nEle. Sentir não é destino, é obrigação de quem vive. Quem consegue viver apenas para Deus? O que vai ser Deus para mim, quando eu morrer? Deus comanda o sonhar e o sonhado. O sonhar e o sonhado são o desespero da realidade. Sonhar e ser sonhado é morrer de tanto amor. Deus não pode sonhar e ser sonhado, não pode morrer de amor. Esta é uma dádiva, um milagre humano. Eu não penso mais em mim, penso que, um dia, sonhar e ser sonhado farão parte de Deus. Se Deus morrer, não é o fim da vida, é o renascer do amor, que fará de Deus seu renascer. Tudo, enfim, será livre para viver ou morrer. Esta é a verdadeira vida, o verdadeiro amor: Deus, Deus, Deus, Deus…

O meu mundo não é o mundo de todos

O amor anseia por um amor inexistente, como um sonho que vivo só. Carrego só a solidão, como um sacrifício, um fardo, por onde o sonho se dispersa na solidão, torna-se dor. Vencer o invencível pelo amor é Deus em mim. Ter Deus é morrer sem levar nenhum sentimento meu. A morte é um pedaço de Deus, e tudo que é Deus, me resigno, aceitando em meu sofrer. Meu mundo não tem Deus, é Deus. Por isso, espero permanecer no que amo, como sombra da minha ausência. Enquanto não puder ser eu, não posso morrer. Morrer é um prazer de alma, que me faz eterna no morrer. O sol mancha a minha morte, e o sol fica manchado também, até que amanheça, e o esquecer seja mais do que morrer.

O sacrifício

O sacrifício de Deus em me ver sofrer é o seu amor por mim. Mesmo estando viva, não dá para me separar do céu. O amor é a falta de nós. Na morte, não posso pensar em mim, seria egoísmo da alma. Sei qual é a minha alma quando sonho. O depois de mim é a minha consciência. A continuação da vida é o nada.