Blog da Liz de Sá Cavalcante

Palavras sem imagem

Sorrir muito; se não posso morrer, não posso chorar pelo tempo que se foi. Quero morrer sem nenhuma imagem, minha ou das palavras. Minha imagem foi derrotada pela morte, idealização de uma vida, de uma imagem. Palavras afogam a imagem num saber eterno.

Comunicar ao vazio

Como comunicar ao vazio que ele não existe mais em mim, que o transferi à minha morte, por ela não ser vazia, necessitando do vazio. A morte viverá o vazio sem mim. Somente assim sentirão o meu vazio: pela falta dele. Perdi a mim, em vez de sentir o vazio. Nada deixei faltar ao vazio, queria apenas que ele se comunicasse comigo, para eu compreender o que não é vazio, o que se comunica, talvez isso seja morrer. Nem a morte explica o vazio, talvez o vazio seja apenas sem o silêncio. Nada se transforma sem o vazio, nem a poesia é poesia sem o vazio. Tudo depende do vazio: a vida, a morte, a presença, a ausência. Apenas o amor não depende do vazio, depende da minha inexistência. Nessa inexistência, meus sonhos não são vazios, são plenos de mim.

O nada num soluçar da eternidade

Tenho que ser para negar o meu ser. Soluçar é a negação do nada. Quando não amo o que sou, não me importa morrer, importa-me o nada, nesse soluçar de eternidade, onde escrevo com meu soluçar. A escuridão fala com amor, a luz silencia o amor.

Ter o absoluto é possuir o nada

Sem escrever, a vida não existe, até o nada não é o mesmo pela inexistência da vida. O absoluto é apenas ficar nessa saudade, que preenche a falta de mim com a falta de mim. A esperança é um adeus de eternidade. O adeus é a busca da eternidade, distante da eternidade, onde buscar é ficar mais distante do que o sol e perto do fim do sol. O fim do amanhecer é sem ausências. O amanhecer é a ausência do meu ser, apenas o sono recupera minha presença. A emoção de escrever e do caderno de ser escrito é a mesma. Consumindo-me em palavras, somente as sinto quando são escritas em mim, por mim. Nada é escrever, escrever não existe, sente-se. O existir do escrever é a perda de mim, não sei mais se escrevo pela escrita ou por mim. Sei que escrevo da mesma forma que vivo. Pela morte, pelo silêncio de morrer, parti, como se assim meus passos fossem o céu.

Amar é dar paz para a vida

Vou deixar minha alma, ela nada pode me oferecer além de sofrer. Deixo minha alma pela paz, que transborda em ausências felizes. A alegria cessa numa alegria maior ainda: a de Deus. Assim, percebo que minha alegria era um pedaço de Deus apenas. Quando nasceu, Deus estava morto; quando morreu por nós, Deus se sentiu vivo. O esquecer fere sem alma. Sem a alma, sente a presença da alma no esquecer absoluto. Nesse esquecer absoluto, lembro-me vagamente do nada, que era a minha vida, que não foi triste, foi ilusão. Apenas a ilusão sente falta do nada. Mas e se o nada for ilusão? Deixa para lá. Eu ainda tenho o hoje para viver.

A poesia é o retrato da alma

Muitas coisas foram encontradas em morrer, sem poesias, que são o retrato da alma, do amor. O olhar que existe em morrer é o mesmo de viver. A palidez do rosto é a concretude do que sinto, o brilho do amor. Queria poupar meu sentir da vida: fui imortal no meu morrer. Olho para o retrato do meu amor, não me vejo ali. A poesia se refletiu no meu amor, sem ser o meu amor. Meu amor foi um retrato vazio na minha plenitude.

Faz-me viver

Quero ter a imagem da morte viva em mim, apenas a morte me faz viver completamente, sem ausências. Ausência é a lua se entregando ao sol. Deixa que eu me perca. Há tanto céu por onde me perder, que já não me perco mais. Eu perdi a inocência de ser feliz. A quietude das minhas cinzas devolve minha morte ao mar, como se pudesse me perder.

O silêncio da eternidade

A eternidade é um silêncio sem morte ou sofrimento. As palavras não podem dar um fim ao silêncio do ser, que é a eternidade do silêncio da eternidade. O olhar é a palavra do silêncio. O silêncio é sol, chuva, vida, mas não há silêncio na morte, por isso a morte me falta, tomando minhas palavras, minha tristeza para si. Palavras não são o fim do silêncio da eternidade. O silêncio da eternidade afasta o olhar da vida, é o som da saudade banhando o mar, por isso esquece o infinito, pela grandeza do mar, que afoga a mágoa, que era para ser silêncio, mas o silêncio da eternidade não permitiu. O silêncio da eternidade me fez feliz, pela infinitude das minhas dores, mágoas que me fazem viver, não me deixam esquecer onde a deixei: no meu amor, que um dia será o silêncio da eternidade, de onde não escuto nem mesmo o vento, para escutar meu amor, que ama só, que às vezes é chuva, às vezes sol, às vezes fim, às vezes eternidade. Não procure me amar, ame-me, pelo sol, pela chuva do meu amor.

A eternidade da solidão é o meu ser

A eternidade é o fim sem solidão, nada parece eterno por ser eterno. O sol não tem a eternidade de Deus, por isso a vida não é eterna. Não há eternidade para continuar Deus a ser Deus. Sem a eternidade, as flores são sempre flores. A eternidade num único segundo é amor. Amor de flores, alma, de encantamento de morrer como morreu a eternidade: sem um único abraço. Essa é a leveza sustentável da vida, do abraço. O corpo é o fim de um abraço de eternidade.

Necessito me dizer quem sou por toda a vida

Como perguntar pelo fim se o fim é a resposta de tudo que não é o fim? O chorar é o interior do fim. Cuido do meu fim para cuidar de mim. Escrever é dar um fim ao fim. Cuidar do fim não protege o fim de mim. O fim, apenas o fim, compreende seu próprio amor. Por que vim ao fim? O que o fim pode ter de mim? Por que o fim necessita do fim mais do que necessita de mim? Nem o fim pode se tornar fim. Há fim apenas em amar, o resto é eternidade. Necessito dizer quem sou, como se tudo fosse o fim.