Blog da Liz de Sá Cavalcante

O luto do nada pela morte da vida

A vida não morreu como tinha que morrer: como o fim de uma lembrança, que me traz de volta ao mundo. Há almas que não se procuram e se encontram. Outras se procuram tanto que não se encontram. Nada se entrega à alma. Deus é mais do que alma, é amor. O luto do nada na vida é o meu infinito particular. Sou invisível para minha alma, mas não sou invisível na alma. Tudo desaparece sem as minhas cinzas, como se elas fossem feitas de alma. Antes que eu me despeça da morte, prefiro morrer, não para mim, mas para a morte. Apenas a morte me faz ver a vida com amor. A alma queima por dentro de mim. Nada ficou no lugar da morte, que, impassível, quis mesmo ser esquecida. Eu sou tão esquecida o quanto amo. Amo para não ser esquecida? Não! Amo para superar minhas perdas, superar-me de mim, ser uma pessoa melhor. Onde há vida, há esperança. Não a deixo inexistente. Cultivo minha esperança, como se eu tivesse a eternidade para ser feliz.

Debilitada de alma

Há muitas coisas perdidas na saudade da alma, pior do que dormir. A alma é apenas saudade. O inseguro não me deixa triste. O seguro me faz ver você, onde não sei onde está você em ser você. Como pode ser você sem me amar? Respire, não há nada, por isso não se preocupe com o que devia existir, concentre-se no seu respirar. Minha alma me faz respirar sem a minha tristeza. O tempo é a tristeza do mar, que se perde em voltar. Nada pode existir antes de ser triste. A tristeza não se reconcilia com o nada. Respirar me faz sentir o nada sem sofrer. Nada me faltou em sofrer. Sofrer, única consciência possível. O mar, consciência do nada absoluto. Por que o mar não sonha? É pela vida do respirar que alcanço o céu. A vida do respirar se aproxima da minha vida. A vida é a consciência de mim como sou. Vou levar de você o seu desaparecer. Vida, seu desaparecer é a minha vida. Não esqueço o desaparecer, assim como não me esqueço de mim. Volto a desaparecer como quem nasce. Nasci do desaparecer, sem uma única lágrima. O destino queria desaparecer comigo, não conseguiu. Meu destino é o meu olhar perdido.

Inverno da primavera

A dor da influência do nada é o inverno da primavera. É melhor dar o pouco de vida que tenho do que não ser vida de ninguém! O abraço foge da alma, pois está vivo na alma da vida. Alma, não tens saudade de mim, amor por mim? Eu vou aceitar tua vida como minha vida, até que tu, alma, separes-nos. Estou na alma, mas não tenho alma. O sofrer da alma cessará com minha morte. Morte, fizeste-me morrer sem alma, sem esquecimento, ficando apenas a lembrança do vazio, num abismo sem fim, onde consigo te esquecer.

Preocupação

Aconteça o que acontecer com a morte, não sairei de perto dela, não sei o seu destino, mas é o mesmo meu. A linguagem é sem limite na morte. Ela transforma a morte, onde devia esquecê-la, ao fazer da morte uma mudança positiva da alma. A alma precisa morrer como eu morri. O resto é vazio, esquecimento. Durmo no meu vazio, no meu esquecimento, onde tudo é eterno e nada é você, vida. Enfim, a liberdade de ficar onde estou.

Rosto de luz

Procuro meu rosto num rosto de luz. Um rosto de luz é o rosto do nada. Se ao menos fosse o rosto da morte, sua luz seria paz, mas é desespero. Com rosto ou sem rosto, as pessoas se veem como um rosto de luz. Apenas a luz do rosto ilumina a escuridão de viver. Para ti, meu rosto é apenas uma luz. A luz no rosto é a falta de imagem, mas ainda é um rosto. O olhar não tem rosto, mas é o infinito do rosto. Por ter um rosto, não sou só.

Fragmentos

Fragmentos do nada são mais do que nada. O som do silêncio não tem a glória da morte. Morrer no som da minha voz. Esqueceram minha morte pela voz da voz do viver. Voz do viver, imagem do silêncio, fragmento do nada. Desperdicei minha insensibilidade com a vida. Tudo tem um porém. Fragmentos se esperam, sem esperar viver. Minha vida com a tua jamais existiu. Tua inexistência compreende o mundo, mas não me compreende. A vida é a compreensão do mundo em mim. Fragmentos nunca deixam a vida triste. Tudo vai acabar, com ou sem fragmento. A morte é sempre mais, algo a mais na minha vida. A lembrança dura na morte. A lembrança pode ser vida, morte, mas não é a lembrança que devia ser.

Definir o nada pela morte

Vida, não permaneceu no ficar da morte; melhor, tornou-se o permanecer da morte, onde ficar é sangrar sem sangue. Partir é não dizer adeus. Quero que o sol entre em mim pelo calor do meu corpo. Definir o nada como uma morte sem corpo, pura alma, puro nada. Não sabia que existia vida; pelo sol, a vida é infinita. O infinito sem alma descansa no céu. Receba minha alma como certeza de que a vida existe por um corpo que era para ser meu.

O desejo é o refazer de um sonho

Meu coração não é um pedaço de mim, sou eu inteira. A prudência de amar no silêncio, resgatar o nada no meu sorrir. Recomeçar sem amor, até o último olhar. Teu olhar é um sorrir doce de nada. O olhar se descontrola, salta de si, abraça o coração sem amor. Eu pareço com a vida, se eu a vir no meu parecer. Separação, sou a vida do teu amor, onde não há ninguém, nem vida para me separar. O soluçar da angústia cessa o meu sofrer. Meu sofrer é como um bem precioso. A morte, no fundo, é o único amor do mundo. Mas o mundo não é somente amor. O inseparável de mim quer se libertar do amor, até escutar o nada sem amor. A falta de amor não se libertou do amor. É recente o amor, como uma folha que voa perdida no vento, onde os pássaros carregam a lembrança da folha por voarem como folhas ao vento. O que não existe deixa voar, como sendo a circunstância de um pensar. A solidão é a ordem do tempo. A palavra é a incompreensão do ser, onde o mundo nasce dessa incompreensão. Compreendo essa incompreensão, mas ela não precisa ser vazia. Eu compreendo a incompreensão, por isso não aceito o vazio. Se falar fosse eu, não me resumiria em ser.

Resistência sem força

Corpo e alma não se tocam, pois se amam além do tocar. Sem as mãos, constroem um mundo novo. Minha saudade me desenhou na minha ausência, o papel são as minhas lembranças. A ausência se lembrou de mim, como sendo a união de todo sentimento num único abraço. Lembro-me dos sonhos desfeitos, como uma ausência feliz. Deixa-me ser teu abraço, numa resistência sem força. Eu tenho mais força do que minha resistência. O ar parece se mexer, debater-se, até que eu consiga respirar. Talvez eu respire melhor sorrindo. A vida sorri, então ela respira. Parece que o respirar desce pela alma, até nascer a vida.

O sonho do silêncio

O sonho do silêncio resolve o engano de se viver. Deixei equívocos nos enganos. A visão do mundo é o amor que não possuo. A alma é exterior à alma. Sem se dar, devolve-me o tempo, o tempo que perdi em te amar. Ao menos, ainda me deixou ter a mim. Mas ter a mim é ser triste. Tão triste, que acordo de mim na tristeza do amanhã. Não penso em ser triste, penso em deixar vir o amanhã e fico triste pela eternidade. A eternidade me cegou de palavras. Não te iludas sem palavras, sem um “eu te amo”. Mas pode te iludires no teu silêncio. As palavras são eternas sem a eternidade. Vi cada palavra novamente, como sendo o interior do interior. Deixa tua eternidade viver nas minhas poesias, na minha morte. Tua eternidade é a tua ausência. Escrever são vírgulas que ponho na vida. Cada palavra é uma vida esquecida que tento resgatar, não sei se por mim ou pela poesia. Viver são recordações da vida.