Blog da Liz de Sá Cavalcante

Conquista de morrer

A determinação do ser é a indeterminação da alma. Ilusões infelizes me preenchem, ficam eternamente na alma, obedecendo cegamente ao passado. É como se o passado fosse eternidade da vida a me matar. Morre, alma, sem eternidade, mas me deixa viver o passado no não vivido. Não é apenas a vida que me separa de mim, é tudo: a vida, a morte, a eternidade e até eu mesma. No fim de nós duas, a vida nascendo, de uma eternidade maior do que a vida, de um amor perfeito, supera o próprio amor, como se pudesse invadir o céu de amor como invadiu o meu coração de amor, até pelo que desconheço em viver, já amo, pela força de desconhecer, o que posso conhecer, apenas sem o amor. Assim, conquisto a morte, vivendo cada vez mais, com a certeza de que não vou morrer: aprendi a sorrir, a amar, a ser feliz. É como viver pela primeira vez, com o consentimento da vida, de eu ser feliz. Alegria é o fim desejado no não ser de mim, que acelera meu coração, minha alma, na existência da vida a cessar. O que vai ser de mim? Vou ser feliz!

Mãos que curam pela invisibilidade do ser

A consciência tira de mim o que ainda sou, como se minha insensibilidade em existir fosse mãos que curam. Não posso pedir nada à vida, ao amor; que eu seja permanência da vida, do amor, onde existir apenas morte, dor. Desistir de ser, num eterno morrer, como se o céu fosse descoberto nas minhas mãos, eternas de poesias. A invisibilidade é cura da alma pelo ser que existe apenas na invisibilidade da alma. Ausência é o ser sendo descoberto. O ser não tem nada de ser, é apenas onde o nada pensa existir, pensa ser, mas nem o ser é. O tempo continua pela inexistência do ser. A vida é o ser que falta em ser. A vida é o fim do ser, a morte é o renascer infinito de mim. O renascer não tem eternidade, tem palavras de eternidade. As palavras, consolo para a eternidade, de que a eternidade não desapareceu completamente, ainda existe nas palavras. Sorrir em palavras é mais do que pude sonhar, amar. Aproveitar o nada, enquanto ele existe para mim, como o amanhecer mais lindo, pleno. A imagem se perde em mãos que não conseguem tocá-la. Se as mãos a tocassem, a imagem seria apenas mãos, que, de tanto curar, as mãos adoecem. As mãos da fala é o silêncio, é o que perco por falar, amar, existir.

Adeus de glória

Sentindo falta da minha ausência, não percebi o adeus de glória, que abriu caminhos, salvou meu amor do desamor e ressuscitou a alegria. O adeus a mim foi a glória do meu espírito, uma vitória em cima do meu sentir. Um abraço é mais do que o céu, mesmo eu a morrer num abraço, onde a minha morte é meu único céu, meu único fim. Serei fiel até o fim ao meu fim, não em glória, mas no meu sepultamento. Onde meu corpo virou flores da minha tristeza, morte da morte, onde a única certeza da minha vida foi morrer por cima do meu corpo, para não perceber a dor do meu corpo e sofrer apenas pela minha alma, onde não tenho tempo para sofrer por minha morte.

Júbilo (alegria)

Não se deve perder a vida para alguém, e sim para a vida. O espírito foi substituído pela consciência, até se tornar consciência de mim. Triste te ver assim, consciência, numa palidez sem rosto. Vida, sei tudo da tua alma, pela minha inconsciência. O tempo quer o olhar da alma, como realidade da vida. Ao abraçar a ausência, não me importa mais viver. Viver é a ausência absoluta de mim. Preciso permitir que minha alma encontre a vida, mesmo que não me encontre mais, eu fui apenas um meio de entregá-la à vida, para que a vida agora tenha forças de ser eterna como o seu amor.

Unir-me e afastar-me sem me afundar

A morte é a realização do meu ser, une-me, afasta-me, sem me afundar. Torna unir e afastar a mesma coisa. A minha presença não me torna um ser, mas não pode me diminuir. Eu sou grande no que faço, mesmo assim não existo. Existo apenas como tua ausência, por isso sou feliz. A alegria não me torna um ser; sentimento não é ser. Ser é perder a si mesmo para ter a vida. A vida foi embora como alma, deixou o meu ser em mim. Eu, que queria apenas que a vida existisse, mesmo comigo morta. Afundo-me em ser, mais do que em morrer, assim a solidão é eterna em mim, como sendo a única coisa que vive em mim, por mim, no meu sofrer.

Deslizando na alma

Deslizando na alma, na certeza de nada ser, por isso posso ser alma. Luz, na tempestade do ser, faz-me deixar de ser alma, sem desabar no nada da alma. A alma não convence o amor de que é bom ter alma. Tudo é apenas deslizar, apenas a eternidade do nada, fazendo-me sorrir onde tudo é triste. Enfim, não estou só.

O que torna as mãos uma poesia?

Há tudo nas mãos para perder a poesia, até se tornar poesia. O imaginário tomou o lugar da vida; assim como as minhas mãos, cessaram as suas, mesmo sem você conhecer a minha alma de poesia. Um dia, nossas mãos estarão unidas, pela morte que vai nascer de nós. O tempo se foi em vão, sem morte. Mãos que se partiram na morte fria, dizendo adeus ao adeus, de forma leve, como se as mãos fossem o corpo inteiro, sem o adeus do ser para a morte, mesmo sem poder viver.

Pedido de um adeus

O adeus não quer ser abandonado ainda vivo, quer ser um adeus comigo. Solidão é ficar sem o tempo, é não me perder na morte.

Ser só é ser mais só do que a solidão

Algumas coisas duram sem a eternidade da tristeza, talvez isso seja ser só com minhas alegrias. Não há alma que exista na alma. Ser não é estar no ser, que ainda vou ser. Vou ser tanto, que minha alegria desaparecerá. Minha única alegria agora é ter alma. Ouvir-te, como quem ouve o nada. O nada apenas escuta, não aparece na alma. Por isso, não o escuto, quero guardar sua presença em mim, sem nada escutar, para o nada ser puro, verdadeiro, como te perder.

Silenciar a morte nas palavras

As palavras não deixam a morte falar com amor. Ficar nas palavras, morrendo, deixando de amar, é o único amor possível. A falta de mundo me devolve o mundo. Mundo, que não sofreu sem o mundo. Escuto o silenciar na morte das palavras, ditas como morte. O isolamento da alma é o amor, onde escutar é apenas ter alma. Não há o escutar da sua ausência, mas ainda há você para o mundo. Há tantas coisas a escutar, que podem ser a presença de tudo. Não me incomodo com o meu silêncio de existir ao falar. Incomodo-me de a fala, de tão escutada, esquecer o que a silencia. A fala e o silêncio precisam estar unidos, mesmo sem mim. Eu não sou a única fala, o único silenciar, por isso posso morrer em paz.