Blog da Liz de Sá Cavalcante

O desaparecer da liberdade

Quando a vida acontece, o desaparecer da eternidade, da liberdade, torna-se amor pela vida, não pelo ser. Não há memória que se despeça sem nada saber. Sei mais pelo olhar do que pelas coisas. Vivi teu olhar, vida, no que falta em mim, por mim. Necessito me perder, sem a distância de mim. Não há distância quando a realidade também está distante! Resta o amor, que se faz ser, sem distância, sem proximidade, apenas a luz do sol a conduzir o amor, a vagar sem rumo, respirar a ilusão de escuridão, sentindo-me não mais morrer!

Morrer de alegria

Morrer de alegria, sabendo que nunca serei eu para mim. A esperança é o mar que seca, o rio que corre nas suas próprias almas de água, de ar. Se as almas fossem amadas, eu não seria um ser que amo!

Pungente (comovente)

A alma, vazia, para sentir, amar, florescer. Um único instante me fez viver. O sol se descobre nas cinzas da vida, como se isso cessasse o instante, deixa-o mais perfeito, corajoso. Um resto de sol desfaz o nada, na lua morta, como se fosse a minha chegada e partida em pedaços vivos de lua. A lua são pedaços que se dividem por dentro de mim. Deixa, lua, o meu abraço ser teu único sol.

Dor de sangue

A dor sem alma percorre meu sangue, começa a doer, como se não existisse dor na vida. A vida não é um castigo, por isso é dor. Quero sair do meu corpo, não de mim. Quero lutas sem sangue, por amor. Quero que a tempestade seja o meu sol. Quero que não apenas eu, mas que minhas lembranças sejam o sol de cada dia, a vida de cada dia, para romper silêncios. Para que vencer? Nada se restringe à sabedoria. Sabedoria não é silenciar. Sinto meu corpo em mim, como um deserto com sede de espinhos. Eu refleti no nada, buscando em mim o que existe apenas no nada. O nada tem uma alma apenas sua. Deixa o coração esfriar se a alma se esquentar. Quero vida, morte, desde que seja de verdade, tão verdadeiro, que não sinto falta do infinito. Sinto falta de quando não era nada, de quando meu sangue reagia ao nada do meu corpo. O sangue quer viver, o corpo não. O sangue é minha única vontade de vida? O que significa lutar? O dormir da ausência é a vigília da alma. Não há alma sem ausências. O que se tira do ser não se pode dar ao espírito. A ausência não dura a lembrança de um adeus.

A solidão de amar

O coração cheio de esperança, como se eu estivesse cheia de lágrimas, mas para a vida e a alma espremerem a dor como uma gota de orvalho a cair do céu. Estou esgotada, feliz, como se me viessem lágrimas de fora de mim, um exterior, um mundo, enclausurado para tirar o brilho do sol nos meus olhos, que dão razão a esta razão de amar, mais pleno, absoluto do que o céu. O céu não consegue ser só. A glória do meu amor me ilumina, arrebata-me, vai além de mim, do que posso ser. Arranca, retira, antes que eu possa morrer na inteireza de estar, que não é o céu, não sou eu, é o meu amor, que tem pressa da solidão de amar.

A vida é apenas um passeio

Varre a vida da terra, como semente plantada no chão. A alma desanima, rasga-se feito chão, feito palavras, feito amor. Amor são as contradições da vida, que saem de mim como vulcão em larva, em fogo que acende o desejo de não amar. De ser esquecida, como a terra, como o céu, que se assusta com a pureza do meu amor. Retornar é tornar-me o céu do meu amor, onde a terra se fortalece, o amor cresce sem morrer, sem eternidade. Meu amor fez a vida partir do teu silêncio. O silêncio domina a alma, nunca o ser. Cravei minha vida nesta terra, para que ela se lembre de mim, das minhas pisadas apressadas por viver, atolando o chão na terra e o meu coração no amor. Só necessitei de uma palavra para me ausentar para sempre, numa única palavra, num único sopro de mim: viver, viver, viver…

O que sonho?

O que sonho não é eterno, mas dura mais do que a vida. A noite clareia o amanhecer, como continuação do sonho. A ausência, ação invisível do tempo, pior do que morrer. Não percebo que envelheci na ausência, morte inesperada para mim, esperada pela alma. Morrer traz a morte para os meus sonhos, esqueço que eles foram a vida de alguém. Como me sinto desprezível em sonhos que não são meus. Quero ter meu próprio sonho: ser eterna. Se o sonho for apenas a solidão que sinto, nada mais será amor. Apenas a eternidade pode me acordar desse sonho, com a melodia de um “eu te amo”. Não basta escutar, eu preciso ser parte do que escuto, para o mundo se definir entre a vida e a morte, entre mim e os meus sonhos, que viveram antes de existir, para que eu viva. Sonhar comigo não é sonhar, é o fim que preciso seguir. O sonho não mais será essencial se eu sonhar por dentro de mim. Mesmo que eu deixe de ser, existir, sou, existo para mim no amor, é melhor que existir para alguém que não existe, é apenas um sonho distante, vazio, faz-me sentir falta da realidade. Será que a vida me aceita de novo? Daqui que ela decida, já terei morrido sem paz. Morri sonhando comigo, sem me sentir só.

Sonhar é saber

Sonhar é saber que não existe apenas vida, existe Deus. A perseverança de sonhar torna o sonho possível. Não posso morrer sem ser o sonho de alguém. Meu corpo não sonha comigo, vai além do sonho, além de mim. O transcender da fala é o nada, o vazio. A espera de uma estrela é cair do céu para dentro dos meus sonhos. Sonhar é saber despertar desse sonho que é a vida. O sonho de alguém me ama, como se sonhasse comigo. Nada se sonha, tudo se é. Por isso, não se pode amar. Apenas ser, mas sou o que sou, na esperança de amar. Talvez isso um dia, quem sabe, torne-se um sonho ou me faça sonhar.

A realidade de ouvir é um sonho acontecendo

Esse nada foi a sua ausência. Não há saudade de nós, há apenas saudade dessa ausência. Se a ausência pudesse ser eu, seria feliz? O tempo passou sem ausências, foi mórbido, doloroso como o nascer do sol, que não pode ser minha ausência. Meu sofrer não é ausência de você, é a vida entrando em mim, sem vestígios da sua ausência. Sua ausência existiu, você existiu, ou foi apenas ilusão do meu vazio. Meu vazio pode ver você, eu não. Quando vejo você, não sei de mim, nem dessa ausência, quero apenas ficar perto do sofrer, mesmo sem sofrer, sem nada sentir. Não senti que, além de me perder, perdi minha alma, mas isso não me aproxima de você. A realidade de ouvir você é um sonho acontecendo que não sonhei, estava distante, encontrando-me, distraída de mim, da poesia do mar afastando minha poesia. Deixando-me à margem de tudo que deveria viver, não mais pela poesia, mas por mim. A falta de notícias da minha ausência demonstra que ela está bem sem mim, quem sabe ela fique com você noutra vida, onde a ausência tem uma vida com você. Quem sabe assim, de uma vez por todas, eu perceba que você está viva, tão viva que afastou a minha ausência de mim, dos meus sonhos, mas não me afastou de mim.

A morte não é um adeus, a vida é um adeus a mim

A lembrança é a eternidade da alma, na falta de alma. A alma é por onde posso escolher quem sou. O sofrer, fim da alma, começo de eternidade. A lembrança dura na morte, é o fim da eternidade.