Blog da Liz de Sá Cavalcante

Segregar a vida com a morte (desunir)

Como desunir a vida e a morte? Se Deus as uniu, ninguém separa. Nasceram como um corte, morrendo como sangue. O ser e o nada são uma maneira de não morrer em mim. A morte também se acaba, vira cinzas. Cinzas do que não cessou na morte. A morte é a lembrança de depois, que vive no meu pensar. Espero que a lembrança me faça esquecer de mim. Que eu seja apenas uma lembrança. Ser uma lembrança é melhor do que ser. A morte preenche a vida, esvaziando-me da vida.

Como nasceu o amor sem o ser?

O amor não poderia ser diferente da falta de amor. Tudo flui sem amor, como se a alma estivesse farta de amar. Saciada, cansada do amor que não ama. Tudo nasce sem o amor. Nada se pode negar do existir, nem mesmo a morte. O ser não é mais ainda ser do que o respirar do nada. Quando meu ser respirar o nada que existe dentro de mim, serei escrava desse respirar, que se amontoa em ausências desesperadas para respirar o nada, que nunca poderá respirar o nada. Eu fui o seu nada. Queria eu mesma ferir o meu amor, não você. Apaixonei-me pelo meu amor ferido, não por mim. Mas, quando meu amor foi descoberto sem ser ferido, deixei de amar.

A liberdade não é um sentimento

A vida, sem partir, não é vida, é liberdade de um sentimento que não devia existir. Eu sou a vida de todo sentimento, sou o amor que silencia o silêncio, sou tua paz, teu tormento. Sou o tempo que resta de vida, sem minha poesia. Sou o canto silencioso da morte. Sou teu coração, vida, a querer viver como eu. Silêncio não é paz, mas é o meu silêncio, minha paz, que fala, clama mais alto o meu amor. Apenas não sou a fala da morte, por isso suspiro eternamente por mim, sem me imaginar mais falar, por isso suspiro, eternamente só. Mas meu suspirar são lembranças sem fala, que ressuscitei ainda a dizer apenas eu. Essas lembranças inexistentes, fantasmas que rondam, como se tivessem existido. Por isto existo: por nada.

Sou diferente do preenchimento

Sou diferente do preenchimento, do que queria me tornar. Sou indiferente ao que preenche, até o preenchimento me fere. Tudo me fere, a presença da vida me mataria. Vou continuar sendo eu, por mais que isso me custe a mim. O que seria sua presença em tamanho abandono? Seu abandono, alma que permanece em mim. Não sei como é lindo lá fora. Lá fora não é o mundo, a vida. Lá fora é apenas sol. Eu dei minha luz para o sol beber na sua luz a minha luz.

Trocar de alma é morrer

Abraçar com um único olhar a vida, morrer emendada na vida, como um olhar que surge do nada em meu olhar. Olhar a vida sem viver, amar morrer, como se morrer fosse minha sombra em busca de mim. Amar morrer é o que tenho por dentro de mim. Morrer em sonhos que não teria em vida. O que faço para que o nada apareça na minha solidão, como se eu tivesse fé no nada? Fé no nada é mais do que fé, é devoção ao nada. Maneira secreta de viver. Nasci com a fé no nada, nasci partindo na vida. Nasci na despedida do adeus, mas sem ficar, existir. Abraçar o nada é não me despedir sem alma. Sem alma, sem adeus, mesmo assim é fácil morrer sem alma, sem precisar de um adeus. A alma, de tão inexplorada, não existe mais. Não consigo continuar a morrer como se meu sentimento fosse nada, nulo para mim. Como posso estar a sentir? Meu ser para si mesmo é a inexistência do mundo, da vida.

Martírio

Meu martírio é querer viver, mas cautela em viver. Continuar a ser, apesar do não ser em mim. Dormi, descansei no que perdi, como se eu soubesse onde estou em mim. O amor tem um olhar apenas seu. A vida é sem retorno. Não posso resumir minha distância ao amor que sinto. A morte é castigo pouco por eu te amar. O que sofri, sofri por mim. Consigo chorar minha morte estando morta. Tenho remorso por não conseguir viver. A morte não é despedida, a morte é desencontro de almas. Morrer é humilhar-me.

Quando penso ser amada, amo só

Morrer, provar que vivi um dia. O não ser é a eternidade do ser. Há pessoas que não têm imagem para sempre. O ser não necessita de imagem, necessita ser, como o mar a se esconder no universo. Se o ser tivesse que ter um rosto, o que seria esse ser? Para ser, é preciso não acreditar ser. Ser numa descrença por amor à vida. Amo só, como o sol, a lua, o céu. O céu se afastou do céu. Ninguém se afasta do céu sem céu. O céu do amor ampara o céu do céu. O céu não foge da realidade. O ser não tem realidade, várias realidades se ofereceram com arrogância ao meu ser, eu não quis. A realidade é o rigor, a ausência do ser. Nada ficou em mim por viver. Tudo ficou em mim por morrer. A vida é capaz de tudo para viver, se eu não morrer na minha ausência. A vida quer viver sem mim. Mas ela me ama, irá comigo até o inferno de ser, que não é apenas existir, mas me fazer existir pela vida, como se eu não tivesse ali, perto da vida. O sol chora, como se não pudesse dar vida a mim. O amanhecer se impõe ao sol por amor. O amor é apenas este amanhecer, que me condena a viver. A luz do sol adormece minha alma, na esperança de que eu volte para mim.

Olhando-me no que sou

Dentro de mim, apenas dentro de mim, há realidade. A realidade são apenas pensamentos. Sofrer não é ter a realidade de volta. Há tantas coisas no nada, que as coisas materiais dão um vazio em mim, mas precisam existir, para eu esquecer o vazio no vazio, e as coisas materiais poderem ser vazias de verdade, não apenas em mim, na vida. Escrever não me confunde no vazio, sei que existe vazio sem palavras, que minhas palavras também são o vazio. Do nascer até morrer, sou vazia. Meus pedaços não são vazios, são a minha despedida. Fragmentos do nada se preenchem com meu fim. Fim de uma vida inteira. Descansei onde não há: no meu interior! Foi pior que morrer. Meus olhos se fecharam, não para sempre, mas para mim.

Plenitude subjetiva

Minha alma se mistura com a alma da vida, sem nada querer, amar. Não preciso da vida lá fora, preciso da alma da vida, como sendo a falta de lembrança tua. Como lembrar do que não existe e nunca existiu? A ausência cessou sua presença ou ela nunca existiu? Sei que não deixo de amar, ausente de mim. Mas é impossível amar a tua inexistência, que é como flores no mar. O mar, um dia, terá tua ausência em Deus, onde poderá me amar como eu te amo. Doce ilusão de morrer, ao menos não me perdi de mim.

Ver é uma imagem

A imagem das coisas não é o que imagino delas. Olhando, deixo de amar as coisas, as pessoas. Vejo sem buscar uma imagem. Vejo tudo sem uma imagem. De uma imagem, não posso fugir: a da morte. Ver é a imagem, nela cessa a morte, pela imagem da morte. Tudo sem imagem é com alma, amor. Por isso, para mim, tudo existe sem imagem. Não quer dizer que a imagem esteja distante, inacessível, e sim que não quero vê-la, cessaria sua essência, alma. A poesia é uma imagem sem imagem, vejo o que quiser nela, sinto-a na falta de mim. A falta de mim é a imagem da poesia, que faz a vida desaparecer nessa imagem.