Blog da Liz de Sá Cavalcante

O sonho do silêncio

O sonho do silêncio resolve o engano de se viver. Deixei equívocos nos enganos. A visão do mundo é o amor que não possuo. A alma é exterior à alma. Sem se dar, devolve-me o tempo, o tempo que perdi em te amar. Ao menos, ainda me deixou ter a mim. Mas ter a mim é ser triste. Tão triste, que acordo de mim na tristeza do amanhã. Não penso em ser triste, penso em deixar vir o amanhã e fico triste pela eternidade. A eternidade me cegou de palavras. Não te iludas sem palavras, sem um “eu te amo”. Mas pode te iludires no teu silêncio. As palavras são eternas sem a eternidade. Vi cada palavra novamente, como sendo o interior do interior. Deixa tua eternidade viver nas minhas poesias, na minha morte. Tua eternidade é a tua ausência. Escrever são vírgulas que ponho na vida. Cada palavra é uma vida esquecida que tento resgatar, não sei se por mim ou pela poesia. Viver são recordações da vida.

Inequívoco (evidente, explicativo)

Algo necessário morreu: o meu amor não deixou de ser necessário por ter morrido. Onde o amor se fez destino, como algo que foge e não permanece em mim nem como despedida? O que pode acontecer ao amor? Será mesmo amor ou apenas eu? Sei que o amor é demais para mim, sem o excesso de mim. Em mim, tudo é intenso, sem excessos. Por mim, o amor seria apenas contemplação. Assim, o amor não se perderia nele mesmo. A morte não me engana me matando, engana a si própria. A morte não mudou meu ser. É tanto ser em mim, que, mesmo me matando, continuo em mim. Mesmo sem escrever, eu sinto as coisas, a vida, o amor, no azul do céu. O azul do céu é o mesmo que escrever, estar viva.

Como resgatar um adeus?

Resgato o adeus, no amor que sinto. Tento conter meu ser dentro do nada, que não sou eu. O amor é algo distante, impossível de amar, nunca acontece. A falta do acontecer impede o amor de nascer. O último adeus é o primeiro adeus da alma. O ser não se pode abandonar no não ser. O adeus é mais do que um abandono, é o fim. Fim que percebi mesmo sem adeus. Há um fim para o fim: o ser. O meu ser me separa do meu fim, separando-me de mim. Não sou eu, sou apenas um ser. Superei a alma sem mim. Se a morte fosse desejada, não seria morte. Ninguém tem o que deseja, pois ninguém sabe o que é desejo. Nada cresce, tudo diminui até morrer. É preciso conhecer o amor para não amar alguém. Vim de muito longe até mim. Essa distância de mim não é um obstáculo para viver, mas a distância do nada me faz viver onde antes não havia vida. Já passei por tanto sofrer, que não vou recuperar o teu adeus. A morte e o adeus não importam mais, importa que estou inteira. A vida pode me despedaçar, continuarei a viver, tenho a certeza de mim dentro de mim.

A linguagem da morte não adere à morte

A morte não conhece sua linguagem, que não é a fala, é a morte dentro dela. Não existe o tempo para morrer. Morrer é apenas o desejo de morrer. Tudo se diz com a morte, como se não houvesse o suspirar, por isso o que foi vivido foi esquecido sem suspirar. Sem suspirar, como se a sede fosse beber amor. A força é um obstáculo para sentir a eternidade de um suspirar. Não me esqueci de que morri, é o meu suspirar.

A inteligência da fé

A alma devagar chega perto de mim, para desaparecer. Apenas por desaparecer, sinto sua presença em toda ausência que construo, é como ter a alma perto. A morte é algo divino. Morte, nada pode fazer contra minha alma, tudo ela aceita, tudo para ela está ótimo, por pior que seja. Sem alma, o infinito é o meu amor. A vida não pode se tornar vida pela alma que possui. Vida, nem o meu corpo é lembrança de ti. Deixar a realidade por uma lembrança triste é prolongar minha morte. Na finitude do mar. O mar resgata minha morte, como sendo a água que desce no mar. Mar, desejo inabalável de viver. A inteligência da fé é mortal. Distribuir o mar no amor do mar é dar vida ao mar. Liberdade é lidar com o prazer e o desprazer de viver. O ressentimento ama o desprazer, como conquista do futuro. Nada espero do futuro, quero viver infinitamente, com ou sem futuro. Futuro é o outro em mim, que é este agora. Alma é tirar de mim o que não é meu. Sou livre quando a liberdade não existe e aceito essa natureza morta do meu ser. Abraço-me, num abraço solitário, sem amor, parece mais um abandono de mim do que um abraço, meu corpo escapa como se eu fosse espinho do seu sangue. Como se lembrar de um abraço que seguiu sem destino? Eu não tenho destino de um abraço. Morri da falta de abraços, para não morrer da tua ausência.

Morrer aos pedaços

Amor é aceitar te perder, para não amar aos pedaços. Nada para ser feliz, tudo para amar. Morri aos poucos, como se renascesse da morte. Renascer, perder os pedaços de amor, com o teu sorrir. Nem mesmo teu sorrir te faz amar. Ver-te é me esquecer. Tu me lembras o nada que sou, o pouco que não consigo ser para ti. A minha alma é a falta de ti. Nada morreu, ficou apenas o vazio. Sem a realidade, não sou uma coisa, sou um ser. Abandonar minha superação é superar o nada, a vida. Deixa a vida penetrar no vazio de mim, para jamais viver. As impossibilidades me fazem viver. Se eu agir como se não tivesse morrido é dar outro significado à vida. A realidade não se constrói na realidade. A realidade é uma falta de ser para todos. Como posso faltar à realidade, se ela é que me falta? Nada faltará, se tudo me faltar. Escrever é uma falta que convive só em mim. As palavras, que são a alma, não querem ficar dentro de mim. Não me importo de morrer aos pedaços, importo-me de ficar sem palavras. O vazio vai me apertando, quero morrer, o vazio não deixa. Mesmo se eu morrer, minha última palavra vai ser vida. Aprendi a falar pelo sofrer incomunicável de mim. Talvez, para mim, basta que eu seja incompreendida, assim posso sonhar sem morrer. As palavras dão um sentido à vida, ao silêncio que não existe em mim. Se a vida fosse apenas palavras, eu estaria viva como o nascer do sol. Não preciso aceitar te perder, tenho-te nas minhas palavras.

O buscar como silenciar

Não dá tempo de ser feliz, mas dá tempo de te perdoar. Seria feliz sem nascer, seria livre como o vento depois da tempestade. Volta, que não vou mais viver. Meu silêncio e meu sofrer vão viver em ti, não como sendo eu, mas como sendo tu. Tu nunca me sentes. Mas o que poderias sentir por mim? Mesmo assim, quis apenas te amar. Busco o silêncio como uma resposta ao teu amor. Amor, palavra que não se descreve, nem consigo pensar nela quando amo. Amo sem a palavra “amor”. Privar-me da liberdade é deixar a busca do silêncio por algo a mais. O ser é amor que não se conclui. Tudo se conclui sem amor. Amor que não resolveu a vida, o amor é um vazio sem fim. Alegria, a vida tua me esfria, como se eu te esperasse na frieza de sofrer. Sofrer se dá como o amor nunca se dá. Amar não quer dizer não ser só. Só, sem esperança do amanhã. O amanhã nunca é outro dia. O amanhã adormeceu nos meus sonhos, como uma realidade real. A liberdade da morte é a minha morte. A essência é uma realidade que não devia existir, cessa a realidade de viver. As coisas se desapegam no nada, querem viver para mim, viver são coisas inúteis, penso que viver depende dessas coisas, chamadas saudade. É a saudade que não me deixa viver. A essência é a diferença interna entre ser e não ser. A inessência é a igualdade entre ser e não ser. Desmoronei num amor infinito. O amor da poesia morre com minha morte. Mas a poesia se renova na falta de mim, cria forças para não deixar morrer o amor humano. A poesia se esgota. Ela é o único amor do mundo? Há o que viver na poesia? Viver sem poesia é perceber o vazio de outra maneira: como sendo a resposta que esperava da vida pelo meu amor. Ao menos, eu não sou vazia, mesmo sem lembranças. A lembrança está em sentir o vento no meu respirar. A alma, eterna lembrança de viver, tornou-se esquecimento, onde vou reaver a lembrança, sem sentir saudade.

Prelúdio (sinal ou indício do que vai acontecer, continuar)

Não existe prelúdio sem o que já aconteceu, assim como não existe vida sem a verdade. Se nada existe na morte, para que existe morte? Eu posso me esquecer sem morrer. Existir, para depois ser eu, pela vida ou pela morte. É preciso vida para morrer. Afastar o ser do não ser é não ter alma, beleza, de ver o sol no sol. Não deixo o sol ser o que vejo, deixo sua luz na falta do meu olhar. Estamos amando pela igualdade do nosso amor. Somos iguais, na luz da escuridão. Quero que não anoiteça em mim. O amanhecer mais perfeito é o do desespero. O que acontece não é prelúdio, é o ser. O ser nunca acontece, nem será o acontecer de alguém. Não importa o ser, ele nasce num prelúdio nada de ser. Morrer é abandonar o infinito, como sendo a busca do que encontrei. O ser é finito apenas para si; para a vida, ele é infinito, como sendo a vida que não aconteceu por ser infinita. O céu espera ser de todas as cores. O infinito é o fim do sol. A certeza de iluminar não ilumina. A luz são as incertezas, que me devolvem o meu olhar. Se eu morrer na incerteza de morrer, minhas incertezas cessam. A falta de ausências é minha única certeza. Tudo existe, para ser descoberta a ausência, como uma luz na luz. Luz que existe apenas ausente. Na luz, a sombra é o nada; na escuridão, a sombra é tudo que existe além do ser, além da luz. Além da luz, existe o ser na sua sombra, podendo viver da sua própria solidão. A luz me faz ver coisas que não existem, por isso se explicam só. Explicar é a luz que esclarece a escuridão. A luz é pequena nos olhos, grande na alma. A alma necessita de luz e escuridão, a luz e a escuridão são a realidade e o sonho da alma. Sem sonhos e realidade, não haveria luz nem escuridão. Esse é o verdadeiro nada. O nada substitui a vida. Como sinto falta da escuridão e da luz da vida, onde podia sonhar com a vida, sem estar dentro dos meus sonhos. Sonhar, acontecer do nada, prelúdio de amor.

Amar para não ser eu o que amo

Quando amo, sou eu o que amo, dá um vazio. O que é o amor, comparado ao que sofri sem alma, sem mim, para sofrer minha dor? Eu não daria a minha vida para a alegria, mas daria a minha vida para que todos aprendessem a amar. A intensidade é a única tristeza que tem uma explicação. Pior do que morrer é me juntar à alma. As coisas são ditas quando não encontro a vida. A alma da vida é a morte. Minha dor é por onde a vida se vê. Sem a minha dor, a vida fica perdida, como uma imagem aprisionada no nada das relações. Eu morreria pela minha dor, pela minha morte. As coisas não acontecem só, eu faço as coisas acontecerem, é como viajar no nada do pensar. A dor somente é dor se for negada, senão é apenas solidão. A solidão não pensa no nada, onde existe, mas eu penso. Retornar a mim é mais difícil do que morrer. Retornar é fazer de tudo o nada. A dor é o meu olhar, por isso não consigo ficar sem olhar.

O corpo interior

Fecho meus olhos para os olhos, vi o mundo e o céu juntos. Meu corpo não está inteiro, mas sua presença está. A presença do corpo é a alma. A alma não pode ir só até o amor. A esperança tem vida, vida que não quero para mim. O que me diminui cresce sem ausências. A ausência é um olhar que desaparece sem tristeza, é como se eu tivesse sonhado ver. Ver não é sonhar, é falar com meus sonhos. Nada sei dos sonhos, sei de mim, da minha poesia. A tristeza é sonhar acordada. À vida, tudo pode faltar, menos a alma. A alma permanece até nas faltas. Não há falta dentro de mim, não tenho interior. Meu interior é o meu corpo. Dei-te o nada de mim, como se não fosse nada. Para sair a alma da alma, é preciso esquentar o sol de amor. Amanheço pela alma, como se ela fosse o meu amanhecer. O mundo amanhece só, como se não houvesse que amanhecer. Amanheço pelo mundo que não amanhece. A vida torna o amanhecer um nada. Mostra-me teu amanhecer, para eu ver se é diferente do meu. Meu amanhecer é meu corpo inteiro, sem o meu corpo interior. A alma não consegue me levar de mim, minha dor a impede. A alma se foi no meu suspirar.