Blog da Liz de Sá Cavalcante

O nascer do nascer

O ser sem amor é o nascer do nascer. O outro é sem palavras, no amor que necessito: ainda não é meu. Tudo é real nas palavras. O silêncio surdo de silêncio e resignação. A folha é o silêncio escrito. Dominado e amado. O nascer do nascer teve que existir, antes da existência. A vida sem silêncio não existiria. A linguagem da vida somos nós. A lembrança é a falta de linguagem é sair de mim para o mundo. O mundo fala só com seus medos. O desespero é a certeza da alma voltar para mim. Nascer é o negativo do ser. Sou um ser, mas nunca nasci. A incompreensão da realidade é a realidade. O tempo é a realidade, não a vida. A infertilidade da alma é a vida. Escutar o além da vida em mim, me faz viver: não me deixa morrer. A alma serve de vida para quem não tem vida. Vida, necessito de ti, mesmo com alma. O sol sente vida em mim, mas não sinto. Ser não invade a alma. O ser não busca a alma. O ser é alma de si mesmo. Faça-se luz sem entranhas. A ternura do nada faz minha alma amanhecer, não de alma, mas de sol.

Abstinência da realidade

O corpo da alma é o nada. Viver sem a realidade é meu despertar, sendo eu, a consciência do mundo, da vida. Me fiz nascer em palavras admiráveis, parece até que nasci escrevendo. Apenas para não ter a realidade, ela vem a mim até em poesias. Desapareci na realidade para ter a mim. Mesmo sem realidade. Realidade é ser só. Estou só, por isso sou plena. Plena de tristeza. Mesmo assim, a tristeza me esvazia, me faz pensar no nada, que é a falta de sofrer. A depressão é a ausência de mim. A luz lateja em meus olhos, suplicando um pouco de escuridão. O céu é a escuridão do destino. Penso no que vai ser dor na dor. A dor de ver é como gerar um bebê morto. Ver a imagem morta é ver o puro, o simples, o natural. A imagem morta é mais sensível do que a imagem viva. Não há imagem em ser vista, vejo na imagem a esperança de ver. Não vou desistir de ver as coisas como me vejo. A esperança vê com a alma. Tudo desaparece sem ser visto na eternidade, por isso o desaparecer é eterno, como o sol. Inovar a eternidade, a inspirando com poesias. Eternidade: a nossa imagem dá vida ao que ela vê. A imagem vê o que não posso ver. Apenas a imagem sorri, encantada, com um mundo sem imagem. Imagem é o fascínio que existe entre o visível e o invisível, é o nada. O nada não é visível, nem é invisível, é uma simples imagem. Eu não vou mudar por ver. Ver não sou eu. O silêncio não vê a alma. Escuto a alma dentro de mim. Não sei qual o infinito do céu e o do mundo. Para mim, tudo é apenas infinito: feliz. Escuto as lágrimas do vento a despertar o amor pela vida, adormecido em mim. É impossível clarear o sol com a imagem do céu, o olhar clareia o céu. Sangrando por dentro de mim, estou livre para viver a minha solidão. Adeus. O adeus sem sonhos não é um adeus. Meu corpo é meu mundo. O adeus é o fim da plenitude, não o meu fim. Foi dando adeus a mim, perdendo a alma, que me tornei minha vida. Mas, mesmo assim, não me sinto eu. A alma aperfeiçoa o meu não eu. Sinto falta do nada. O não eu é a minha reflexão, como o mar descendo suave na rocha. A alma do mar são as pedras se unindo pelo mar, pela natureza, a enfeitar o céu, as estrelas, para esquecer seu amor, sua imensidão: tudo pelo infinito. O tempo do infinito sou eu a viver. A vida sofre ao amanhecer. O adeus ao corpo deixa o céu subtendido. Estou cheia de intenções: estrelas devem amanhecer. O corpo do outro é o meu corpo, e meu corpo é a subjetividade do outro. Não é somente subjetividade, é vida, o amor na solidez do nada. Meu corpo não pode provar ser um corpo. Sente-se um corpo, não sendo. A abstinência do corpo é a realidade da abstinência. O corpo é a diferença entre o ser e o nada. A vida não lembra de mim, não preciso que lembre. Nada necessito da vida, além de escrever. Escrever substitui a vida. Sinto falta de escrever escrevendo. A morte me mata para ficar com meu amor, minha vida para ela. Abri meu corpo para morrer sem sentir. Amo como se fosse a vida a amar. Amar como o mar e as estrelas. Amar sem o infinito, no infinito. A distância da vida é o sol apaziguador. Costurei-me sem dias vazios, me sinto remendada em vazios extremos. Mãos de sol, na chuva do tocar. Abandono a alegria para ser feliz. Afundo em mim para vir a superfície de mim. Sou apenas uma imagem.

O emaranhado do amor (se mostra confuso)

Meu corpo é levado sem a morte, flui como se fosse eterna. Essa morte: ela alimenta a alma. Se acontecer algo com a morte, tudo será vazio. Vazio é o esplendor do nada. O primeiro dia do resto da minha morte vai ser pior que a morte: vai ser eu sem ser eu. Serei apenas a minha morte para depois ser meu corpo. A falta de vida é o amanhecer caído em meus braços, a dar a sua vida à vida. Assim, o amanhecer torna-se vida.

Fixação na morte

Fixação na morte para lembrar de mim, nada mais há entre mim e o amanhecer, por isso lembro de mim. Conhecer o outro, que somos duas inessenciais, eu e o outro, poderíamos existir um para o outro, mesmo separados em nós mesmos. Imagino o outro em mim, me faz viver. O perseguir do pensamento ao ser é o não saber ser, nem na morte. A alegria morta é um fardo que carrego. Não quero deixar a alegria morrer completamente. Vê-la sofrer assim, nem parece ser a alegria que eu amo. Quase morri por ela. Agora eu estou fixa na morte para sobreviver. Para que sobreviver? Deus vem da minha alma, eu o amo. Minha vida está tonta em suas desinformações. A vida não é o que é: é muito mais do que é. O outro não pode ser meu olhar, é fuga de mim. A única lembrança é o olhar. Mãos não lembram o corpo, mãos nunca saem de si, são sempre mãos. As mãos são a leveza insustentável do ser. Minha alma flutua na terra como a vida que vai nascer. O corpo não é o amor que sinto. Não é o corpo que preciso, e sim da morte. A morte é meu corpo, minha alma, meu ser.

Desprendimento da morte

Tenho pena de quem não ama: por isso me desprendi da morte, me rendi à vida, mesmo a morrer. Isenta de sonhos, morri sem sonhos. Minha alma é eterna no amor de quem ama. É impossível amar sem sonhar. O céu lembra os amores impossíveis, o amor perdido, o amor reconciliador, o amor que condena, o amor que sofre, que se condena. Não se pode perder o amor, por mais imperfeito que seja, torna o céu mais lindo, perfeito. Sinto falta do céu, no desprendimento da morte. Entre mim e a morte não há mais nada, apenas silêncio e saudade da morte, de morrer. Toma meu corpo, morte: sempre foi teu. A falta de sorrir é a alma no céu. A morte é sorrir eterno. Nada impede o sorrir de viver. Não pergunto por mim, pela existência das coisas, pergunto pelo céu, pelas estrelas, no que posso fazer pelo céu. Entrei no céu em poesias para penetrar em pensamentos do céu. Sem o céu as estrelas não ficam perdidas, são o amor que eu tive um dia. O que me falta me preenche de estrelas, longe do sofrer. Se eu perder a falta, perco tudo. O céu é pouco para Deus. O tempo é o ficar do vento, sem realidade, sem liberdade. Fica em mim, tempo, como meu único pensar, para eu compreender a eternidade pelo sorrir de quem me ama. Viver ou não é sempre o mesmo amor o que sentem por mim, onde não há esquecimento. O sorrir é a lembrança eterna que a morte destruiu. Até tenta sorrir, como se fosse uma lembrança para toda sua morte. A falta é uma lembrança interior que dura um único suspiro. Se o interior são apenas faltas, como não necessito do exterior? Existe mundo interior? O que importa é que existe céu, onde o interior e o exterior não existem mais. Mas existe morte, existe Deus.

Criar eu invento

Invento-me no criar que invento. Clareou o céu branco de cinzas. O céu é o novelo de Deus, se desfaz como Deus. É raro amar em Deus. Invento o criar para me inventar, como tua eternidade, vida. Não me deixe, eternidade. Tenho eternidade: não preciso de mim, de alma. Quero apenas você em mim, minha eternidade: te incorporei: no meu silêncio, na minha presença, na minha ausência, na minha voz, na minha poesia, no meu tudo, no meu nada. Como falar do meu respirar, se não o sinto? O tempo irrespirável um dia vai respirar minha morte e o azul do céu vai cobrir a minha morte de bênçãos. Unida na morte, nada vai me separar de mim. Estarei em mim eternamente, é mais forte que eu. Apareci para a minha ausência. Ela é minha morte absoluta: a pior das mortes. A ausência destrói o céu. Uma coisa é o que sou, outra coisa é o céu, que nunca serei. A alma faz do nada uma verdade. Há verdades desconhecidas. A vida é uma sensação. O sofrer cessa todas as sensações. Nada vive na minha ausência. Para a ausência, não existe vida. A alma um dia terá uma imagem, cor, cheiro, vida, se torna irreconhecível. Algo treme em mim sem alma, sem encantos, sem sonhos: esse é o pulsar da vida.

Renúncia em contemplação

Contemplo a renúncia como um sol que partiu do mundo, da vida, sem saudade do amanhecer. Partiu ao ficar. Se eu me perder, terei os meus fragmentos de volta. Renunciar é negar a alma. Tem sorrisos escondidos na alma que me tornam eu. O que vi em mim sem mim? Vejo-me sem mim. Como a alma se vê? Como eu a sonho. Não sei se vou ficar muito tempo na alma: se dependesse de mim, nunca mais retorno, nunca mais fico comigo. Fico apenas na alma, esperando o fim ou o começo de mim, mas que exista vida, entre a luz e o fogo da solidão. Entre a água e o fogo do amor a vida é eterna. A eternidade é a imagem do fim. O fim persegue o nada. O nada sai do fim, o fim sai do nada. E o céu transborda emoções. O fim da alma é o céu.

O nascer e o morrer da ausência

O nascer e o morrer da ausência são o mesmo ser em mim. Minha alma é minha alma, se a vida existir. Se a vida não existir, minha alma é de todos. Todos que vivem e os que não vivem mais são a minha alma. A vida não pode dar conta da existência. Deito na minha alma, durmo em pensamentos. Nada na alma é viver ou morrer: é regredir transcendendo. Alma, deixou-me vazia ao escutar a voz do abandono. Precisava escutar para existir. A alegria faz do abandono uma eternidade. O deslumbramento de nada ver é a alma. Torna tudo visível sem ver. Não me libertei do invisível. Quando é sincero, há existência no visível e no invisível. O nascer e o morrer da ausência são o meu olhar, sonham ausentes. Vou me resolver na ausência: é pior do que morrer. Assim, na morte não pensei na ausência. Sou sofrida de paz, de presença. Presença de tristeza: minha alma.

Céu despedaçado

A paz do nada é sem tempo, em um céu despedaçado de tristezas. O nada não é tristeza: é alegria. Mesmo assim, sofro pelo nada, sem o nada de mim. O sofrer da perda da ausência é sem céu: mesmo assim, realiza coisas boas: surgem no nada da consciência, como ondas do mar. O sonho é o vazio da consciência. A consciência para, sem o vazio, é o fim de nós juntas. O olhar me dá o que a alma não pode me dar. A pureza é o nada na indecisão do nada. O céu se desdobra em estrelas. O mundo se vê em estrelas. O mundo se perdeu do ser. O ser pode retornar ao nada. A ausência é a essência do ser. Tudo se vive sem essência. Viver na essência é um tiro no escuro. A possibilidade de luz é como riscar a vida com minha dor. Criar luz na luz é poesia.

Ódio ao nada

O nada não me esvazia, por isso tenho ódio ao nada. Meu ser, ao sofrer, não é mais um ser. De alma em alma, vou me esquecendo, cedendo ao nada. A eternidade, tão invulnerável quanto a falta das minhas mãos, mãos que nascem poesias. Partir não é ausência. Decifra-me em ausências misteriosas. Faz nascer a luz divina em Deus. Apenas Deus vê pela minha escuridão. A luz do sol é perda da ilusão, perda de ver. Ver é ilusão que se abraça a si mesmo. O véu esconde o véu como um sol a surgir. O ódio ao nada fez a vida ser só. Não tenho como me esconder do esconder. Falta alma para eu surgir ou desaparecer. A falta da alma me tira do abismo infinito de mim.