Blog da Liz de Sá Cavalcante

Uma realidade menos morta

A morte tem que ser o nada. Se a única realidade é morrer, vou viver! Viver até que a realidade se perca no meu viver, que torna a realidade infinita, como um pedaço de papel que se vai com o vento. O vento da realidade é o pensamento. Eu queria ser os pensamentos da vida. Ser eu é não pensar em mim, na vida, deixo o pensamento escorrer como sangue para não escorregar no pensar. Pensar é um pensamento da alma. O balançar do amor embala a alma. Não sei o que vai ser de mim na alma, mas sei o que vai ser de mim em mim. A morte não tem nada de morte, mas sua realidade está morta, dentro do céu, que perdeu a sua realidade para Deus! Deus não é uma realidade, é espírito. O corpo sai de dentro da alma para construir outro corpo para a realidade nascer do amor. A vida não pode fazer do tudo o nada. O nada não nega que é nada, nem mesmo nega para a natureza morta. A realidade morta é uma natureza viva: esse é o encanto da poesia. Tudo morre como a sombra de Deus. Ninguém tem o sol nas mãos, mas o tem na alma. A liberdade do sol é o meu olhar. Meu olhar se torna sol do sol. As minhas mãos são uma realidade viva. Pelas mãos, pelo tocar e ser tocada, nasce meu corpo. O corpo ganha vida. Uma realidade menos morta não me deixaria tocar o céu, nem sonhar, não me deixaria ser eu. Convivo melhor com uma realidade morta, onde sei amar, ser, conhecer-me. É por onde a realidade da poesia desaparece, para eu ter outros sonhos, outra realidade. Apenas a realidade morta não é imaginada. Pela realidade morta, liberto-me da poesia, não há mais o que sofrer, viver, estou tão morta quanto a realidade. Somos duas mortes numa única irrealidade: a de viver. As mortes buscam mais a vida do que as pessoas. É preciso valorizar a vida, por isso, torno minha vida útil: ensino a sonhar, assim como me ensinaram a ser eu. Tudo passa, a morte passa, o amor fica.

Pensar da alma

É inesquecível a morte, está no meu respirar, na minha aflição, no meu ser, no meu destino de não parar de respirar, de morrer. Respirar é morrer. Pensar na alma oculta o respirar de mim, mas esqueceu de esconder também a lembrança de respirar. Respirar me torna só e a lembrança de respirar é pior: é morrer lembrando que morri.

Lágrimas do tempo

Não há ser na impermanência da vida, há apenas as lágrimas do tempo, que se constroem sem a vida, há apenas o nada sem a solidão. A solidão que eu vivo não é a mesma que existe. Apenas a impermanência permanece como certeza que a vida existiu pela impermanência. Alegria, a impermanência da tua alma é minha vida, que alimenta o vazio de amor, amor que é impermanência de ser. Há algo na impermanência que não me deixa morrer, como se ela fosse meu sorrir. A impermanência muda de impermanência. Tudo aparece na impermanência: então, não existe o aparecer. Mas a distância do aparecer existe como sendo minha alma.

Fim

Se o amor tivesse fim, seria amor ou o fim do que existe? Como dar um fim ao amor, se o que penso é amor? Como pensar em algo sem amor não seria morrer? Inexistência é o sol nascer sem palavras. Mas não vou pensar no fim.

Sentimento à flor da pele

A alma me protege, protegendo-me com meu morrer sem me dar amor. O sonho de ver nunca se realiza, sonhar é ver como se sonha, onde não compreendo as coisas que são reais, são insignificantes como o azul do céu, que não se perde na noite. Nos teus olhos, o céu é solitário no meu sorrir. Mas meus lábios não sorriem, é você que os vê sorrir num céu de positividade, de possibilidades. O que sonho não são lembranças, são sentimentos que penetram o céu, indo ao céu. Sonhar não me custa nada. Não faço esforço para sonhar, amo o que sonho. Sonhar não me faz sorrir, me faz viver. O sonho me tem noutro sonho. Sonhar é ter esperança que o sonho seja apenas um sonho. Eu não sou apenas eu: sou meus sonhos! Nasci de um sonho? Sei que nasci a sonhar, amando o desconhecido. O silêncio harmoniza as palavras. As palavras não existem sem o silêncio. Aprendi a viver no silêncio do pensamento. Eu, para o silêncio, não sou nada: nem a ilusão do silêncio eu posso ser. O silêncio é meu ser nele mesmo. Sem o silêncio não há ser, não há amor. Tudo se transforma, nada é.

Imensidão do nada no infinito

Chorar alivia a alma até a imensidão do nada, onde a alma sai de si em busca do infinito do nada, na imensidão do vazio. O infinito é ausência de alma dentro da alma. Fora da alma nada existe. A inexistência do mundo é a alma. O nada cessa a alma. Amo a vida, não posso vivê-la. Amo até a falta da vida nas minhas poesias. Um dia minhas poesias serão vida. A vida vem e vai, em instantes vazios como o amanhecer. O vazio são os instantes que não foram perdidos em poesias. Foram encontrados sem poesias. As palavras fogem da poesia, assim como o sol se esconde em nuvens. No ficar da poesia, o sol é eterno.

O esplendor do nada

O ser não pode transformar o nada em nada, mas o nada pode transformar o ser em nada. Tudo merece ser dito à alma, pois a alma não tem segredos. A falta do nada é a angústia a viver no esplendor do nada. Para desfazer os segredos da alma, é preciso ser imortal. Inspiro a morte e aspiro a imortalidade no mesmo amor. A morte não sabe criar, por isso, desfaz o nada, que é a criação absoluta de ser. A negação, o negativo, é um amor que todos gostariam de ter. Então por que é tão difícil dizer não, se o não afirma meu ser? A existência é um não inexplorado. A força do esplendor do nada é como o não que não consegui dizer, mas eu o amo. A alma, amortecida sem o nada, é a solidão do nada.

Harmonia

Como se não bastasse minha alma, eu tivesse que morrer pela harmonia da alma. O medo de morrer me faz ter alma sem a harmonia de morrer. Não acredito ser só, como se não tivesse amor pra dar. Eu confiei na harmonia de morrer. Tudo suponho ao morrer. Morrer como sendo a falta de você. O instante de ser não cessa ao morrer. Morrer como se o fim fosse apenas morrer.

Sem relação com o nada

Escrever é muito mais do que ser: é não ser nada, e mesmo assim sonhar, amar, escrever, até que a realidade se mostre para mim! Mostre-se como uma escrita da minha escrita. Quero mais da escrita: quero que ela defina o infinito pelo meu corpo de palavras. Mas, no infinito, não existem palavras nem definições, apenas o som do amor a refletir no nada, sem palavras. Nada está em nenhum amor, e mesmo assim é amor, onde vejo apenas amor. Não procure amor no amor, deixa fluir até nos arrebentarmos juntas, já sem corpo. Somos agora apenas dor que bem podia ser nossos corpos a sofrer. O amanhecer recupera nossos corpos ou serão nossos corpos que recuperam o amanhecer, que não desaparece com a vida, mistura-se com a vida em fragmentos de luz? A vida não é frágil, falta-lhe luz mesmo com a luz do sol.

Transformei-me em cinzas da solidão

Lembrar é desconhecer. A ausência procura a alma no seu esquecer. Transformar minhas cinzas em solidão, como sendo um sopro de vida. A alma é o nada da vida. A imagem verdadeira não tem vida, é apenas aparência do possível, que se realiza na morte. Concretiza a morte, e a morte lhe abandona. Nunca vejo quem morre, percebo que o olhar torna a morte refém dele. A realidade é a invisibilidade do mundo na minha alma. Sendo, não existo. Existo apenas na realidade de ser, a irrealidade é a minha morte. Para a vida, minha morte faz falta: ela é o céu, as estrelas. É o meu sonho. Acordar para uma vida de morte, queria apenas adormecer como uma luz que sonha.