Blog da Liz de Sá Cavalcante

Harmonia

Como se não bastasse minha alma, eu tivesse que morrer pela harmonia da alma. O medo de morrer me faz ter alma sem a harmonia de morrer. Não acredito ser só, como se não tivesse amor pra dar. Eu confiei na harmonia de morrer. Tudo suponho ao morrer. Morrer como sendo a falta de você. O instante de ser não cessa ao morrer. Morrer como se o fim fosse apenas morrer.

Sem relação com o nada

Escrever é muito mais do que ser: é não ser nada, e mesmo assim sonhar, amar, escrever, até que a realidade se mostre para mim! Mostre-se como uma escrita da minha escrita. Quero mais da escrita: quero que ela defina o infinito pelo meu corpo de palavras. Mas, no infinito, não existem palavras nem definições, apenas o som do amor a refletir no nada, sem palavras. Nada está em nenhum amor, e mesmo assim é amor, onde vejo apenas amor. Não procure amor no amor, deixa fluir até nos arrebentarmos juntas, já sem corpo. Somos agora apenas dor que bem podia ser nossos corpos a sofrer. O amanhecer recupera nossos corpos ou serão nossos corpos que recuperam o amanhecer, que não desaparece com a vida, mistura-se com a vida em fragmentos de luz? A vida não é frágil, falta-lhe luz mesmo com a luz do sol.

Transformei-me em cinzas da solidão

Lembrar é desconhecer. A ausência procura a alma no seu esquecer. Transformar minhas cinzas em solidão, como sendo um sopro de vida. A alma é o nada da vida. A imagem verdadeira não tem vida, é apenas aparência do possível, que se realiza na morte. Concretiza a morte, e a morte lhe abandona. Nunca vejo quem morre, percebo que o olhar torna a morte refém dele. A realidade é a invisibilidade do mundo na minha alma. Sendo, não existo. Existo apenas na realidade de ser, a irrealidade é a minha morte. Para a vida, minha morte faz falta: ela é o céu, as estrelas. É o meu sonho. Acordar para uma vida de morte, queria apenas adormecer como uma luz que sonha.

A poesia do devaneio

O tempo é apenas simbologia, não vivo do tempo, vivo de mim. Deixo a poesia se manifestar. Ela é minha alma! A irrealidade existe como tempo. O devaneio é o que vejo, que toma conta de mim, quando vejo a alma. Preencho-me, pois nada existe. Acima do adeus, apenas o vento que derruba o céu em poesias.

Corroendo-me (desgastando-me)

Constituir-me corroendo-me é não ter medo da alma. Ter alma não é ser. Ser é agir no momento certo de agir. Não sei o que é agir e o que é alma. O desejo de ser alma me impede de agir. Nada floresce desde que existe alma. O instante de morrer é sem morte, por isso, morri. Morrer é necessidade vital. É a necessidade vital que faz morrer. Morrendo, aprendi que o nada de ser não faz parte de mim. Nada espero da morte, isso é morrer.

Nada de ninguém no aparecer

Nada de ninguém no aparecer. O aparecer é morrer. Morrer como se algo aparecesse. Aparecer é a espera da vida, não do aparecer. O aparecer do olhar não mantém a vida no seu aparecer. A vida se mantém sem aparecer. Para o ser ser, ele precisa não ser para aparecer como aparência. A aparência é duvidosa. O ser transfere o infinito de sua morte para o não ser. Assim, o não ser é capaz de ser.

Âmago (parte mais íntima da essência)

A essência não é íntima de si mesma. Raspando o amor em mortes, recupero mais do que a essência: recupero o saber. O saber na essência. Não há respostas no saber: a resposta é não saber. O amor não se ignora, mesmo que saiba de si. Eu me persigo, tenho essência! É como se tudo pudesse ser para que falte em mim. O olhar, falta que condena, sem escuridão. O ar da noite são meus olhos, em busca de ver o nada sem a vida. Afastar a realidade da realidade. Para mim, a realidade é apenas ficar comigo. Prefiro o irreal do que ficar comigo. Na falta da falta, tenho a mim. O âmago do irreal é o ser que eleva a morte nas alturas, sem enaltecer a morte, apenas a tornando o que é. Mas o que é a morte sem mim? Não há essência no âmago da essência. Há algo melhor: a morte. Nem a morte tem o poder de Deus. Na vida ou na morte, Deus é o mesmo. A consciência é o nada para o vazio. O nada faz eu me parecer com meu nascer. É tanta morte, tanta dor para esquecer, que é melhor não esquecer. Já me senti morrer tantas vezes, que fiquei inerte, isenta de dor. A dor consola a realidade. A vida seria pior sem a morte? Deixa o tempo me dizer no seu tempo, no seu amor. O tempo é a inexistência do consolo de viver. A inexistência da sombra na imagem é o ser, que isola a falta de imagem numa aparência fugidia. Tudo desaparece como ser, não como imagem. O tempo é a delicadeza do vazio, fica suave às mãos, como se eu segurasse o tempo no vazio e deixasse escapar a realidade, sem mãos frias. Relaxando no irreal, onde te procuro, vida, nas minhas mãos, no corpo, na alma, no amor, na despedida. As mãos se despedem do vazio, se soltam do corpo até morrer. Minhas mãos são o meu corpo. O corpo é igual à alma no amor. Mãos se deixam levar sem corpo. As mãos são a incomunicabilidade com a alma. Se as mãos tocassem a alma, o céu não existiria. Tocar na alma é como flutuar no céu. O céu são flutuações da alma. Há lembranças que surgem no céu da minha vida. O céu é um espelho, onde todos se veem sem ver. O que sou é como me vejo no teu olhar. O céu não é o depois, o antes é a intermitência do ser, onde surge a vida em intervalos de nada no amor, que era a beleza do ser de ser. Cessou sem intermitências, assim a vida é só intermitência (intervalo). O céu é a pausa de Deus. Controlo a morte com a minha morte. Pausa no amor, na vida, para chorar pelos mortos, sentir suas mortes como se fossem a minha, por isso, agradeço ao amor, a pureza do meu amor. O caderno é o meu mundo, escrever, a minha vida.

O inusitado da morte (fora do comum)

Inusitado é encontrar a alma apenas quando eu morrer. Tenho que cumprir a minha morte. Quero que encontre minha morte como coração seco a sangrar. A realidade transforma a terra em poeira ao vento. Descortinar meu eu, aparecendo pra mim. O ser não é diferente do passado a acontecer no futuro. Há muito em mim para morrer. Morrer é o resto de nós. O sono é o despertar da morte. Ausência sem dor é morrer distante da própria ausência. Algo gruda na morte, impregna o ar. A morte é como o transpirar eterno: é esse frio de morrer que mantém o amor. Estou me partindo dentro de mim, sem morrer, assim, não posso me dividir com o nada. O mínimo que posso dar a morte, é minha alma. Dando algo à morte, estou me dando vida também. Escrever vai me perdendo. Nada perco na morte, ela me dá o que perdi ao escrever: minha alma.

A degradação do nada

Muito amor sem alma, sem vida, sem amanhecer em mim. Quero amar o amor ainda vivo. O que se pode reprimir se pode amar? No amor queria ser tudo para o amor. Mas amor é tudo pra mim. Eu não renuncio amar. Para mim, se o amor me sorrir, já sou feliz. O amor começou na minha alegria, concretizou-se no sofrer, na ausência. Foi quando percebi que o amor é mais do que eu pensava, ele me tornou humana: me ensinou a sofrer, a ter o amor em mim. Assim, percebi que sofrer não é amor. A ilusão do que não sofri me ajudou a sofrer. Sofrer é o único pedaço de mim que permanece como vida em quem já morreu. Saudade cura. Perder alguém para a vida é me esmagar sem me deixar morrer. A alma é o retorno à morte do meu ser. Morrendo, deixei minha morte vazia. O espelho é a alma do ser, o ser é a alma de Deus! Deus não pode preencher minha morte comigo morta. Deus é forte com a morte e frágil em nos ver morrer. Eu deveria morrer por Deus, não pela minha morte. Assim, até o nada cessa para não me ver morrer. O amor resiste à morte, por isso morreu. Tentei rezar pela morte, não consegui, enlouqueci. Fui maior do que eu mesma, fui além de mim, mas não rezei pela morte. Mesmo assim, nada mudou em mim, continuo frágil como uma flor. Nada me diminui, nasci frágil. Amar é conseguir ser frágil no outro. Apenas assim me sinto forte. Se a morte é o nada, como tenho lembrança da morte antes de morrer? A lembrança de morrer não cessa, não acaba em morrer. Ela continua fazendo outros viverem. É como se nunca ninguém tivesse morrido. Tudo fosse apenas este momento de vida, que não é além de mim. Então consegui pensar na minha morte como sendo a oração que fiz para a morte. Morri tranquila nos abraços da morte. Descobri que a morte é sensível, me preparou para viver e morrer em cada palavra. Nunca estive tão perto da poesia, como agora que morri, sonhando ainda mais, falando mais, amando mais. Que o inacreditável aconteceu: perdi meus filhos poemas, mas, conversando com Deus, percebi que a poesia era uma parte de mim clandestina, que ela se encontrou longe de mim. Converso comigo tentando me conectar com ela. A poesia ganhou luz própria, e eu perdi minha luz. Nunca tive luz, minha luz é a poesia. Sem ela vivo na escuridão, mas ainda tenho a vela da saudade. Poderia criar. Tenho medo que a vela apague. Não posso criar uma poesia substituindo por outra. Decidi não escrever: estou dividida com tanto sentimento, tanto amor. Por que não pode me amar? Foi assim que não desisti da poesia, de amar, de ser eu!

Solidão perfeita

Nesta solidão, amo mais do que o amor, do que a vida. Não sofro por mim, e sim pelo que foi perdido em ser. O destino, a morte, solidão perfeita. Perdi a morte como se perde alguém. Não há morte no meu amor. É inacreditável amar sonhando como eu amo. O ser de si mesmo é apenas ausência do nada. A alma está no que foi perdido em mim. A única maneira de deixar a alma é ser alma.