Blog da Liz de Sá Cavalcante

Rouquidão dos instantes

Na rouquidão dos instantes, os instantes não são vazios nem solitários, pois não sei o que o outro pensa. Os instantes preenchem o nada, o vazio. Ninguém quer ser apenas um instante de vida. O tempo quer morrer; o vazio, o nada, já morreram: e essas perdas não me fazem viver de instantes. A rouquidão dos instantes me fez perder a voz num lindo sorrir de amor. Cada amor foi perdido sem a rouquidão dos instantes. Tenho que fazer da fala dos instantes a minha rouquidão. Entre o falar e o não falar, existe a rouquidão dos instantes, que não pertence à fala ou ao silêncio, pertence apenas às palavras. A palavra é um ser. Palavra é tocar a alma, torná-la concreta com o meu tocar. Tocar a alma no vazio de ser, como as palavras que as preenchi, por respirar as palavras que não são palavras: são amor. O amor, perfeição do mundo, da arte. O dom é expressar livremente no que sou. A falta permanece como alma, mas a alma não são faltas: é uma plenitude, preenche a vida. Longe do fim, perto de Deus. A falta é como descobrir o nada no que me falta. Almas tentam viver, fingindo existir, mas, em algum momento, a alma tem que se entregar à morte. Desde então, não vivo. O tormento é a explicação da vida. Deixa as flores, o mundo, os animais, as pessoas se entenderem pra cuidar de nós. Nem tudo são flores. Mas, às vezes, coisas boas me deixam triste. A fé é a morte da ilusão pela realidade da fé. A fé entristece a alma. Tudo que desfaz a alma está morto como a alma. A alma cessa quando ama, por isso não adianta tentar matar a alma. O silêncio é sem alma. Ter alma é não dizer adeus como digo alma. O interminável da alma é o fim que não sinto, ninguém sente. Quero, por isso, morrer com os olhos abertos para a alma.

Noite de sol

A essência da noite de sol é o despertar do amanhecer, sem ilusão de viver. A lua cheia desata estrelas da realidade de nós. Pela vida, vejo estrelas, no céu, apenas mortes, plenitude. O outro eu em mim era apenas o céu, mas as estrelas cessaram o céu em mim. Foi quando percebi que eu sou eu sem o céu, sem as estrelas. Sou apenas este ficar comigo que vai além do céu, das estrelas, por uma noite de sol, onde meu pensar é o que é triste em mim, como se eu pudesse alcançar noites de sol, numa melancolia tão profunda, que tudo amanhece como se eu pudesse ser amada por ti. Ler as almas é ficar cega por todas as almas, todo o amor. Leio minha alma com determinação de vida e de morte. Flor da mágoa, ilha do sol, da solidão emprestada pela alma. Ser só é deixar de ser como alma sem poder ser alma.

Alma sombria (não exposta ao sol)

A alma precisa de sol, não do ser. A tristeza ficou no lugar de morrer. O que tenho para ser vivido na vida ou na morte é apenas o meu ficar só que não pode ser sufocado dentro de mim. Dentro de mim, o adeus não é o sopro de um adeus, é apenas solidão. Queria ser livre como as flores até em morrer, como se isso tornasse a vida uma presença real no meu corpo, que não somente é lembrada como morte, como também não tem o seu adeus.

Chão de estrelas

Sou triste, as estrelas não estão nas minhas mãos, mas estão no caminhar do chão até mim, que parei não por andar, mas por pensar. Meu rosto são sonhos de alma. Minha pele, realidade da alma. O sentimento do mundo é uma única estrela que modifica a vida. Como revelação, desmoronei no sono de viver.

O costume da vida é morrer

A liberdade é o céu. Não há céu na minha morte. Eu faço das estrelas o céu dos meus sonhos, onde nunca faltam estrelas. Pelas estrelas do sonhar, tenho o céu inteiro em mim. Não adianta viver de estrelas. As estrelas diminuem o infinito, sonham pelo fim, amando como se fosse o começo, onde posso dar início ao meu fim. Sentir o fim sem sonhar é morrer como um sonho. O lado elevado de morrer perde-se em pensamentos fúnebres. O pensar morre antes de ser, existir.

Realidade viciante

O nada interior da vida não alcança a realidade de ser só. A tristeza cessa vivendo. Viver é ter a realidade para mim mesma. Pensar me faz voltar a mim na saudade de ter sido. Ser não é ter sido.

Puro amor (para pai)

Ver na essência a vida do amor. Como me falta ver. A eternidade dá sua luz, sua vida para o sol. A separação do ser e o nada é como a luz do sol. O afastamento do céu, único preenchimento que me faz triste. Nada pode tornar a ausência do céu um céu. Você, céu de todas as estrelas, num amor tão infinito, que sozinho me deu a vida.

O desconhecer do amor

O amor desconhece o que é ser em seu viver. Demorar em mim, solidão eterna, onde não há talvez, nem há depois. Apenas o tempo revela eternidades vazias, que rompem com o silêncio interior para sentir a noite a dormir comigo. O silêncio acolhe a alma em sonhos. O tempo são sonhos tirados de mim, como o silêncio que me emociona e sai de dentro de mim para a vida. Para ver a consciência é preciso estar inconsciente, como um resto de luz que se apaga. Crescer é saber usar a inconsciência. A vida é o começo de mim. A alma é diferente da consciência por morrer. A alma morre de si mesma sem prejudicar nada ao redor. Sem a consciência não existe mar, nem existe vida. A alma ameniza a morte com a falta de consciência. Minha ausência é um ser sem mim, mas não é outro ser, ainda sou eu, com ou sem ausência: o absoluto não existe.

Conexão da alma com a vida

Pelo pensamento exigências não são pensamentos. A consciência é a conexão da alma com a vida. Minha boca, poesia que não sorri, pois o sorrir desfaria a poesia em meus lábios, que não se escreve, nem se lê. Vou morrer para ler meus lábios. Quero morrer pela certeza de viver. A eternidade de morrer é o sopro da vida no vento, como um resto de lucidez, que sacode o vento. Sopro dentro de mim a morte na vida, mas ainda não é a eternidade de ser só que dá vida aos meus lábios, me faz falar de amor. Amor sem ser eterno não é amor.

A singularidade da vida é a sua própria emoção

O amor não é absoluto como a minha vida. A morte torna o amor absoluto, como a falta de sorrir, falta que faz o olhar para si mesmo sem mim. Faltas são o amor tentando viver. O fim é a essência em mim, assim como o sol tem o céu nele. O infinito não pode durar mais do que o amor. A ausência é por onde penso. A morte é o ser que falta dentro de mim. Caminhos são escolhas de Deus. O mundo jamais terá o céu de Deus. Tarde demais para amar: não há mais morte, apenas ser. O ser sem a morte é o nada. Tenho medo de acender a luz da vida.