Blog da Liz de Sá Cavalcante

Culpa por existir

Abraço a vida, por culpa de existir. Essa culpa me movimenta, razão de eu partir antes de eu não viver mais com a culpa de existir. Mas partir é existir partindo, onde a alma se dissolve em lágrimas. Ver a vida é culpa de existir. A vida é tão pequena no meu olhar, que tem gosto de eternidade. A eternidade é o amanhã de Deus.

Desnorteamento

Por mim, eu esqueceria o tempo que se foi, como uma estrela a descer do céu, para o céu se refazer de tantas estrelas. É preciso cultivar a dor na saudade, para que o amor seja tão essencial quanto as estrelas no céu.

Não é preciso nenhuma presença, nem mesmo a minha, para deixar de sofrer

A alma torna o nada alegre, pela intimidade feliz de ser só. É como se, pela solidão, nada mais fosse só. Só, não preciso me imaginar, sonho comigo, como poesia, não preciso saber como sou, quem sou, quero apenas sentir a poesia, e minha inexistência se perderá na minha morte, como um céu de poesia a me escurecer por dentro da noite. Voando sem asas, sem liberdade, apenas para conquistar o céu e morrer na escuridão.

Dividir o infinito

É melhor cessar o infinito do que dividi-lo em várias pessoas. Tudo que é bom tem fim. O ruim é infinito. As almas de quem vive são mortas, as almas dos mortos estão vivas. Ninguém amamenta a alma do nada, a alma do nada é um abismo de luz, que cresce no olhar defeituoso do amor. Vivo para a vida, jamais para mim. Como viver para mim sem o sofrer da vida dentro de mim? Apenas a bondade faz o bem sem precisar de amor. Amor é fácil, difícil é agir com bondade, como se a frieza do silêncio congelasse a alma no calor humano. Ninguém me impede de escutar a alma, da mesma forma que não impede a vida de viver. A vida é um instante, em que luz e amor se confundem, esclarecendo o céu pela sua escuridão. Escuridão que vi se iludir, na luz do nada, onde apenas o silêncio conduz à luz da alegria, com a nostalgia de um abraço. Iludi-me sem ilusão. A ilusão de quem morre é querer morrer mais ainda. O ser tem várias mortes, para morrer uma única vez. Eu vi a morte abortar a vida dentro de si, para ser morte. No início de morrer, há muitos sonhos, que morrerão apenas se a morte morrer. A morte rouba meus sonhos, mas eles existem apenas em mim. A realidade é feita de tantos nadas, que, lógico, é boa, é real. Assim, dividi o infinito com todas as realidades, menos a minha, que precisa de um fim. Talvez esta seja a realidade de ser feliz: aceitar o fim como um pedaço de mim.

Conquista de morrer

A determinação do ser é a indeterminação da alma. Ilusões infelizes me preenchem, ficam eternamente na alma, obedecendo cegamente ao passado. É como se o passado fosse eternidade da vida a me matar. Morre, alma, sem eternidade, mas me deixa viver o passado no não vivido. Não é apenas a vida que me separa de mim, é tudo: a vida, a morte, a eternidade e até eu mesma. No fim de nós duas, a vida nascendo, de uma eternidade maior do que a vida, de um amor perfeito, supera o próprio amor, como se pudesse invadir o céu de amor como invadiu o meu coração de amor, até pelo que desconheço em viver, já amo, pela força de desconhecer, o que posso conhecer, apenas sem o amor. Assim, conquisto a morte, vivendo cada vez mais, com a certeza de que não vou morrer: aprendi a sorrir, a amar, a ser feliz. É como viver pela primeira vez, com o consentimento da vida, de eu ser feliz. Alegria é o fim desejado no não ser de mim, que acelera meu coração, minha alma, na existência da vida a cessar. O que vai ser de mim? Vou ser feliz!

Mãos que curam pela invisibilidade do ser

A consciência tira de mim o que ainda sou, como se minha insensibilidade em existir fosse mãos que curam. Não posso pedir nada à vida, ao amor; que eu seja permanência da vida, do amor, onde existir apenas morte, dor. Desistir de ser, num eterno morrer, como se o céu fosse descoberto nas minhas mãos, eternas de poesias. A invisibilidade é cura da alma pelo ser que existe apenas na invisibilidade da alma. Ausência é o ser sendo descoberto. O ser não tem nada de ser, é apenas onde o nada pensa existir, pensa ser, mas nem o ser é. O tempo continua pela inexistência do ser. A vida é o ser que falta em ser. A vida é o fim do ser, a morte é o renascer infinito de mim. O renascer não tem eternidade, tem palavras de eternidade. As palavras, consolo para a eternidade, de que a eternidade não desapareceu completamente, ainda existe nas palavras. Sorrir em palavras é mais do que pude sonhar, amar. Aproveitar o nada, enquanto ele existe para mim, como o amanhecer mais lindo, pleno. A imagem se perde em mãos que não conseguem tocá-la. Se as mãos a tocassem, a imagem seria apenas mãos, que, de tanto curar, as mãos adoecem. As mãos da fala é o silêncio, é o que perco por falar, amar, existir.

Adeus de glória

Sentindo falta da minha ausência, não percebi o adeus de glória, que abriu caminhos, salvou meu amor do desamor e ressuscitou a alegria. O adeus a mim foi a glória do meu espírito, uma vitória em cima do meu sentir. Um abraço é mais do que o céu, mesmo eu a morrer num abraço, onde a minha morte é meu único céu, meu único fim. Serei fiel até o fim ao meu fim, não em glória, mas no meu sepultamento. Onde meu corpo virou flores da minha tristeza, morte da morte, onde a única certeza da minha vida foi morrer por cima do meu corpo, para não perceber a dor do meu corpo e sofrer apenas pela minha alma, onde não tenho tempo para sofrer por minha morte.

Júbilo (alegria)

Não se deve perder a vida para alguém, e sim para a vida. O espírito foi substituído pela consciência, até se tornar consciência de mim. Triste te ver assim, consciência, numa palidez sem rosto. Vida, sei tudo da tua alma, pela minha inconsciência. O tempo quer o olhar da alma, como realidade da vida. Ao abraçar a ausência, não me importa mais viver. Viver é a ausência absoluta de mim. Preciso permitir que minha alma encontre a vida, mesmo que não me encontre mais, eu fui apenas um meio de entregá-la à vida, para que a vida agora tenha forças de ser eterna como o seu amor.

Unir-me e afastar-me sem me afundar

A morte é a realização do meu ser, une-me, afasta-me, sem me afundar. Torna unir e afastar a mesma coisa. A minha presença não me torna um ser, mas não pode me diminuir. Eu sou grande no que faço, mesmo assim não existo. Existo apenas como tua ausência, por isso sou feliz. A alegria não me torna um ser; sentimento não é ser. Ser é perder a si mesmo para ter a vida. A vida foi embora como alma, deixou o meu ser em mim. Eu, que queria apenas que a vida existisse, mesmo comigo morta. Afundo-me em ser, mais do que em morrer, assim a solidão é eterna em mim, como sendo a única coisa que vive em mim, por mim, no meu sofrer.

Deslizando na alma

Deslizando na alma, na certeza de nada ser, por isso posso ser alma. Luz, na tempestade do ser, faz-me deixar de ser alma, sem desabar no nada da alma. A alma não convence o amor de que é bom ter alma. Tudo é apenas deslizar, apenas a eternidade do nada, fazendo-me sorrir onde tudo é triste. Enfim, não estou só.