Blog da Liz de Sá Cavalcante

Nadificar o nada

Como tornar o nada nada sem fazê-lo ser nada? Viver o nada é amar com alma. A alma é o nada que meu ser quer ser. O ser não pode desaparecer se unindo ao nada, que construiu o amor antes de todos. Satisfazer o nada é viver a eternidade do nada, é o meu olhar. Não consigo reagir à alma, ela me domina, como se o nada não existisse, ele existe para eu não pensar nele, mas o sinto, como se abrissem meus pedaços, como se também fossem nada os meus pedaços, que não consigo uni-los se eles não forem este nada, que nada quer, por isso tudo quer. O silêncio é a vida do ser, que engrandece o nada, mesmo sem ele ter alma. O que salva o nada é a dor. A alma modifica a vida. Meu futuro é o nada sem o nada. O que fazer sem o nada? Ficar sem o nada não me exclui da vida. Mas sinto a falta do nada no meu amor. Assim, surge um nada, além do nada.

Pálida por sonhar

Sem cor, pálida por sonhar, imagino como seriam as palavras dentro do sonho: não haveria poesias no amor. Viver do que está morto, enterrado, é ter sonhos que superam o próprio sonho. Desde então, nada é impossível para mim. O que está morto não morreu para mim: prefiro sofrer. Sofrer diz muito da vida, mesmo com tudo morto. Morto por sofrer? Não aguento guardar o silêncio da alma como se fosse a minha vida. Nunca sentirei algo além desse silêncio, que nunca será viver. Sinto-me útil sem as palavras, como se as palavras me roubassem a alma, com a gratidão das perdas que renunciam o silêncio da morte, com meu amor pelas perdas. É tanta beleza rara em morrer, queria me ver assim: nua de vida, como se eu nascesse das minhas cinzas. Palavras são minha cor, que é desbotada ao ser descoberta. Ser ou não ser depende das palavras. Palavras é tudo que nasce e pode morrer como um sonho. As palavras significam morrer, antes de a tua ausência ser minha alma. Nas palavras, as ternuras amanhecem e anoitecem em mim, sem deixar marcas, fica apenas a alegria de não me calar a quem me escuta com amor.

Vida inextinguível (impossível de destruir)

Apenas o nada sabe o que é uma lembrança. O verdadeiro não se sente verdadeiro. A consciência demora a surgir, como se esperasse o sol ficar dentro dela. Mas o sol é apenas a esperança de ter consciência. A consciência serve como alma. O silêncio é ferido de morte pelas palavras. A voz não é certeza de existirem palavras. A voz é a falta de palavras. Eu renunciei a distância do vento, das horas, pela eternidade de sofrer. Antes que eu perca esse tempo, distante das horas, vou morrer, como se houvesse tempo nas horas. Sofrer pela distância de mim é não ter essência em mim. A distância vive por mim o nada que eu sou, para deixar de ser distância e se tornar uma realidade distante, como a força do amor, que transforma a distância, o amor, no abismo de mim. Coloquei flores no abismo, para afundar sem o abismo, talvez isso seja percepção de viver por mim como vivo para os outros. Posso dar adeus à morte, sendo a minha morte.

Um salto para a eternidade

Respirar o céu, por um instante, faz-me sentir a eternidade do meu amor. Às vezes, não sinto a eternidade do meu amor, sinto paz. A paz é como se fosse a eternidade mais adiante. A ausência de memória me protege de ser. A ausência do ser e a eternidade, juntas, não podem morrer. A ausência não me deixa esquecer, até eu me despedaçar como uma lembrança eterna. A eternidade não cabe na lembrança. A lembrança vale mais do que a eternidade. A lembrança não quer ser eterna, quer ser amada, distante da eternidade de ser. Há eternidades que duram menos que a morte. Deixa a eternidade encontrar seu fim. A eternidade é o silêncio da alma, fortalecendo as minhas palavras num adeus vivo. O adeus morre quando se parece com amor. O adeus é o sempre de cada um. Eu vivi distante do teu adeus, como um sol que não sobrevive à dor. Amanhecer é a única dor visível, real. É preciso coragem para esquecer que a eternidade está mais perto de mim do que o céu. Há lembranças que são mortes perdidas dentro de mim, que precisam ser encontradas antes que eu morra concretamente. Se eu desse um salto para a eternidade, sofreria, preciso sentir meus passos na eternidade, essa é a razão de eu sentir. Não sintam por mim o que eu posso ainda sentir em mim. Preciso aprender a amar só.

Monotonia

A carência de alma é por onde a monotonia é segura, no sossego eterno de amar, que esclarece a falta de alguém que amo apenas no pensamento. Meu pensar me distancia de ti, e me sinto feliz de tê-la no pensamento na forma de um adeus. A distância cessa a carência. O adeus é uma maneira de esconder o que realmente existe em ti. A ausência se faz existir sem ausências, sem amor. Não existe amor ausente. A ausência é um recomeço de ser, como uma luz que invade a certeza de viver, como o sol a cessar a paisagem, digna de ter sol. A dignidade do sol é a escuridão. Pareço abraçar a escuridão e suspirar com o sol. O sol aquece a alma do amor. Expandi meu ser no nada, na solidão, que quer me dizer algo, que escutarei ao morrer. A solidão é o fim da monotonia de conviver. Tudo é monótono, até o amor. Eu sorri para mim, foi como se me desejasse em silêncio, para afastar de mim essa vontade de querer, é apenas uma vontade, não é querer. Querer é não ter vontade. A vontade torna o querer diferente de ser. Tive muita vontade, nenhum querer. Querer é a única realidade, que não foi esquecida pelo seu real. O destino não é real em mim. A vida foi como abandonar a falta de mim, para uma vida melhor, uma poesia tão perfeita, que me faça chorar de alegria. A única alegria é a poesia. A alma não é eterna, é dor. Ao partir, torna-me a dor de seu amor. A única coisa que ao tocar fiz viver e me fez viver foi a alma. Inundando a alma de pensamentos sombrios, ainda é minha alma. Alma, minha maneira de te esquecer para sempre, onde a minha lembrança é apenas alma.

A falta não me impede de ser

A falta não me impede de ser nesta falta o que sonhei. Não amar a alma dentro de mim é não ter faltas em mim. O ódio vem da diferença do corpo e da alma, inseparáveis em morrer. Percebo o corpo pela alma. Acalentar a alma sem palavras é absorver a alma, num sentimento inexpressivo, frágil, que me fez sentir a alma de forma intensa, como nunca tinha sentido antes. Senti-me inteira de solidão, como se fosse morrer. Mas não me sinto morrer só nesta paz divina. Sinto-me morrer com minha força de esquecer, onde não estou só, estou sendo eu em morrer. Um pouco de vida faz mais falta que a vida toda. Por viver, sinto perder meu corpo, perder-me por viver.

É certo chamar de morte o que não é vida?

A vida nunca aparece, mas existe, como o desaguar do sol no fim do mar. Nada existe para somente viver. Existo para manter o sentimento do pensamento de sofrer. Sofrer nunca é suficiente, mas é o bastante para entender quem sou eu no sofrer. Não quero o fim do infinito, como se eu não pudesse alcançar o céu. Tudo se demora pelo céu, até o céu é uma demora de existir. Existo mais do que o céu, do que o teu adeus. O adeus, tão perto do amor que deixou, não pela solidão, mas pelo partir. Partir deixou pedaços de partir no esquecimento de amar. Amor, que podia ser, esquecer-te. Aparecer no desaparecer de viver é a luz do sol. A luz do sol não é o sol, sol é mais do que luz, é acender a alma, sem a ilusão de viver. Viver é se arriscar, sem a ilusão de ser. O tempo é o amanhã inexistente da alma, que ilumina a escuridão do infinito. O infinito do meu olhar é sombra da escuridão. A alma é a escuridão do sol. Apenas a vida é o fim de um olhar, sem ter tido chance de amar a alma. Não posso amar a alma por mim, amo-a pelo infinito, sem o ser. O infinito, fim de um olhar, é uma resposta do infinito para a vida, para o amor. O que surge sem amor depende do ser. A solução do amor é um problema para a alma, que não quer que a vida se resolva, que o amor se resolva. O amor depende do amor, não do ser. Para ser feliz, é preciso não ter amor. É certo chamar de morte o que não é vida? Desde que seja com amor, é válido, é prazeroso escutar uma voz no meio do nada. Desde então, tudo se escuta como a voz sendo alguém para a morte. Eu substituí o nada com minha morte, com a alegria que devia ter sido, que, por isso, sou feliz. Nada pertence à alegria. A alegria de perceber que a morte não pode partir é como abraçar a vida. No interior da vida, ela já morreu. Mas, para o mundo, para as pessoas, ela continua viva, nascida do nada. Depois da vida, não há mais o infinito, se o ser tiver que viver, será viver o seu fim. O fim é a proximidade do ser, como precisando mudar, para morrer melhor. Tudo continua por morrer.

Resiliência na dor (suportar)

O ser não pode ser sua própria realidade, não sofre por sofrer, sofre pela resiliência, que nada suporta do seu ser. Serei este ser ou estou criando um ser dentro de mim. É insuportável ser, cuidar da vida, mas, ao cuidar do outro, deixo de lado o insuportável de ser. Palavras são gestos de vida, articulados na fala, com medo das palavras. A inexpressividade é a alma. Há almas que se desprendem da morte. Apenas a morte conhece tanto a alma, que pode deixá-la com uma alegria de quem amou um dia, um amor de morte, mas é amor, incapaz de raciocinar por mim. Eu não escolho palavras como quem escolhe um filho. Quero, ao menos, sofrer em paz, como o canto dos pássaros.

O olhar do olhar no silêncio de depois

O olhar no olhar, do silêncio de depois, é puro ser, que silencia o nada do nada. O mar se preenche no silêncio da falta de ser, mistura-se com o murmúrio da ausência em palavras. O olhar desaparece no mar, a vida desaparece no mar, o ser não desaparece, aparece ainda mais. A ausência é essencial ao amor. Não há amor sem o silêncio da vida. É o silêncio da vida que me ensina a amar. Dormi no som do silêncio, deixando a vida escapar. Minha voz se perdeu no infinito sem fim, sem som, nem silêncio, apenas a perda de nós, e minha capacidade de amar, fluindo num silêncio sem fim, do esquecimento do fim, que fala mais do que qualquer palavra, é quando sei que é o fim.

A verdade não erra

Existe alma, mas não existe alma para a alma. A verdade não erra, mas morre sem a eternidade, fica apenas a sinceridade do que existi na vida, como se toda existência fosse vida. Tudo se perde ao existir, como um raio de sol no meio da noite. Sinto a noite, como eu a me recuperar sem ausências. Contigo, dor, a ausência resplandece na presença da vida. Sou responsável pela minha morte, isso me torna ausente de morrer, pelo pavor de morrer. Nada me faz viver mais do que o amor que sinto, é para sempre, é mais infinito que o infinito. Dura somente enquanto eu morrer.