Blog da Liz de Sá Cavalcante

A vida não percebe o meu perceber

A alegria é o absoluto, como se fosse a alma a me dizer: fica. Fiquei apenas por este momento de ficar. Permaneci mais do que a permanência. Aprendi a sofrer. Sofrer é dizer sim à vida. O ser nunca está só, pensa. Pensar ocupa meu ser no meu ser, distrai a realidade do meu pensar. Amo um ser que é inexistente em mim, por isso, a alma não acredita que eu sinto. O sentir em mim pela alma torna a alma o desprezo de mim. Meu ser é diminuído pelo pensamento. O ser não pensa quando tenta pensar se destrói. A alma se encanta com o pensar. O amor basta para amar? E se o ser já nasceu como amor? O que falta no amor, para que ele aconteça? Como tratar o amor? Escrever é amar por mim mesma. A morte não cessa meu dom de escrever. Não consegui escrever sobre o silêncio, ele está dentro de mim. Amar o mar em silêncio é concretizar-me num sonho. O mar não quer que eu sonhe nele o que ele quer sonhar em mim: é mais do que ser, é a vida tornando-se mar. Perco os sentidos, não deixo de pensar no mar, que responde minhas insatisfações. Deixei meu amor no mar, como se eu fosse amanhecer. Quero fazer do mar um encontro com Deus: isso é mais natural que o mar, no mar que se vê infinito, pois assim quer parecer. Não sei o que o mar vê em mim. Assumir o sol, por causa do mar, é amor infinito numa tristeza infinita. Me deixa brilhar como se fosse o sol. Ficar só, como se eu fosse incendiar de solidão, que solidifica o amor, me enfraquece sem tristeza, como se eu pudesse ser feliz. Quero ao menos viver este instante, como se fosse a última poesia a despontar no azul do céu, assim, o azul do céu é para sempre céu, é para sempre azul. O céu não se perde no infinito de ser. Quem sabe que amo a vida como se fosse o azul do céu? O tempo eternizado pelo céu, não precisa contar os instantes. Pensa em mim pela luz do céu, iluminando Deus com meu simples amor.

Nada nasce do que pode existir

O mundo que caiu aos meus pés não é o mundo que conquistei. Deus, me deste o mundo, mesmo assim, deixou-me chorar só. Não procuro escuridão ou luz, procuro a mim, como se a escuridão fosse a distância do céu. Persigo a luz, aproximo-me do céu. Assim, fiz do desfolhar, do fim da eternidade, o meu ser.

Extremidade

Pelo sol, amo. O sol necessita das estrelas, que não são sonhos do céu. Escondo-me na luz para não ver a vida. Seria necessário um esforço mais do que humano para viver. A vida, sem esforço, não é vida. Nada tenho sem esforço até a imaginação, é esforço do meu sentir. Sentir me faz esquecer de mim. Eu nunca sonho como o sol: eu deixo o amor chover em mim. Não importa se a vida existe, para mim, ela existe. A consciência não é consciência, é o nascer do nada se expondo ao infinito mortal. A alma é um desamparo de tanto amor. Rio, pedra, mar, é a mesma vida, o mesmo amor. Meu ser não depende de ser, pode ser qualquer coisa que não é. Ser algo é para principiante. A luz que não posso ver é escuridão, que me transforma em realidade. O sonho é a realidade de Deus: é Deus! O desassossego de sentir a alma é o cessar do amor.

Limitar a realidade à vida

O ser, extremidade da vida, começa a limitar a realidade na vida. A vida, realização de um sonhar. Vivo dentro de um sonho de amor, espero não acordar. Mas e se acordar for a continuação da vida? Vivi o sonho sem sonhar: foi como se algo fosse acontecer por um sonho. Lágrimas são mortes que necessitam secar, para murchar o tempo. Assisti a minha morte como um filme verdadeiro: pelo seu fim. A morte partiu no meu chorar, fiquei só, nem minha inexistência me fez companhia.

Sombra da morte

A sombra da morte, oportunidade de viver. Você aparece, eu amo, como se descobrisse a eternidade de viver. Por que o amor não pode ser apenas eternidade de viver? O que me faltou por amor? O céu, as estrelas, não são eternos: são um espaço em branco, que vou preencher de amor. Nada se subtrai do amor. Ver com olhos de amar é nada ver. Há lembranças que fogem sem ver, não conseguem fugir de si mesmas, veem a si mesmas, não veem que faz parte da vida. Tudo são apenas lembranças, será para sempre apenas uma lembrança. Mas, ao morrer, as lembranças se tornam vida. A alma de uma lembrança é superior à minha alma. Não sei viver como escrevo. O superior à vida torna a vida transcendente. Não há vida na transcendência, a vida transcende mesmo assim. Transcender é irreal. Nem mesmo o ser ou sua alegria podem dizer o que é esse instante, não é de vida ou de morte, talvez sendo de ser este instante continue em nós. Não evito a realidade: torno-a luz, mesmo ela querendo ser a escuridão. Não esqueço a escuridão com a luz. Nada nasce na luz. Proteger-me da morte é meu fim, que não precisava morrer comigo. Morro apenas no silêncio cortante de viver.

Silêncio rasgado

Vou embora deste partir, me partir ao meio, por isso não estou só. Eu escuto a morte sem dor, na morte, estou salva do silêncio que me oprime na morte, o amor flui, transcende na alma. Seja o que for a alma, confio nela. O amor, tempestade que aumenta no sol. O sonhar é o que é possível em mim, no nada possível de ser eu, nesse tudo que é a vida? Nada é eterno no saber. A morte é compreendida como ela é. A vida não é compreendida como ela é. Tento fazer da vida o meu fim. A vida é apenas vida. Nem mesmo a morte é o meu fim. Palavras são o infinito do fim. Morrer, como se a morte fosse sem palavras. Morrer não depende do fim, e sim de mim. Escorre o saber nas águas puras da vida. O silêncio precisa ser rasgado em vida, não em morte. Posso ultrapassar a morte até meu ser, e o silêncio não ficará rasgado, torna-se paz.

O luto da vida é pior do que o luto da morte

É preciso aprender a viver e a morrer, com o mesmo sentimento de permanência, sem eternidade, eu sendo minha permanência na vida e na morte. O esforço de não permanecer é a falta do não ser em mim. O medo preenche os espaços vazios, a vida, a permanência, é apenas medo do que sou. Não sou forte, não sou frágil, sou a permanência que escolhi para mim. Um dia, tive que abandonar minha permanência, era ela ou eu. Descobri algo melhor do que permanecer: o amor. Aceito um pouco a morte, e o medo de morrer se transformou em ausências, em sonhar, por isso morri parecendo viver um pouco ainda pelo meu sorrir.

O valor da vida é a sua inexistência

Primeiro a morte, depois o silêncio que traz a morte de volta. A morte voltou sem o silêncio necessário para morrer. Fiz mais que morrer, falei da aflição, fiz-me viver. O mundo se calou no meu viver. Quero viver mesmo sofrendo. O mundo se tornou minha vida, mesmo em silêncio, que tortura para o mundo, apenas me escutar, lembrando-se dele mesmo. Reiniciar-me, fazer da minha escuta um novo mundo. Sonho conversar com o mundo. Meu interior conversa comigo, o mundo, cada dia mais mudo, de tantas realidades indizíveis, que não fala para si que me ama. Mas, quando a realidade se torna mar, poesia, ausências felizes de mim, percebo que a realidade me ama em silêncio.

Sou quase um ser

Sou quase um ser, mas minha existência convive com meu quase ser, como se fosse um ser. Não há nada mais perfeito que um amor infinito no finito. Decepção pura, por onde vejo a vida. Esqueci o conhecer que não conheço, desde então vivo de amor, alegria, como se conhecesse o desconhecer, e apenas através de mim ele fosse meus sonhos que conheço apenas sonhando. Não que não possa sonhar pelo que já conheço, mas sonhar com o desconhecido é infinito, é melhor ainda. Sonhar atravessa a solidão naturalmente, torna-a feliz. São tantas solidões sem nenhum mistério para alcançar. Mesmo assim, amo a solidão, com sua previsibilidade na minha imprevisibilidade. Sinto ter a vida em mim pela solidão eternizada, como a delicadeza de uma flor. A morte entra no meu corpo, sai da minha alma, por isso não morri, como as velhas poesias que escrevi, pois são coisas sentidas há tanto tempo, que se tornaram eternas, inesquecíveis, como se eu lembrasse do meu nascer pela sua ausência. Abandonou-me se abandonando, agora a saudade, o amor, abandonados, querem meu abandono. No abandono, tornei-me mais do que um ser, tornei-me eu.

Não há diferença entre viver ou morrer

O silêncio são duas pessoas juntas em um saber eterno. Falar é apenas uma, que nada sabe. Mas falo o que sei pelo amor, minha fala é silenciosa na alma. A sombra é a vida, o sol é a morte. Vou afogar o mar na alma. É impressionante entrar na água, como se entrasse na morte. Os espaços vazios são como a água a derreter sem o sol. O sol é fonte de água pura. O céu, reflexo do sol, refletindo o nada do amor. Um sopro de vida a se soltar da vida, fazendo-me existir. Existir é ruim no meu ser, é a falta do sol.