Blog da Liz de Sá Cavalcante

Sobreviver

No sonho, o sonho pode não ser a realidade de sonhar. Sobreviver como um sonho escapa à vida. A solidão de quem vive é sonhar. O tempo é a solidão de Deus. A morte não é diferente de sua realização. Tudo que a morte realiza, ela se torna. Deus é apenas Deus, não é substância ou matéria: é o que tem que ser, que é Deus, mas é humano também. O fim do amor é a alma, por isso sobrevivo à alma, como se eu não pudesse regressar a mim. O conforto de morrer é como se fosse a lembrança eterna de mim, mais viva que o sol. O sol não consegue mergulhar no mar, mergulha na terra, onde não há lembrança. Se o mar fosse a minha alma, ela seria infinita, parecendo com o infinito de te perder. Ninguém sabe se morreu, mas sei quando entro no mar sem alma. É sempre a alma o fim do mar, do pertencimento, da ignorância de ser feliz. Nada se parece com a alegria do mar. A alegria do mar é legítima. Mas é difícil ser feliz como o mar, fazer de cada despedida alegria. Afunda o mar em ausências, não me vejo no espelho, vejo-me em mim, e assim o mar retorna, sendo eu. Nada restou do mar: restou apenas eu. Atingir o amor com o amor é uma deslealdade com meu espírito. Não existe pele para sobreviver, mas ainda existe o meu ser, sem vida. Lutar contra mim é lutar contra o outro, contra a morte, contra a vida, o amor; a espera acaba com esse “contra”, fiz-me ser pela espera de mim. Sendo amada, minha alma está mais vazia. Não me importa o que acontece, importa-me o vazio. Alcancei o fim sem morrer. Não há limite na morte. Lembrar é não morrer. Lembro-me de cada detalhe da minha morte, sem eu ter morrido.

O amor é infinito quando morre?

O que morre com o fim, para o amor ser infinito quando morre? O corpo se divide em alma, onde muitos corpos fazem parte do meu corpo. Se não há lembrança, ainda há meu ser. Existir não é lembrar, é ser, sendo a lembrança boa ou ruim, conseguir abstrair o ser na lembrança. A falta da falta é abandono.

A vida cessou por amor

A ausência é o tempo, o que resta do tempo é a presença. O tempo desaparece dentro da sua alma, continua ausente, como se a vida lhe pertencesse. Por isso, o tempo se sente sem a vida, mas percebe que é vida pela sua ausência. O tempo é ausência de vida, por isso é a vida. Gastei o tempo nas próprias palavras do tempo. O tempo são palavras que a poesia desconhece. A poesia é o tempo do tempo, individualidade do nada da poesia. Nada substitui a falta de realidade. A ausência é presença de realidade. A realidade é carência da alma, onde a vida cessa por amor. Escrever é o silêncio da alma, faz-me ter alma, mesmo sendo uma alma ausente, por ter a vida ao seu lado. O silêncio escondido é como a vida partindo, mas partindo na esperança de voltar. Mas voltar é a única presença de alma. Alma é apenas retornar. Por isso, não tenho medo de partir, tenho medo de retornar, como se eu tivesse encontrado meu destino na falta de retornar. É solitário retornar, é como uma luz que se apaga no fim do que sinto. O fim do que sinto é este retornar, por isso não retorno, sinto.

O adeus da ilusão é morrer

Sou sonho dos meus sonhos, corpo do meu corpo, alma da minha alma, sem a ilusão de ser eu. Submergi à vida, eu e o nada afundamos na morte, pela morte. Amo a morte, carregando-a comigo, como um sol criado pelas minhas lembranças de claridade. As lembranças de luz obscurecem o meu ser, como a falta do passado, que necessita morrer, mas não consegue. Isolando a morte num sossego de alma, faço de me repetir o meu fim. Meu ser precisou conquistar a falta de morrer morrendo, onde a minha alma se ouve na minha morte, que é a vida de alguém. Ter fé é morrer sem fé. O nada dá vida à morte, ela não é mais o fim, está banalizada. Capto mais a morte do que a mim. A aparência do silêncio é real, deixa a morte sem aparência. Por a morte não ter aparência, tudo vejo como sendo a morte. A morte não está na morte, está nas lembranças, no que não pude amar. Amar é sofrer. Sofrer sem amor não é sofrer. Amo apenas para poder viver, é devastador amar. Teu olhar é minha ausência, não precisa do infinito para ter um fim. Deixa o infinito sem ausências, como o infinito sendo sua própria presença, sendo o fim na própria presença. A presença não sabe se impor ao fim que dedicou a si. Pelo fim, sua presença se tornou sua falta, falta do fim da sua presença, que deixou a falta de alma ser plenitude, eternidade vazia, numa plenitude sem fim. A morte quer que eu viva distante de mim. Não aprendi a morrer, mas tudo aprenderia com a morte. Como me calar? A morte falaria por mim, e minha alma sussurrante teria todo o silêncio do mundo para morrer sem escutar minha voz na voz da morte. Não é o fim: é o entendimento de viver. Se eu falasse, não haveria poesia, nem haveria mais silêncio. Mas aí eu não mais iria existir. Tornei-me imperceptível, na fala, no silêncio, no amor. Saber de alguém é como saber de mim. O silêncio do espírito não é profundo, é a despedida da alma, sem morrer, para que eu me despeça morrendo, para um dia ter sido eu. Morri na ilusão da alma, que não estou só.

A ilusão da ilusão

Nada mais será vida nesta permanência. A permanência não me faz feliz, a morte não me faz feliz, e a vida é meu único sol de alegria. Um dia, a vida será a permanência do meu amor. Mas ainda serei feliz? Será que basta ser feliz para viver? A ilusão é um mar calmo, tranquilo: como a saudade de ser. Eu existo para me afastar de mim, como um resto de sol a brotar da escuridão do teu sentir. O perfume da morte, única lembrança; eu respiro morte, solidão. Tua ausência me mantém viva, até tua presença me abandona. As coisas se vão, sem nenhuma lembrança minha. Volta, mesmo que seja me abandonando, e o sol e a vida serão apenas ausências possíveis. Nunca mais minha presença sairá do meu amor: ausência de um sonho. O adeus a mim é o único sonho que sonhamos juntas, sem o corpo, a alma, o amor. Não deixarei meu ser sem os sonhos que não tive. O tempo constrói o espírito de alma. Sou o que sonho, como se tivesse o que sonhar. Sonho, pois não há alegria sem os meus sonhos. O perfume da morte é uma oração da vida.

Certeza

O nada se rasga sem pele, abstrair o nada como certeza de que a vida existe. Quero ter certeza do nada, que o nada e o ser tenham a mesma vida. Uni-me com o nada, desconto no nada o nada da raiva que não consigo ter no nada. O nada preenche. Vida, sou tua alma, vou te ensinar a viver. As incertezas são o infinito no mesmo infinito, que esquece o depois no amanhecer. Não sei como deixar a vida viver em mim, ser sua alma é pouco. A alma nunca amanhece.

O inesperado

A vida é um sonho, o sonho é a realidade sem mim. Acordei sem alma, num sonho eterno, que não é morte, é apenas a dor de morrer dentro de mim, a latejar no respirar da vida. Se a vida respirasse apenas por mim, a vida perderia seu significado, não haveria o que buscar na vida; meu amor, minhas poesias seriam inúteis. Minha imagem me foge, para que eu exista e possa morrer noutra imagem, noutra luz.

Suportar a vida

Sensações são vidas perdidas em mim, para suportar a vida sem o agora. Perder os sentidos é recuperar as sensações em mim, como se eu retornasse ao nada, de onde não devia ter saído. A lembrança de viver surgirá na minha inexistência. Meu interior é minha inexistência, o amor é minha morte.

A poesia nasce de si mesma

A poesia nasce só, de si mesma, eu sou apenas o coração da poesia. Não há possibilidade de ter alma pela alma. O céu é partir da morte, numa alegria eterna. Nada me separa da morte, nem mesmo a morte, que é morte no mundo e no céu. A morte não me distrai do meu viver num céu de tormento. O céu chora de dor por todos, quem chora pelo céu? A morte é poesia, é inspiração, é arte, aconchego. É esperança. A poesia é massacrada sem morte. A morte da poesia são as palavras, a poesia não precisa de palavras, mas de amor!

Estímulo

A lucidez é leve, como se fosse desmaiar, não pelo corpo, mas pelo que viveu. Dormir é ausência de alma, onde o ser é ele mesmo. A inconsciência de despertar destrói a vida. A alegria é a ausência do nada, como se a ausência do nada não fosse real, mas é. Morrer, como se eu visse Deus, para retornar ao meu olhar, ao meu amor, à minha vida, que me salvou da tristeza, da clausura, do isolamento do meu corpo. Sou apenas alma, que se espalha no vento, multiplica amor, assim não vou morrer: vou ficar encantada de nada ser, sair dessa prisão de ser, envolver-me de sol, de vida. Contagiei-me em viver, como se eu fosse a luz do sol, tudo ilumino com amor.