Blog da Liz de Sá Cavalcante

Quando a alegria se torna dor

O acúmulo de morte fez surgir a vida na morte! A única ligação entre a vida e a morte é essa alegria, que não é de viver, nem de morrer! É alegria que vem da alegria, de um descontentamento feliz! Como se ele tivesse culpa de ser triste! Quando a alegria se torna dor, ela é feliz de verdade; quando a alegria é te olhar, me entristeço! Alegria não pode ser apenas te ver! Eu fiz da alegria o meu corpo, minha alma! Esse vazio de não ser o nada transcende na alma, numa alegria deformada por ser eu! Mas a alegria de ser eu, mesmo deformada, faz eu acreditar na vida e conseguir dizer adeus ao impossível, amar o possível como se fosse impossível! Possível ou impossível, o amor se firma no vazio, no nada da falta de mim! Não há nada nesta falta de mim, nem saudade, nem lembranças, apenas esse distanciar eterno de ser alguém! Às vezes me fala quem tu és pelas lembranças tuas, que nunca serão minhas lembranças! Meu coração é o teu esquecer! A alma ama o nada, da mesma maneira que ama o tudo! A morte dentro de mim não é igual à morte lá fora! A morte sem mim, sem o meu interior, não é morte! Renascer é pior do que morrer! Não tenho dentro de mim esse renascer, esse amor, essa essência! Meu amor, morto por sofrer. Não há paz sem dor! A visão se esforça para ser o que é, e para ver o amor como amor, no amor. O amor me impede de viver! Eu amo, pois a vida não existe, nem existe para quem ama! A morte se destrói, mas eu não me destruí, cessei de ser, por deixar de ser para a morte! A morte é uma maneira de perceber que não existe vida! A vida se foi sem morte, sem a saudade que pensei que ela sentisse de ser, ao me ver! Olhar é ser só, viver só e me fazer só, na continuidade das coisas! Só é ter alguém só, para mim, dentro da minha alma! A amargura é um modo de me esquecer no meu sentir, onde não sou mais só! A vida é a maior arte feita por Deus, onde o ser não era necessário, mas é visível na vida! A existência do meu ser, o descanso da alma é morrer, sem nunca ter sido! O amor não é amor, é uma maneira de deixar a solidão mais leve: presença eterna no olhar da morte! Meu olhar e o da morte não se encontram, vivem de se encontrar pela escuridão. A escuridão torna meu olhar e o da morte um único olhar, que cega a vida, sem ser cegamente a vida, ou a esperança da vida. A esperança da vida é morrer, para tornar a esperança concreta, onde não importa se há vida, faço da minha esperança uma vida, mas uma vida que não pode ser vivida por mim, mas pode ser vivida pela esperança! A vida numa esperança também é morrer, apenas a esperança não morre só, leva nosso amor junto dela! Há esperança para o amor, ele continua vivo, marcado pela ausência de esperança! A ausência de esperança já é uma esperança, que, um dia, eu saberei como ser amada por mim mesma! Minha esperança me ama, mas eu não me amo! Sou a sombra da minha ausência. Minha ausência tem mais esperança do que eu! Nada criou a esperança, ela já existia sem vida, sem esperança, sem teus abraços solitários! Eu emendei uma esperança na outra, esqueci que a esperança é única em cada um! Dei a única esperança que tinha ao desprezo. Então, me tornei alma, para estar além de mim, além da minha esperança, para aprender a ser sozinha!

A dor me refez

A dor é pela dor, estar na dor não refaz a dor em meu ser. O amor isola o ser no seu amor, ele esquece de viver amando. Esse esquecer é o próprio amor! A dor me lembra sem mim, para que eu sofra em mim o que não consigo sofrer sem mim. A dor não tem necessidade de motivo para sofrer, nem a dor é motivo para sofrer. Dor é ter a vida tão perto, que sofro. Apenas a vida. Estando perto, sinto a distância da vida, como uma maneira de não sofrer. A distância afasta a morte da morte, jamais do ser. A morte não se fez morte, estava lá como morte, assim como o sol está como dia. Irradiar a morte em luz, sem precisar da escuridão, é deixar de morrer. Escrever não faz da morte o que ela foi um dia: inspiração da alma. A paisagem, desaparecendo num deserto de sol, modifica o tempo, sem precisar morrer. O que tiver sido a morte será como se a paisagem pudesse morrer. A paisagem é a morte personificada. Não sei o que fazer da vida, mas há o que fazer pela morte. A morte é uma paisagem sem mim, que se perde no infinito dos meus olhos, para eu ver as coisas como são. O indefinido não é mais indefinido, é definido, sem perder a vida, o amor, que não é só morte, adeus. Uma tempestade de lágrimas rompe o instante de morrer. Morrer é uma paisagem dentro da paisagem, onde tudo é eterno, basta olhar para minha solidão, para perceber que nada se perde, tudo é eternidade de ser.

O vale das lágrimas

Entre as montanhas, o desnível de amar, duas montanhas, separadas por nenhuma solidão, apenas o destino unido às montanhas, no meio do nada, sorrindo em mim! Esperando o sol nascer sem dor, com as mãos do destino soltas, como montanhas ao vento, tudo se dissipa pelo vale de lágrimas, mas o destino sorri, não triste, mas resignado em sua pureza, que dias melhores virão.

Transcender sem morrer

Transcender sem morrer é viver, é viver eternamente, como se o transcender se dividisse nas águas do morrer. O sol vai mergulhar nas águas do morrer. Sem o amanhecer, o morrer é vazio.

O que é o amor, que existe apenas como alma?

Se o amor existe como alma, o ser é inexistência desse amor, que parece existir na alma, apenas a transcende. Transcender transmite o vazio. Transcender a morte, suplicar o vazio inexistente sem mim. Transcender é meu próprio ser, além do além. Neste transcender, não sei se ganhei ou perdi amando, sei que, nesse além, fui além do além, além do transcender. Esse além é a busca eterna de morrer, sem conseguir: nasci morta.

O corpo pode a alma?

A alma não teme meu ser, nem a profundidade. Ela vai sugando a profundidade que agora não é apenas ser, é alma. O corpo é o declínio da alma, de tudo o que sei da alma. Desconheço a alma no meu corpo, ou será a alma o corpo a pesar no meu corpo? Tão pesado meu corpo fica na alma que flutua, esquecendo toda a alma, toda a dificuldade em amar. Para você, vida, sou só um corpo velho, cansado; para mim, sou mais que um corpo, pois ainda tenho forças para amar. Cega da alma, mesmo assim vejo sua luz, a ofuscar o meu sentir. Não há dor que suporte a alma, a alma não teme a dor. Não sei o que é da vida e o que é da alma, mas sei que alma e vida se encontram em viver. A alma me diz como amar, como viver nela, pois me ensina a ser alma. Existe para que eu saia dela, sem ficar em mim. Em mim, eu pensei que a alma seria eterna, mas a eternidade é sem alma. A morte afunda o abismo em que me coloquei. Não há nada que substitua a morte, que saia de dentro de mim sem morrer. O corpo pode continuar sem alma, para que eu possa morrer, liberta como uma flor, a desabrochar sem atenção de suas pétalas. O corpo deixa de ser, para amar, se comunicar com a alma, e perceber que ainda existe alma no amor.

Como a vida torna-se vida?

Morri sem o perdido em mim. Nem tudo é vida, nem tudo é morte, às vezes apenas é. Não morrer é morrer mais ainda. Apenas a morte não desbota na consciência de te ter, solidão. Por causa do tempo, perdoo a vida por existir. Um tempo sem vida, que me acolhe. O tempo sem a vida é o amor. É o jeito de não permanecer. Fazer da permanência solidão é uma maneira de morrer.

Vida por escolha

Quem escolheria na alma o que ainda existe em mim?! Choro por me dar a mim da mesma forma que estou vazia. Mesmo vazia, preencho a vida com meu vazio, que não é só, é vazio, oco por dentro! Mesmo assim, podia não ser vazia, mesmo sem escolha, me dar a mim ou a alguém: é mais fácil que decidir entre ser e não ser! Mesmo não sendo eu, me sinto eu por amar! Por amor, deixei de amar, admirar, idealizar a vida para vê-la como ela é! O corpo sem a alma é imortal. A imagem da alma é a vida! O nada é lindo na beleza, da ausência, que substitui a realidade, e a irrealidade nas coisas: o real e o irreal delas nunca mudam, mas o sentimento do ser muda, dependendo da realidade ou irrealidade, que me cerca! A falta do irreal é a falta da vida, do meu ser! Caminhos mudam seus destinos, mas o ser não pode mudar seu destino! O destino do olhar é a solidão. Meu ser não é só do meu olhar, do ser, é ir além do olhar, é caminhar pelo vazio do pensamento, me separando do corpo, da alma, não de ti! O corpo sem corpo quer definir como a alma deve ser para sua inexistência! Existir é fácil, difícil é deixar de existir pela morte! Sou capaz de tudo para morrer, até mesmo transcender sem alma, sem a atitude que o vazio me dá! Chega de sonhar com o amor, vou amar, até que o amor me ame! Vida, não posso te fazer feliz a vida, entregue ao sol que não amanhece, à escuridão do céu que necessita de estrelas. A vida continua pelo céu, por mim, mas não continua pela minha ausência! Vejo a vida acabar, mas, pela minha emoção, pelo pensamento, a vida está apenas a começar! Não me ame como se tudo faltasse, por esse amor a vida reinventa as perdas em ganhos, para que eu consiga morrer! A vida não é apenas vida, é o momento interior que me dei a mim. Tantas vidas desperdiçadas em viver, em ser algo em mim! A vida é uma escolha ou conveniência? Guardo minhas distâncias, meus isolamentos, ausências na alma! Nada é distante na alma, por isso, deixando nela minha distância de mim, me sinto melhor do que a alma! Me distancio de mim, jamais da alma! A vida diminui o ser, ao demonstrar o quanto meu ser é inútil em seu amor, em minha vida. Há infinito amor sem o meu ser! A minha vida é a busca do meu ser, com ou sem amor, com ou sem vida, meu ser existirá para mim, nem que exista apenas para me olhar morrer! Para existir consciência, é preciso o mundo, a vida, onde não penso em existir! Existir não é consciência de nada! Tudo se diz amar sem o silenciar de um instante vazio! A vida sem escolha é o amor, preenchendo a falta de instantes vazios! A vida por uma escolha é o fim da vida, que distribui faltas, preenche a dor! A falta é o ser reagindo a ser, mas nenhuma reação acolhe o ser! A morte acolhe meu ser, mas é sem reação. A lembrança não reage ao que perdeu, a lembrança não se importa de não ser nada no ser. Para o ser, a lembrança não existe, é uma invenção da minha alma! Deixo minhas lembranças no esquecimento de outro alguém, onde o meu pertencer é eterno, por ser apenas meu! Mas as lembranças tornaram-se alma, numa disposição para viver ou morrer! A vida não são minhas escolhas, a vida é a minha presença. Não importam as escolhas, se elas não me fazem amar, ser feliz! Não existe amor sem alegria. Cada escolha minha é a certeza do amor, da vida, vivos em mim, onde nada é o nada, tudo é tudo! São escolhas da alma, que surgem como sendo o meu ser! Eu sou minhas escolhas, como se tudo tivesse vivido por escolher! Eu escolhi amar, ser feliz, como se existisse apenas esse instante em que sou feliz!

Já fui longe demais para morrer

Abstrair a morte, de qualquer coisa que eu sinta. Não preciso que meu sentir seja real para a morte; nem mesmo pra mim, o sentir precisa ser real. Não existe distância para a morte. A lembrança desaparece sem a morte.

As duas faces do viver

A vida deixou sua alma, para um recomeço de morte, onde a sua morte é eterna. A vida, em rostos desconhecidos, parece desenho que alguém desenhou, por não poder sonhar. Almas perdidas, sem identidade, parecem ser a identidade de alguém, que faz parte da alma, do nada, do vazio, assim faz parte do universo da vida, que é diferente do mundo. Não há vazio sem paz, nem há alma sem conflitos. O conflito da alma é a vida. Pela alma, a vida não existiria. Os rostos apagados da vida são a vida. Eu compreendo a vida pelo tempo que se foi, que não é anterior, nem é posterior à vida. Sem corpo, alma, não consigo amar, sendo amor.