Blog da Liz de Sá Cavalcante

Ninguém

É preciso deixar a alma correr solta, livre, no ninguém de si mesma, para o ninguém da vida. O nada perde a razão em amar. O ninguém não se desfaz em alguém. O sorrir é a certeza de não existir alguém para o ninguém. Posso fazer da poesia o que a vida não levou da eternidade. Eternidade vem, parte, mas a dor é a mesma. O nada é alguém que não percebe a presença de ninguém. O ninguém é o desejo infinito de ser, onde nada se aproxima. Apenas este ninguém aparece na inconstância de nada sentir. Eu refleti a luz, onde o ninguém que amo é a minha ausência, na presença do meu saber. A luz se apaga sem refletir, pois nenhum alguém, nenhum ninguém, existe mais. Mas, se vê no indefinido de se viver simbolicamente, como poeira no deserto. O indefinido tira-me do deserto da alma, torna meus sonhos amor. Minha inexistência é o sonho, a presença do nada, que tornou o sonho morte, nem por isso modificou minha inexistência em morte. Ninguém, ninguém sopra o vazio do ar, do amor. Ninguém espera existir, não há mais nada nem ninguém, por isso a alegria ama nela mesma, por isso é infinita, distante da vida, da plenitude. As palavras tristes, na ausência de alegria, me resgataram para eu nada ser. Nada preciso ser para a alegria me preencher da sua luz, que ilumina o céu de tristeza. Tudo se tornou desolador, como se a tristeza desmaiasse em minha dor. Tudo estagnou, foi pior do que cessar de novo: sei agora que a vida é possível, mas não sei como fazê-la acontecer. A amei em palavras, sem palavras, apenas para que este ninguém seja o meu amor. Foi assim que morri, da ausência da falta de viver. Nesse instante, o silêncio me banhou de amor. Morri, não vejo mais corpo em mim, sinto apenas amor, na certeza de que vivi um dia. Conheci todos, e ninguém para amar. Estou cansada de amar, nem as palavras me fazem amar. A vida foi a minha morte. Não amei por mim, amei por todos. Agora, não sou mais nada, nem sou ninguém, sou algo perdido no ar, que consolará as estrelas da imensidão do céu.

O pouco da lembrança que eu tinha era apenas solidão

Lembrar sem mim, a lembrança me deixa mais só do que a solidão. Esta agonia, de ter o corpo na alma, é uma saudade sem saudade, onde não preciso me lembrar da vida, a vida é apenas essa saudade, que dá calor ao meu corpo. Se houvesse amanhã, a vida não existiria. Mas, meu corpo não é ausência de vida, é o que pude ser em mim, para mim. Se a lembrança é a procura de um corpo, não é pela lembrança que vivo. Lembrança é o que falta para ser. Então, como a morte é uma lembrança? A morte é o ser pelo ser. Apenas a morte cuida das minhas lembranças. Tive lembranças, mesmo sendo por morrer.

O silêncio abraça a alma sem amor

Morri, mas não perdi a liberdade, que importa mais do que viver. Sem consciência penso, pelo silêncio, que abraça a alma sem amor. Penso, como se me restasse apenas pensar. Pensar é não prestar atenção ao silêncio, que isola o pensar de si mesmo, da vida, do amor. Meu olhar não vê a morte, mas a sinto tão real, que ela vive em mim, sem eternidade. Meu amor, lembrança da morte, ainda viva.

A alma é o futuro do amor

Há caminhos sem esperança, que podem ser amor! Minha alma não se completa por eu viver. Não quero ser a sombra da alma. A liberdade, quando é plena, é pura tristeza. A ausência do que seremos é a liberdade da alma. A alma feia e velha torna-se a beleza e a juventude da vida.

Perdi a mim de saudades de mim

Não perdi a saudade de viver, como perdi a vida. A morte vai cessar sem morte, sem amor, protegendo o céu, reconstruindo o céu pelas estrelas. Perdi a mim sem morrer, de saudade de mim. Não necessito morrer, para sentir saudade de mim. O fim da morte é o não ser, é o ser pelo ser. Se nada em mim houvesse para morrer, seria triste.

Variações da alma

O instinto de morrer são as variações da alma. Somente a alma pode mudar o sentimento de morte com a minha morte! A morte precisa do meu sentir, para me fazer morrer! A poesia é a única solidão que me une à alma! Para a poesia, não existe morte, tudo é eternidade! O eterno é sem eternidade! A alma é a falta do ser, é o indefinido ter alma. É como abraçar o nada, e se preencher de lembranças, mas cada lembrança é um nada escondido em mim, tentando existir! Para que o nada?! Para saber que existo! Ter alma é apenas uma crise de identidade, logo cessará. Tudo passa, até a alma. A alma nunca substituirá o ser! Para fixar a alma, é preciso não compreender a alma! No dia em que eu compreender a alma, a perderei. Mas não esquecerei o quanto fui na alma, foi como ser para mim! O ser de mim mesma é sem valor, mas o ser de alma é de um valor extremo. Não há individualidade na alma. A alma são todos ou nenhum! As variações da alma não são a alma. Alma somente é alma ao se determinar alma! Já não basta sofrer, eu ainda tenho que morrer como se sentisse sua dor! Não acredito que você sofra; mesmo assim, nada sabe do sofrer, mesmo que sofra. Vou afastar o sentir do sentir, mais pleno, absoluto, apenas porque não sei sentir, como se nada estivesse acontecendo entre mim e a morte! É como me reconciliar sozinha com a minha dor! Não há reconciliação com a morte! A revolta da alma é um olhar, que permanece nela, deixando-a partir, como se a alma não soubesse olhar, nem tivesse que sustentar o olhar no que sente. Olho como se não dependesse do olhar para olhar! A ausência de um olhar já é um adeus! Saio e entro dentro de mim, sem alma, sem mim. Sou apenas um meio para o amor. Nada no amor se despede mais do que a morte do amor, que não é a alma do amor! O amor não tem alma, por isso encanta o desencanto! A morte significa ser amada, até mesmo sem o amor!

Conselho

Não me deixe só, pois a dor já tem a minha alma. Comece a me amar sem alma, vida, para não estarmos sozinhas. É tão fácil esquecer pela alma o que sou. Meu ser vive do amor que morre nele, como uma canção sem direção, perdida no vento da tua voz. O fim distante, como se levasse minhas lágrimas por dentro de mim. A distância une o amor com o nada. Somente veria o nada, se ele fosse a distância do real, onde meu ser e minha alma me pertencem, como uma realidade irrealizável, somente a sinto pelo sol. A irrealidade é um sol que dura, que refaz o ser nele mesmo. Nada vivi de real, mas não posso dizer que não vivi, que o despertar do sol é uma vida distante da vida, onde consigo me amar. A alma vive o adormecido, nos sonhos de ser. O sonho se torna apenas luz. Não sei que conselho dar à vida, mas quero que ela me deixe errar, acertar, no que sou para ela, para amar eternamente, sendo a vida eternamente, não me faz menos triste. A vida que pousa em meus braços, me libertando do nada do pensamento. O pensamento fere a vida, a aniquila, a devora. A vida, machucada, não é triste como o sol, que nada o fere, nada o detém de amanhecer. Mesmo que não seja a poesia que o faça surgir. Ele amanhece, na ausência do amanhecer. Me desligo da vida, como se eu fosse o sol. A ternura disfarçada de sol é a vida em morrer nela mesma, não pelos outros. A vida conhece meus pensamentos pela dor, não pelo meu ser. O esclarecimento é a única dúvida do céu. Nenhum conselho tem o amor em mim. Escrever é tornar o acontecer real, pelo amor eterno, que me faz escrever mais do que a mim mesma, é pela alma que escrevo. Nenhuma atitude gera vida. A vida nasce do amor, da alegria de pertencer ao passado. Tudo passa, sem o passado. É no passado que existo em minha morte. Resta a esperança, sem depois, para que o silêncio se torne amor. Não me lembro do amor, me lembro quando o perdi: foi uma memória rasa, que não afunda na profundidade. O passado é o depois, que nunca houve. O passado não é um acontecimento, é ausência de amor, falta de amor. O que nunca sentirei será sentido por alguém. É isto que me torna especial: estar noutro alguém, ainda sendo eu. Nada se permite crescer em sonhos, onde a realidade é nunca crescer. A falta é uma ausência, que não se repudia por amá-la. Ninguém merece o amor, mesmo ele sendo apenas falta de ser. Apenas o amor pode me faltar, para eu sofrer em paz, sem a súplica da tua dor, que é mais do que o universo, sou eu ao morrer em ti, onde o hoje existe, sem separação do passado, apenas a coragem de ser feliz, com o passado. O passado nunca parte. Não necessito do teu silêncio, tenho as minhas palavras, a minha voz, para ouvir. Ouvir é jamais me esquecer, dentro de um sentimento qualquer, que me faça viver.

Minha poesia é a dor da alma

Na alma, minha alma será levada pelo respirar mais triste, que faz toda diferença entre viver ou morrer. Respirar é fala que se escuta, compreende, mesmo sem o abismo de mim, que é meu respirar eterno!

O que aconteceria se eu tivesse apenas a visão de mim mesma?

O tempo em que te dei a minha alma cessou, agora necessito ter alma. Vou amar mesmo que perca minha alma, minha credibilidade, minha lucidez. Enfrentar a ausência da alma com amor. A vida nunca se aproxima, sou eu que tenho que me aproximar da vida, me aproximo, me afastando! Embalo a morte nos meus sonhos. O olhar vive a irrealidade do amor. O corpo reage à irrealidade do amor, com um abraço para toda a vida! O abraço me lembra que o amor não desapareceu por completo, ele virou lembrança. Mas o amor não está em minhas lembranças, está nos meus abraços, onde a lembrança é apenas um detalhe no amor! O brilho do meu olhar se apagou, sem o brilho de outro olhar. Mesmo assim, resplandece, com o seu brilho na alma! Como a alma pode falar, amar, ser pelo ser?! Não há condição para a alma ser alma! Talvez a alma seja um instante perdido, sem a imensidão do nada! O infinito é pouco para ser a perda da alma! A alma não consegue nem sofrer, por isso morre, pela sua presença toda em si mesma! O que aconteceria se eu tivesse apenas a visão de mim mesma? Me veria numa alma morta?! Já fiz de tudo para ressuscitar minha alma, não foi possível! Ela ainda está viva no que amo, mas estando concretamente morta! Por isso, quando amo, me sinto morta, morrendo por amor! O instante de ser alma nunca aconteceu, por isso sou alma! Sou para sempre a ausência da alma, que lateja, rasteja por mim! A alma não precisa ser humilde para se render a mim! Não posso trocar uma alma por outra alma, mas posso trocar a alma por um amor, que supere meu sofrer. Abraçar sem a alma é o mesmo que não viver, que não conviver com nenhum amor. Com alma ou sem alma, sou insaciável no amor, que é todo abraço que posso dar! A alma nunca envelhece, nem esquecerá jamais o meu ser, embora ela não o sinta, o admira. Admiro a alma não necessitar do amor para admirar o ser e acreditar na sua existência e na existência do ser, da mesma maneira, sem diferenciar, sem tornar uma existência mais essencial do que a outra. As duas existências precisam da vida, da completude do vazio! A alegria é engraçada apenas quando ela é triste! Nada satisfaz aquilo que é feliz. Eu não preciso ser feliz, muitos dependem da alegria para viver, eu não dependo nem mesmo do vazio existencial para viver, nem da alegria, pois viver nunca é feliz! Existo apenas pelos impedimentos, que não são barreiras, nem lacunas, é a vida! A única barreira é olhar o céu, viver de estrelas! Não existe o bom e o ruim, existe o ser e o não ser! O que aconteceria se eu te visse no meu desaparecer?! Seria eu a luz que falta pra clarear a vida?! O pensamento nunca deixará de ser pensamento, para uma vida que sempre será vida. Ela é mais vida de tantas mortes, do que de si mesma! Mas, não é vida da vida, do amor, do ser! Para o amor, o tempo serve como vida, não como ser! O olhar e a certeza são exteriores a mim, à vida, ao sentir! A certeza é um fato verídico, que se precisa averiguar com cuidado. Mas, a alma é uma certeza que não precisa ser provada. É da alma que nasce a certeza da vida! A alma sem certezas é mais fiel. A realidade não colide com o real de ser, que é a mesma coisa que a realidade da vida! O que aconteceria com a realidade se eu tivesse apenas a visão de mim mesma?! A vida seria o meu olhar, ao olhar a vida, sem a eternidade da ilusão! Vivo mais meu olhar, foi apenas um momento de ilusão, que desfez o instante de viver! Posso reaver esse instante, começar de novo, contar comigo. Estou cansada, somente preciso dessa ausência pra cessar a exaustão! Não sei recomeçar, nem começar, somente sei começar, recomeçar pela ausência, onde a alma não está ainda perdida, como se fosse o céu! A alma não está no céu, nem no ser! Ter alma é a confiança de desaparecer, sabendo que aparecerei pela alma, pela vida, pelo ser! O desaparecer é a vida, que precisa ser, existir, não apenas pelo seu desaparecer, mas por ela mesma! Nada desaparece no aparecer, o aparecer é a morte, é o amor! Sou vida, morte, sou tudo, mas não preciso ser! Quero apenas olhar o desaparecer e o aparecer, me sentir diferente de tudo que é vida, morte! Olhar, me sentir calma, por não precisar aparecer, desaparecer! Essa é a única alegria que posso ter. Não há desamparo maior do que a visão de mim mesma. Morri por me olhar e não me reconhecer eu em mim!

O que pode me separar da separação?

O amor é a memória do ser, por isso o ser é o que é. O ser não é ele mesmo, nem mesmo no amor que pensa sentir. O amor se lembra mais do ser, do que do amor do ser. Nada falta do amor na presença do sol. A imaginação tornou-se morte. Eu preciso me imaginar morrer para morrer. A imaginação não preenche o real, o real se preenche no real. A alma são duas pessoas, que se separam para sempre, para viverem. A liberdade é a atenção que dou à vida. Já perdi a vida, por isso ela ficou perto de mim, assim como o sol necessita do céu e o mundo da Natureza. O sol ama o céu, apesar da distância, do abismo que há entre os dois. O abismo é o único amor possível do sol, que derrete a chuva em emoções de fogo e ar. O céu pode esperar por um momento de vida apenas meu. Se algo me surge como amor, numa vida inexistente, é porque não há mais sonhos. O envolvimento com o sonho não é sonhar. Sonhar é amor, onde nenhum envolvimento alcança. Aprendi a não me envolver comigo. Para não me amar, deixei de morrer. O silêncio da vida é minha voz dizendo para viver. Nada pode ter acontecido à alma no viver. A vida é o que nunca viverei, pois amo. Vi a vida nos meus sonhos. Um pouco de vida já é o suficiente para eu viver!