Blog da Liz de Sá Cavalcante

Alma de sol

Procuro lembrar a imagem da alma de sol e fazer dela a minha imagem. A alma tem a imagem do sol. Assim como a lua se esconde do céu em seus sonhos. Preciso ir até a alma, seja pelo mundo, pela vida, pelo ar, pela ausência, minha presença torna a alma amor. Mas como há amor na alma? Amor não é privilégio do ser, mas alma e ser estão separados. É inconcebível amar o ser pelo ser, o amamos pela alma isenta de ser. É fácil amar sem o ser, sem ser. Vida existiu quando havia amor? Que é necessário para amar? É necessário desvendar a alma de sol pelo meu existir. Existir ou não existir não faz diferença para a vida, mas faz diferença para a alma. Tudo importa para a alma: o não conseguir perdoar para a alma já perdoei.

Um tributo à vida

A vida da consciência é um tributo à vida, melhor homenagem que foi feita à vida. A vida necessita da vida, da consciência. A certeza de ouvir e ver a vida me faz apanhar a morte no ar.

O aspecto da vida

A verdade da consciência é um aspecto da vida. A vida não é sempre vida. O sonhar da consciência é sem vida. O lado interminável da morte não é a solidão, é o próprio ser. O lado eterno da vida é o nada. Ver com olhos de lágrimas cessa o nada. Nada posso aprender com a vida, mas ela aprende comigo, a ser leve, viver poeticamente. Onde há poesia não há morte. A morte é o fundo da essência, onde encontro paz dormindo. Tudo abandona a alma. Apenas a morte quer saber da minha alma, cuida dela como se fosse sua alma. A paz era para ser eternidade, paz é morte.

Por que não consigo permanecer em mim?

Ter alma não me ajuda a ser. Permanecer é ser só. A beleza solitária é como uma luz que ilumina uma única vez. Se sentiu como se fosse a única luz. Minhas mãos consolam o meu corpo por não tocar a alma. Tocar é reviver o que não vivi apenas em tocar. O silêncio é a morte me tocando. Perdoar é morrer. Não consigo ficar sem morrer, é mais forte que eu. O quanto preciso morrer para viver? A morte sempre tem razão. Viver não me faz morrer, nada quero da vida. A vida consola a minha morte, vejo apenas solidão. A solidão une a morte e a vida. Fui separada da minha interioridade pelo meu amor. A despedida é prosseguir, conseguir, mesmo sem vida. Permanecer é tudo que posso fazer por mim, pela vida. A alma não espera o tempo para viver. Ser é um passo para a eternidade. Tudo faltou na eternidade, faltou até o vazio. O vazio da eternidade é sem ser, sem alma. Canto mudo que a eternidade escuta. A alma emudece perante mim, pela minha eternidade, nunca mais falará. Falar, mudez da alma, surdez da vida. Meu amor, já que não posso te fazer companhia, minha morte fará companhia ao meu próprio amor. A morte não é menos triste que o amor, quando transcende a alma.

Rouquidão dos instantes

Na rouquidão dos instantes, os instantes não são vazios nem solitários, pois não sei o que o outro pensa. Os instantes preenchem o nada, o vazio. Ninguém quer ser apenas um instante de vida. O tempo quer morrer; o vazio, o nada, já morreram: e essas perdas não me fazem viver de instantes. A rouquidão dos instantes me fez perder a voz num lindo sorrir de amor. Cada amor foi perdido sem a rouquidão dos instantes. Tenho que fazer da fala dos instantes a minha rouquidão. Entre o falar e o não falar, existe a rouquidão dos instantes, que não pertence à fala ou ao silêncio, pertence apenas às palavras. A palavra é um ser. Palavra é tocar a alma, torná-la concreta com o meu tocar. Tocar a alma no vazio de ser, como as palavras que as preenchi, por respirar as palavras que não são palavras: são amor. O amor, perfeição do mundo, da arte. O dom é expressar livremente no que sou. A falta permanece como alma, mas a alma não são faltas: é uma plenitude, preenche a vida. Longe do fim, perto de Deus. A falta é como descobrir o nada no que me falta. Almas tentam viver, fingindo existir, mas, em algum momento, a alma tem que se entregar à morte. Desde então, não vivo. O tormento é a explicação da vida. Deixa as flores, o mundo, os animais, as pessoas se entenderem pra cuidar de nós. Nem tudo são flores. Mas, às vezes, coisas boas me deixam triste. A fé é a morte da ilusão pela realidade da fé. A fé entristece a alma. Tudo que desfaz a alma está morto como a alma. A alma cessa quando ama, por isso não adianta tentar matar a alma. O silêncio é sem alma. Ter alma é não dizer adeus como digo alma. O interminável da alma é o fim que não sinto, ninguém sente. Quero, por isso, morrer com os olhos abertos para a alma.

Noite de sol

A essência da noite de sol é o despertar do amanhecer, sem ilusão de viver. A lua cheia desata estrelas da realidade de nós. Pela vida, vejo estrelas, no céu, apenas mortes, plenitude. O outro eu em mim era apenas o céu, mas as estrelas cessaram o céu em mim. Foi quando percebi que eu sou eu sem o céu, sem as estrelas. Sou apenas este ficar comigo que vai além do céu, das estrelas, por uma noite de sol, onde meu pensar é o que é triste em mim, como se eu pudesse alcançar noites de sol, numa melancolia tão profunda, que tudo amanhece como se eu pudesse ser amada por ti. Ler as almas é ficar cega por todas as almas, todo o amor. Leio minha alma com determinação de vida e de morte. Flor da mágoa, ilha do sol, da solidão emprestada pela alma. Ser só é deixar de ser como alma sem poder ser alma.

Alma sombria (não exposta ao sol)

A alma precisa de sol, não do ser. A tristeza ficou no lugar de morrer. O que tenho para ser vivido na vida ou na morte é apenas o meu ficar só que não pode ser sufocado dentro de mim. Dentro de mim, o adeus não é o sopro de um adeus, é apenas solidão. Queria ser livre como as flores até em morrer, como se isso tornasse a vida uma presença real no meu corpo, que não somente é lembrada como morte, como também não tem o seu adeus.

Chão de estrelas

Sou triste, as estrelas não estão nas minhas mãos, mas estão no caminhar do chão até mim, que parei não por andar, mas por pensar. Meu rosto são sonhos de alma. Minha pele, realidade da alma. O sentimento do mundo é uma única estrela que modifica a vida. Como revelação, desmoronei no sono de viver.

O costume da vida é morrer

A liberdade é o céu. Não há céu na minha morte. Eu faço das estrelas o céu dos meus sonhos, onde nunca faltam estrelas. Pelas estrelas do sonhar, tenho o céu inteiro em mim. Não adianta viver de estrelas. As estrelas diminuem o infinito, sonham pelo fim, amando como se fosse o começo, onde posso dar início ao meu fim. Sentir o fim sem sonhar é morrer como um sonho. O lado elevado de morrer perde-se em pensamentos fúnebres. O pensar morre antes de ser, existir.

Realidade viciante

O nada interior da vida não alcança a realidade de ser só. A tristeza cessa vivendo. Viver é ter a realidade para mim mesma. Pensar me faz voltar a mim na saudade de ter sido. Ser não é ter sido.