Blog da Liz de Sá Cavalcante

Cemitério de mágoas

Falar estimula a alma a viver. Não sei falar do amor sem senti-lo. Amar é não viver. Junte meus pedaços no cemitério das almas, das mágoas, e me terá para sempre. Unir pedaços é um vínculo eterno, indestrutível secou-se a vida, as feridas da alma. Cultivar novas feridas, cicatrizam as velhas. Não sei morrer sem sofrer. Alma é partir de onde nunca estive, isso me faz ficar. Ficar na alma, nunca chegar ou partir, é amor.

Oportunidade (para pai)

Perdi-me. Acompanhar a morte para me encontrar, longe do sofrer. Abrace-me intensamente, para eu me encontrar longe de mim: na vida que me deu. Se isso não é amor, nada mais é. A falta de você é falta de vida. Por você irei viver sempre mais. Em você eu sou eu. Eu para você. Nossa vida é amor. Nossa vida é uma só, por isso é eterna em nós.

O despertar do nada

A alma se dissolve em aparências eternas. Preciso me conquistar para confiar na vida, no céu, no mar. Tudo existe apenas pela confiança. Eu abandono o abandono de mim, para sentir o vazio, senti apenas o abandono de mim, pior do que morrer. Vou me encantar com a morte. Ela é um pedaço do céu em mim. Nada isola a morte do céu. O nada substitui o ser. Sem o ser o nada existe absoluto. O nada do sofrer parece infinito. Apenas o nada do sofrer cessa o nada no ser. O nada é o fim no depois, no ontem, no agora. Renascer é a distância da alma.

Vida a incendiar em mim

A vida é apenas um olhar: expectativas do nada. Tudo importa no nada, que amanhece antes da vida, do sol, de mim. Sou carente de vida. A vida é carente, não sabe dar amor. A alma se destrói pela compreensão do espírito. Nada quero compreender. Quero apenas que a ausência faça de si mesma o que é. Ausência é o sono, é o devaneio, é viver uma realidade que não existe, mas, na ausência, o impossível é essa realidade na minha morte.

Entusiasmo

A luz na margem inocente do que se pode ver. O sonho sonha com a vida pelo que vê. Eu, sem nada ver, sou apenas real. Ver vai além da alma. O silêncio me impede de ver. É com entusiasmo que sonho ver. Ser para si mesmo afasta a alma de mim. Esse afastamento dura como o sol. Nenhuma conquista, nenhuma esperança para sobreviver à dor de viver. O amor é um sol depois do sol. A alma do sol me faz amá-lo mais do que sua luz. Sou a luz do sol em poesias. A vida, sendo apenas luz, vai além da vida, além do ser. O ser pode ser vida, que não está na luz. É cedo para a alma se dar ao sol, como uma forma de lembrar de mim. Tudo que dou nunca é perdido, se apropria de mim. O tempo pode ser qualquer lembrança distante do tempo individualizado. Não se pode fugir do tempo, o tempo se esconde de mim: se torna poesia. Tudo vai renascer, nos braços da inexistência. O não existir é o céu sem a inexistência. A existência é a imaginação do céu, estou viva na imaginação do céu. Da mesma forma que tudo morre sem existir.

Luz do nada

A luz apaga-se em lembranças refletidas no nada, reflete o nada como poesia da alma. E logo tudo passa a ser amor. Começar a ser é poesia. Continuar a ser é o fim da poesia. A luz do nada é a voz de Deus no ficar de mim mesma. Não sonho comigo, sonho com a luz bebendo-me em vidas poéticas. A poesia vai além do amor, é sede do nada. Me despedace, mas na luz do nada, e minha alegria será eterna, como a vida a sonhar.

A distância da vida me une a mim

A distância é uma realidade de vida. O silêncio de morte ou de vida acaba com a distância, que é a vida sendo a distância da distância que é mais distante que a distância. Nada é perto ou distante. Para Deus, apenas existe. Me dedicar a distância é preencher meu vazio na distância de mim. Não espero que o vazio se una ao amanhecer. Mas quero o vazio como se fosse a lentidão do amor. Vivo o infinito da voz da vida, sem nascer para mim. Para nascer é preciso ser eu primeiro. Morrer é ser apenas para mim. Mas ainda é o meu ser, mesmo morto, sem ausências, sem adeus, enfim, sou apenas amor. Caindo num amor finito, recuperei minhas perdas, meu ser. Morrer é agir, quando a vida se desespera sem mim. As palavras, desespero que me acalma. Ignoro o meu renascer, que é a pureza da minha alma.

Irreprimível

Se o pensamento se une ao ser, não há vida. Eu queria fazer algo essencial para a vida, onde não houvesse pensamento, e eu me dividisse em amor finito. Um pedaço de mim foi jogado sem a vida, o outro ficou nos destroços da vida, sem ser destruído pela vida. Os gritos do nada são amor. Queria que fosse o mar, o isolar de Deus. Deixar a morte no espaço da vida é morrer com a vida, onde falar é pouco para amar. A solidão não atinge o amor, e a poesia que me entusiasma até com o fim, onde sei te amar. A palavra é um ser em mim, poético, cheio de poesias. Como amava te amar, posso amar ao menos a poesia, perceber que é seu próprio amor vivo em mim. Vivo o instante, mais do que a poesia, o instante nada exige de mim, a poesia me suga, estamos felizes sugadas em um amor desesperado, que não é triste: é sol, é vida, é a presença de Deus a me olhar no infinito do nada. O olhar no nada terá um fim em Deus. Não há um lugar, mas deve ter alguém ou algo a me esperar na solidão. O fim da alma é a minha solidão, não a dela. Não há dimensão para o infinito. O fim do infinito é a dimensão do infinito.

Tempos perdidos

A alma é a desigualdade de ser. Expressar a inexpressividade é o amor da alma. A vida do todo é o amor. O amor parece essencial, mesmo em tempos perdidos. A ausência é sem tempo, isenta do tempo, assim como de noite chove. O tempo sem ausência devora a lembrança que me esforcei para ter. A ausência refez minha lembrança como o fluir do mar no fluir do meu ser. O amor não se esgota no seu fim. Deixei de ser para amar. Deixando-me, aprendi a ser.

Vida do espírito

São o amor, vou tirar a morte da vida e colocar flores na minha dor, e deixar de morrer: esta é a vida do espírito. Vou transformar a vida em espírito por meu amor à vida. Não há o que chorar no espírito. O espírito se afastou da alma para viver. O que vivo eu amo, por mais que ame a vida, não a amo o suficiente, para me emocionar com o amor. Tudo é morte, o resto são sonhos abandonados por uma vida inexistente. Porque a vida não pode ser amor? Quando é que o amor é um sonho? A ausência é uma lágrima de adeus. A verdade existe apenas no amor. O silêncio inconstante do não existir consolou-me de mim. A palavra não existe sem a vida. O meu amor é precoce. A alma é este nunca partir de dentro de mim. A parte de mim que está inteira é leve como uma folha de árvore que cai no chão. Como saber o que é viver? Vivendo. Se eu deixasse o sonho ser o que quiser, a poesia me escaparia num suspirar eterno. E essa eternidade existe na folha que cai da árvore. Essa folha é minha eternidade, pois ela não sonha.