Blog da Liz de Sá Cavalcante

O espelho do nada

O nada se vê sem ele mesmo, fica apenas a imagem, como se fosse o espelho. Afundar nos sonhos para que ninguém me veja. Para que ninguém sonhe sem mim, nem sonhe como eu. O nada é o meu rosto, minha fisionomia. O rosto me impede de me ver, sorrir para mim, pois sinto sua alegria na minha invisibilidade, que apenas eu percebo. Todos parecem me ver: pode ser apenas momentos de solidão. Na poesia perco esses momentos. Meu rosto nunca será de poesias, por isso escrevo, para ter um rosto.

Luz de poesia para eu viver

Vivo na luz da poesia, sou o que a torna minha luz. Ter o passado, o presente, o futuro, numa mesma luz, é porque tudo me ilumina. O que fica no além é a inexistência, o amor. O além é tudo isso. Apenas o além me devolve o amor. O além não é a morte, são as minhas possibilidades. Almas se escrevem no vento e se leem em qualquer lugar. Nada permanece na alma, por isso, a alma permanece alma. Permanência, te admiro no meu esquecer. A alma não tem vontade de lembrar de mim ou me esquecer. É isenta de mim. A sua única e eterna lembrança é Deus. A eternidade não socorre as vítimas da eternidade. A eternidade é alienação. Não deixe o instante morrer, sem a alienação. O instante tem que se alienar, senão não vai ser eterno. Deixo a luz ser minha única consciência. A consciência guarda sua consciência apenas para si. Preciso transformar a luz em consciência. A consciência se entristece por ser consciência.

A vida se esclarece com a morte

A morte é essencial para a eternidade da poesia. A poesia, na morte, são vários sentimentos, várias vidas que confundo com a morte. Sorrir é ir além da morte, falo sorrindo como se eu falasse pelo sol, pelas estrelas. O tempo não substitui Deus. Deus é o tempo de Deus. Viver sem estrelas não é viver. Os passos da eternidade dançam para o meu amor, que não é eterno pelo que dura, mas pelo que sente. Amar é morrer. Morri como se fosse nascer. A morte é infinita no que sinto. Se tudo fosse morte, haveria mais vida. O sonho é sem impedimentos. A nostalgia me faz sonhar. A saudade é o fim de um sonho. O sonho é sem cenário e aplausos. Sonhar é elevar a alma, é não transcender. Morrer é alegria infinita, que não é morte, não é vida, é apenas feliz a alegria sendo apenas feliz. O real é imaginação. A morte não tem limite, como o sol e a chuva. A única coisa que a morte quer da vida é limite. Sonho melhor morta. Eu sou muito mais do que morte: sou o encontro da poesia com o nada do teu silêncio. Por isso, não escuto o nada, escuto teu silêncio a poluir o nada. Quero viver a poesia que existe somente em mim, sem ausências. A poesia impregna a pele com meu ser.

Falar sem palavras

A fala do tempo é melhor do que qualquer palavra, silencia a vida com amor. No chão me perco, como se o meu amor voasse perdido no céu da tristeza, que não é o céu de Deus. No céu há o céu e mais nada existe. Tua sombra, minha imagem. É triste sonhar, mas o sonho não é triste, apenas se despede do que não existe. Nada falta existir, mas o que prevalece é a inexistência. Necessitar é mais inexistente que a inexistência. Eu compus a vida em poesias inacreditáveis: são a essência da vida. Falar sem palavras é amor. Amor é o vento soprando meu corpo para longe de mim. A alma existe sem o ser.

Choro pela falta de dor

Choro pela falta de dor. Nada sinto, nem o vazio. Minhas lágrimas são como se fossem a inexistência da vida. Eu estou vazia de morte, vida, estou morta por dentro de mim!

A vida está segura dentro de mim

A vida é apenas a lembrança inexistente, por isso a vida não pode ser o passado, pois a vida não é um sonho, não foi boa no passado. Se todo passado é sonho, eu não tenho sonhos. Mas para que sonhar? Minha vida é um sonho, mesmo sem um passado, e é feliz.

Extremidade

Apenas a morte não é o extremo. Há extremidades que se concluem sozinhas. Não deixe eu me perder sem a extremidade. A vida deixa de ser vida: é apenas um princípio. A espera é um adeus. A poesia é visível apenas na alma. Sem amor a vida existe, ela recebe nosso amor, com o amor que não sente, mas reluz mais do que o universo. Restou apenas a luz, esse nada no não acontecer de viver. A lembrança é o espírito da alma.

Vivências

Pelo nada do meu corpo, a alma vive. O nada embeleza a vida, é o tudo na vida, desliza na morte do saber. Ver o nada é ver o universo. Eu sinto o nada como o único possível em minha vida. O nada no nada não é o nada, é a extremidade do ser. A imagem é a eternidade do meu olhar. Entro dentro da minha imagem para descansar minha invisibilidade. O homem como Deus não existe. Mas as palavras, o amor de Deus, existem no ser, como vivências. Vivências que são almas. Não se pode impedir a perda do amor, não são perdas de alma. A alma não é boa, apenas a perda é boa, pois me faz viver, até o que não foi esquecido em viver. Esquecer é alma sem o partir. Partir é fazer do meu olhar a alma dos sonhos. Eu cultivo o olhar na falta de vida. A vida nunca é nem será um olhar. A saudade é um devaneio. O nada deixa vestígios de saudade como uma gota que arrebenta o mar e o enche como nunca esteve cheio antes. Excesso de água não é mar. Mar são momentos da água que borbulham no nada do agir. Vivências não deixam o mar existir. A reserva que eu tinha de vida, gastei com o nada. O nada tem mais vida do que eu. O nada é atencioso, prestativo. Nada falta ao nada, o nada é feliz. Eu não sei da vida da poesia, mas acrescento-me a vida da poesia, sem retornar o que era: antes da poesia estava morta, e acorrentada à vida, como um sonho.

O constrangimento necessário de esquecer

Não posso ser passiva na morte. O ser engrandece a alma, com sua espera de amor. Meu ser espera essa espera de amor, de viver. Mesmo amando, espero o amor sendo amada. O amor nunca é completo, é solidão. Não se pode isolar o nada no amor. Vou cavar a pedra do sofrer. Vou descer até as lágrimas da minha alma. Submergir na alma até não me afundar. O mundo é o único livro que falta ser aberto. O sofrer é o retrato da alma. Mãos que alongam o céu. Percebem o céu nas mãos. Mãos do céu, segure minhas mãos em tuas mãos. Assim, não sentirei falta de escrever. A paz de morrer não me deixa suspirar, pois não morri em ti. Eu podia dar um fim na morte, não consigo. Escrevo com as mãos amarradas: isso é morrer, não sentir minhas mãos ao escrever. Me escondo no vazio da alegria, do consolo de ser alguém. Alguém no desconsolo do nada, a ouvir o infinito. O silêncio se compara com a fala da morte. Estou morta por fora, por dentro estou bem viva.