Blog da Liz de Sá Cavalcante

Veemência (obstinação)

A alma é a obstinação da vida. O céu é a determinação da morte. A morte é a segurança interior. Erguer o sol do sol para a lua deitar na vida, para a vida se pôr de pé, sem obstinação. A beleza da lua é o dia, é o não nascer. Nascer sem lua é a falta, o desejo. É o saber espontâneo do nada, que desafia a morte, as estrelas. O ausente é o sol sem nuvens. O sofrer não é só. A estrela, mágoa do céu a disfarçar o vazio. Meu ser somente beira a morte para me distanciar de mim. Por mais distante que eu seja de mim, ainda sou eu. Eu não sou apenas por não ser você. Toda a vida é essa distância de mim distante, é estar perto da alma. Vejo-me na morte. Não me vejo viva. Vejo-me além do universo. Onde não há infinito, há amor noutro infinito: o da solidão, onde não há fim, tudo é início do nada, num voar eterno da eternidade.

A vida da vida

Teu corpo pesa na minha alma, a tua solidão pesa se não for minha solidão também. A ternura do nada pousa em mim, como se pudesse ser a falta de mim. Como sinto falta da falta de mim. A vida permanece sem lembranças: plenitude de viver. As lembranças são tristes como respirar. Nada pode ir além da realidade. Sonhar é respirar. Há ausências feitas de sol e sonhos, há ausências que são apenas presenças. A presença cessa sem a vida ter partido. A vida não é presença, é tudo que me falta. O que possuo é sem vida: é a esperança. Dormir, presença infinita que me faz morrer. Dormir é uma ausência superior à presença, está inteira em mim. Em mim, meu ser é incompleto sendo completo. A vida da vida é a renúncia de mim, que fica na margem da saudade, onde descanso minha tristeza, como uma poesia, onde sei que ainda posso ser feliz, como se tivesse esquecido de mim, numa alegria desconhecida. Chamo-a de viver. Longe do corpo, da alma, para sentir melhor a vida, não partir com ela. Hoje tenho uma nova vida, longe do meu corpo, da minha alma. Existo como vida da vida, percebo que preciso de pouco para viver, não preciso do meu corpo, da minha alma, necessito apenas do amor da vida, sentir a vida, não preciso nem mesmo viver!

Coincidência de corpos e almas

O corpo se diferencia da alma quando ama, na coincidência infeliz de se viver. Como viver na alegria? Vivendo na alma: ela é que torna o corpo amor. Não me dê alma, vida, se não pode dar você mesma a mim. A morte é a diferença do corpo e da alma. Não quero a morte, quero viver. O céu, ausência da vida, afastou a vida de mim, com a sua presença. A ausência faz a presença não se perder. A presença do olhar é o não eu.

A grandeza do sentir

Tudo encontro no meu corpo, por isso, não existe corpo, na grandeza intacta feito alma. O nada de mim é uma atenção, um amor que tenho pela realidade para que ela morra comigo a dormir. A realidade não é certeza de viver. Viver sem realidade não é sonhar. Ausência é o outro em mim. Morrer é o outro sem mim. Nada significa para o significado, ser um significado.

O desmaio do sentir

A alma é uma missão, uma expectativa, onde desmaio no sentir e o sentir desmaia em mim. O céu se despedaça com o vento, e o sentir não desmaia mais, faz companhia ao amanhecer. O amanhecer sem vida é ainda mais belo, mais perfeito: é a realidade em mim.

O transcender do transcender

Não transcendo no céu, nas estrelas, na vida, sou o transcender do transcender, onde tudo continua, e eu apenas transcendo, na falta de continuar por mim mesma. O céu se inspira no nada, como uma vida, que não há, mas a sinto nas entranhas da morte, como um soluço da minha voz. A voz de esconde no ouvir. Ouvir são ausências tão próximas, como o céu. A certeza de viver é uma ausência, é a razão humana, a presença, é a razão de Deus.

O ser do ser

Despedaçar-me não é saudade, é minha união com a vida. O infinito, a plenitude, é pouco para minha ausência. Renunciar a alma, é amor, amo a inexistência da alma: é como não chorar. O adeus é a alma, que permanece em vão.

A selvageria de amor por mim

A selvageria do amor por mim são os meus poros, onde me despeço da solidão, da mornidão do sentir, que vem em meu rosto, cheio de vida. A vida olha apenas para o meu rosto e o mundo se ilumina. Fico selvagem, primitiva, de amor por mim. A alegria do tempo é partir para o meu amor. E não voltar mais. Se eu não voltar a mim, ao menos sou feliz onde eu estiver sem mim.

Não há nada da vida em mim

Não há nada da vida em mim, há este torpor sem faltas, sem ausências, pois não há vida para existir ausência, amor, há apenas eu em mim. Deixa o fogo ser as linhas do pensamento. Deixem-me no vento da esperança, onde nasce a fé do sol, onde sou feliz.

Refeita de mim

A morte é uma razão natural, quase divina, por isso estou a semear a morte. Deixar-me morrer sem a alma viver, refeita de mim. O nada nasceu da necessidade de ser tudo. O tudo não existe, por isso existem os sonhos. Sonhos despertam o real com ausências mais reais do que o real. Uma vida exterior à vida brilha nos meus olhos. É difícil ser o fim de qualquer coisa, sou meu próprio fim. Não sei como começar pelo fim. A alma não adere ao fim humano, vive o fim de Deus.