Blog da Liz de Sá Cavalcante

O fim é um abraço que dura eternamente

A certeza do corpo é o nada. A incerteza do corpo é o corpo. Sou uma abstração do meu corpo, da solidão em que vivo. A solidão é permanência de mim. A permanência de mim é vida. Mas há vida sem permanência. A alma não é permanência de vida ou morte: é um ficar sem permanência. Permanência é o esquecimento da vida. O esquecer, permanência da alma em mim. Tudo existe no esquecer, mas não posso ser feliz, então esqueço, com tudo que há de lembrança. A ausência me abraça eternamente feliz, como se meu corpo fosse meu corpo. Ela me abraça com meu corpo. O corpo só abraça melhor do que dois corpos, do que a alma. A alma é clandestina, alheia a mim. Vou fazer da alma a falta de saudade de viver, vivendo na alma.

Náuseas de solidão

A inconsciência é mais que consciência, é admiração, amor pela vida. A consciência resiste à morte, mas não resiste ao depois!

Quando o mundo era mais mundo do que solidão

A razão descobre o ser na solidão. A solidão não se isola: por isso tenho corpo, alma. Represento a solidão da vida, sem representações. Quando o mundo era mais mundo, que a solidão admitia ser só, feliz. Outro ser é o meu fim. O fim é uma maneira de aceitar a realidade. A vida quer mais que o tempo para viver. A vida quer viver por mim. O céu não deixa a vida viver por mim. Como falar da vida, se ela é silêncio? Como ser nada para o silêncio? Por que sou para o silêncio da ausência e não sou amor em ti? O que ainda existe em ti, vida, para amar? O que posso fazer da vida em ti, tristeza? Compartilho meu fim com o que vivi um dia.

Junção (reunir)

A morte é para si mesma, não é para o outro, assim, torna-se necessidade para o meu ser. Reunir a morte, nessa separação de ser, é amor. Vou morrer por reunir a morte, a minha esperança.

Sou menor do que minha ausência

Se eu não reagir às ausências de vida, vou morrer. A ausência é o pedaço de mim que não partiu de mim. Não cabendo na morte, sofro. Apenas a morte não me isola de mim. Apertada, dentro da morte, aprendi a viver. Mesmo sem a realidade, existo. O real é a morte, é o sofrer, o resto é sonho. Fui ficando dentro do sonho, sem vida, morte, mas não estou protegida do nada.

Sinto na pele

Sinto na pele o rasgar sem entranhas, se ao menos rasgasse minhas entranhas da alma, seria feliz. Sou feliz por sentir na pele tudo que sou. O céu é a pele de Deus. Não há lugar para a aparência, nem na pele nem no amor. Ela pode viver.

Caos (desarmonia)

A desarmonia do sentir, não é o caos: é a harmonia do amor! É inacreditável, desarmonia no amor. Respiro amor. Amar é bom até ao morrer. O meu silêncio não morre comigo, minhas palavras morrem, em harmonia comigo mesma. Nada sofre em palavras. Tudo se sofre no exterior sem palavras. Conectar a realidade nas palavras. Sombras acesas cessam palavras. Palavras expõem a vida ao destino. Tudo tem um destino, até mesmo um ser objeto. Amor não é um destino, é consequência do destino. A busca é um destino. A alma é um destino. A falta de alma, de busca, é o destino dentro do destino.

O amor se compreende amando

Sem essência, posso viver e morrer. Minha essência se foi com a poesia, com as lágrimas, é o que resta da poesia. Sinto nas lágrimas a única poesia que vale a pena escrever. São tantas poesias para ser amada: sou feliz. Nada destrói uma alegria verdadeira. O tempo é a incompreensão de tudo. Nada há para se compreender. O antes e depois do corpo é a morte. O corpo não morre, se decompõe. Se desfaz. A inconsistência da vida, do outro sem mim, é minha consistência. A inconsistência da memória é meu pensamento, onde não há o outro sem mim. Meu pensar é o outro, é um sentir, um amor, nunca é o que penso. Pensar é dizer ao outro o que ele é, por meio do pensamento. O pensamento se liberta do sentir, não é mais um pensamento, assim, compreendo o amor amando.

A vida é um sonho de presença

O tempo de cada um está escondido no renascer da saudade. Não há tempo na saudade, há este renascer sem ter para quem renascer. O céu, lembrança que o nada existe, por isso existe céu. O sonho faz nascer o tempo do amor. O sonho no amor percebe sua solidão como se fossem asas de liberdade, mas para quem ser livre? A liberdade tem que vir de dentro do outro para dentro de mim. Escrever ressuscita a alma, onde a escrita não nasce. A vida é um sonho de presença para a presença não acontecer. Mas a alma ainda é presença sem o ser. A alma é colocada à força em mim. Hoje, choramos até amanhecer em nós. Nunca amanhece em nós. A presença é o sonho de uma vida. A vida não é presença, ausência premeditada, com vontade, vontade de sofrer, amar, viver. Vontade é me despedaçar por meu despedaçar não ser a presença de outro alguém.

Escutar

Vida é canção que não se escuta, se escutasse não seria vida. Escutar é a irrealidade da alma. Eu escuto o infinito no irreal. Meus sonhos são reais como a irrealidade. Surpreenda-me com minha morte, onde escuto sem medo. Às vezes é reconfortante ouvir o nada sem morte, às vezes eu necessito ouvir a morte, é agonizante o silêncio da vida: é como se não houvesse perdas para a sonoridade do meu amor. Escuto o silêncio sem desmaiar. A vertigem é para não esquecer a vida. A vertigem é a vida. Não há vida no vazio. Espero não esperar: isso é sonho no sonhar. Escute minhas mãos na poesia e nunca mais vida necessitará de amor. As mãos deságuam em sons de eternidade, esvaziando o som do silêncio. Apenas minhas mãos podem romper o silêncio sem paz.