Blog da Liz de Sá Cavalcante

O semblante do nada

Vou começar a ter uma aparência pela aparência do nada. Não dá para ser pela aparência, mesmo que ela seja o nada. Quando meu interior se foi, que alívio, que mansidão profunda, tão profunda como o amanhecer. Nada a fazer pela vida, pelo céu: apenas sentir esse não sentir. A vida do céu é o mesmo amor da vida do mundo. Aceitei até teu abandono, basta um gesto teu e eu vou morrer. Morrer feliz. Morri feliz ao olhar para o nada: foi como ter a vida de volta.

Perdas são motivos para viver

Vivo sem ser eu mesma. Sou outra distante de mim. Sendo outra, eu preciso aparecer para mim como uma rosa que não floresce, murcha de reconhecimento. Superei as perdas caindo no abismo das perdas. As faltas são o meu sorrir. A eternidade não existe por causa da realidade. Queria ser real como um pedaço do céu, escondido para ser exposto no amor. A imagem da morte é única, rara. Não me recupero da vida. Agonizo com a falta de esquecimento da vida. É preciso esquecer para compreender. A rigidez das palavras é como um deserto de mar. Como a falta do nada. Escrever em sonhos o que não escrevo na realidade de viver. O encanto de morrer cessou em viver. Quero declamar o nada sem poesias, na minha morte. Perdendo a voz no nada, falei como o nada. E tudo se dialoga em versos mudos que não se escutam. Se compreendo o que escrevo? Não! Apenas amo escrever, e assim entendo a poesia pelo meu amor. A vida é uma poesia. Sou poesia sem escrever. Escrever me torna nula, vazia. Não é possível amar sem poesia. A poesia é minha alma. Alma que para o universo para amar. Falta tudo para o ser ser nada. Perdi a poesia dentro da poesia, para me sentir. Sentir e falar amando não é fácil. Esse frio, dentro da alma, é o nascer do amor.

Intervalo sem alma

O intervalo sem alma é a diferença da vida para a morte. O corpo não recebe a alma, como eu a recebo. Corpo e alma são incompatíveis. Quando a alma se derramar no corpo, não haverá necessidade do infinito.

Solicitude

Não chore, não durma, saudade de viver, estou aqui, vida. Se não dormir, já está comigo, atenta ao nada do meu viver, que se espalha no infinito sem alma, como sendo anzol da vida. Refazer a vida como alma sem necessitar ser feliz, apenas me vou como ondas do mar, repletas de amor supremo de morte ou dor. Tudo oscila no nada da escuridão, que contém a vida num sopro de luz.

O som inesquecível da morte

Deixa o amor morrer surdo, sem o som inesquecível da morte. Morrer sem o som da morte é ser esquecida, é morrer, sem morrer por ser esquecida. Mas o esquecer não é a morte: é Deus em mim. Lembro apenas do essencial para não sofrer: que existe algo maior e melhor: Deus em mim.

Sublimar (engrandecer)

Existir somente para si não é sentir, é existência. Alimentar a morte com meu amor me seca, me esvazia. Não me deixe só, morte, sem ti. Amo a vida, o sol, é ausência de morte. Se o sol me amasse, o amanhecer seria ausente, seria decepção. Não me habituo à luz, escrever é escuridão. Fragmentos de vida na alma não se despedem de mim. A vida se despede de mim sem razão. Não há descoberta sem morte. Não posso ficar com a vida para mim. Procurei o sol nas estrelas. O espírito de mim levita na vida. A alegria são palavras. Tempo de estrelas a me transformar. A transparência da lua é o infinito sem o céu. É o nada se cativando. O nada assume a vida. O que não existe por existir se faz amor. O amor era para ser a existência de tudo, não é. Não há amor em morrer? Morrer é a existência do fim, a determinar quem sou, sendo ainda mais, penso na vida, no que deixei sem deixar: e assim permaneço morta. O instante de ser não impede a minha morte, a favorece. A luz tira a luz da luz. A distância é uma luz incomunicável. Não há sombra na luz. A luz é um desamparo, posso chamar de vida: ela escuta enquanto ilumina. E essa escuta transcende na fala, no transcender, na perda de mim. Me faz morrer para eu não me ocultar de mim mesma, sem estar ausente. Minha presença é a do sol, da vida, que me faz morrer.

Aconchego no sofrer

Uma vida tão longa, que é o fim. Vejo a alma pelo seu fim. O fim da alma é o meu fim. Não escorrego na alma do nada, mas eu vivenciava o nada sem alma, como sendo minha vida, não tenho mais vida: sou apenas a união da minha alma, com a alma do nada, apenas assim, me senti viva. A alma do nada não pode ser o meu silêncio em palavras. Palavras que eu desconhecia, isenta do nada. Amizade, afasta o nada e a alma para não me ver chorar por mim. Sou amiga de mim. Nada me atrai no olhar, por isso, converso com meu olhar, sem o nada que nos divide. Somos esse nada que une meu olhar em mim, em ti. Nada é inseparável no amor. Não me leve ao sofrer. Eu sou este sofrer, me afaste de mim. O amor separa a mim de mim mesma. A luz não afasta a escuridão. Eu me afastei da escuridão para morrer. Mas morrer é escuridão para morrer. Mas morrer é escuridão, clareia a alma. Alma é uma forma de não me esquecer. A vida é sentir falta de mim. Sem a vida não sinto falta de mim. Superei o vazio, não superei o nada, ou será vazio e nada a mesma coisa? O que falta em mim existe no nada? Que nada eu seria em mim? Renascer é fazer do meu corpo a minha morte, sem a proteção da alma. Lembranças são excluídas da vida. Uma vida, sem lembranças, é a alma. Desligar-me da alma por reles lembrar é me matar por dentro de mim, onde um abraço vai piorar a minha morte: minha solidão nesse momento nada preciso sentir, preciso me abandonar.

Novidade em viver

Nada desaparece na consciência desaparecida: é como um abraço eterno. Não vou mais desaparecer: sou ou não sou eu. Mas desaparecer é como morrer. A alma não se perde em mim. A vida é algo novo pra mim. Tem almas que ressoam vidas. Preciso sair de mim para encarar a vida. O que é a vida, se eu a amo? Inebria-me em respostas inexistentes. Inebria a morte num pedaço de poesia para eu me dar a morte.

Lembrança tênue (fraca)

As lembranças evaporam sem existir em si mesmas. As lembranças esvaziam em sua plenitude. As plenitudes tecem as lembranças tecer o céu na morte, para reaver as minhas lembranças, memória eterna do depois. Deixem-me só, com as minhas lembranças. Fim da memória do nada. Nada há em ver. Inebrio-me na falta de amor. Deixo-me sorrir. Tudo resplandece no meu sorrir. As estrelas me sorriam com ar de estrelas até vir o céu, e o meu coração começar a bater, viver em mim.

Liberdade em te amar (Pai)

O amor aparece sozinho, como uma morte, que não há. Vou desatar a solidão de mim. Vou renascer de solidão: no meu abandono em mim. Aos pedaços do céu, estilhaçados, não interrompo minha morte, com o meu amor. Deixo o céu na lembrança e o amor me escapa como um céu. Não vou desistir de amar: é o início de um céu. Deixa-me no céu do teu amor, e jamais vou sofrer, não sentirei falta do céu, na falta de mim. Saudade infinita de ti.