Blog da Liz de Sá Cavalcante

O inesperado

A vida é um sonho, o sonho é a realidade sem mim. Acordei sem alma, num sonho eterno, que não é morte, é apenas a dor de morrer dentro de mim, a latejar no respirar da vida. Se a vida respirasse apenas por mim, a vida perderia seu significado, não haveria o que buscar na vida; meu amor, minhas poesias seriam inúteis. Minha imagem me foge, para que eu exista e possa morrer noutra imagem, noutra luz.

Suportar a vida

Sensações são vidas perdidas em mim, para suportar a vida sem o agora. Perder os sentidos é recuperar as sensações em mim, como se eu retornasse ao nada, de onde não devia ter saído. A lembrança de viver surgirá na minha inexistência. Meu interior é minha inexistência, o amor é minha morte.

A poesia nasce de si mesma

A poesia nasce só, de si mesma, eu sou apenas o coração da poesia. Não há possibilidade de ter alma pela alma. O céu é partir da morte, numa alegria eterna. Nada me separa da morte, nem mesmo a morte, que é morte no mundo e no céu. A morte não me distrai do meu viver num céu de tormento. O céu chora de dor por todos, quem chora pelo céu? A morte é poesia, é inspiração, é arte, aconchego. É esperança. A poesia é massacrada sem morte. A morte da poesia são as palavras, a poesia não precisa de palavras, mas de amor!

Estímulo

A lucidez é leve, como se fosse desmaiar, não pelo corpo, mas pelo que viveu. Dormir é ausência de alma, onde o ser é ele mesmo. A inconsciência de despertar destrói a vida. A alegria é a ausência do nada, como se a ausência do nada não fosse real, mas é. Morrer, como se eu visse Deus, para retornar ao meu olhar, ao meu amor, à minha vida, que me salvou da tristeza, da clausura, do isolamento do meu corpo. Sou apenas alma, que se espalha no vento, multiplica amor, assim não vou morrer: vou ficar encantada de nada ser, sair dessa prisão de ser, envolver-me de sol, de vida. Contagiei-me em viver, como se eu fosse a luz do sol, tudo ilumino com amor.

É melhor viver pouco do que viver nada

Morrer é olhar para a vida, seria como ter alguém na minha solidão. Busco o amor, até sem consciência. Estou plena do vazio da plenitude. A lembrança da consciência é o vazio. Há vazios na consciência e sem a consciência, mas não há nenhum ser no vazio. O vazio é estar junto de alguém, onde me esqueço de mim. Sozinha, não consigo me esquecer de mim, não há o que perder, não há vazio.

O desconhecido da alma

Imperfeição, tua nudez é meu corpo, minha alma. A falta corrige o nada, na alienação do meu corpo. A alma me ajudou a morrer; não resisti, fui até o fim em morrer. A vida não me ajudou a morrer. Quem resiste à alma não morre, vegeta para sempre. Deixa-me ser um pouco alma, vida, que deixarei tu seres vida. Nada é pouco na alma. Apenas a alma aceita a realidade de ser, é seu costume de ser feliz. A alegria da alma entra dentro da tristeza. Nada mais é triste: que desolação. Por isto quero estar no ventre da vida, para não estar em ti, tristeza, assim não alcanço o infinito das tuas ausências, que suplica viver, como um resto de mundo guardado em ti, sem fazer parte de ti. Não há dor que me impeça de ser feliz. Pensei que o amor me deixasse feliz, eu penso apenas quando sofro, o sofrer me faz feliz, como se eu tivesse o dom de nascer do sofrer. Ao menos, o nascer tem que ser algo bom. Se sofro por ter nascido, estou doente de alma, não nasci totalmente. De que adianta eu nascer sem vida? Se nasci sem vida, morrerei com vida. Vida que não quis que eu amasse, amo mesmo contra a vontade da vida. Nada determina a vida, cada dia o sol se põe mais distante, para que a vida seja o que nunca pode ser. Descansei na alma do amanhecer, acreditei em sonhos até o anoitecer da minha alma. Vivi o sol dentro de mim, com a voracidade de quem vai morrer, como lembrança do sol, do nada, da vida, de tudo que existe, que poderia ser sol e não é. Deixa o sol acontecer em mim, pelas palavras não escritas, que eram para ser noite, para eu dormir.

A distância do tempo

Como excluir o nada do amor? Pela aproximação, que distancia o tempo no amor da eternidade. O saber não existe. O que sei do amor é o que ele não sabe de mim. Tudo tem um motivo, menos para o amor deixar de ser amor. Amo o amor quando ele se abandona em mim, como se fosse eu. É mais fácil ter o céu do que ter o seu amor. O tempo, escravo de si, condena a realidade pelo domínio da ausência do tempo no tempo. A distância do tempo é a única realidade da qual não quero fugir. Quero apenas que a distância do tempo não me distancie das minhas fugas, para eu não fugir da realidade. O mar, fuga do infinito, salvou-me da realidade.

O óbvio não é vazio

Tudo que é previsível torna um dia após o outro possível, intenso, como se fosse a última vez que eu visse o amanhecer com essa clareza de espírito, que diminui o óbvio, para nascer a incerteza da alma. Esqueço a alma ao sorrir. O vazio me une à lembrança do nada, que se mistura com minhas lembranças. O óbvio é relativo. Questiono o inquestionável pelo óbvio. O óbvio precisa ser falado, amado, preciso senti-lo até nascer a esperança, que faz cessar a vida. O difícil não é acordar numa vida de solidão, é dormir com meus próprios sonhos.

A tristeza da verdade

A tristeza da verdade é por onde nasce o sol. Morrer não é tão triste quanto nascer. Escrever torna a vida fiel. Repartir o nada, para ser feliz. A falta que você me faz é o nada em mim. O olhar do nada é perder o nada. Chorar o nada é ter o céu.

Sonhos trincados

Sonhos trincados, numa alegria de adeus. Pedaços de sonhos não se partem ao meio em sonhos trincados, rachados pela realidade, não se quebram. A ambivalência entre viver ou morrer chega até o nada, alcança o nada, como se alcançasse o céu. Sonhar me deixa perto de Deus, dos meus sonhos, de mim, onde a espera da morte é apenas uma espera. A morte não se realiza, é enlouquecedor. Deixa-me o céu, a minha morte, ser minha poesia.